(porque post dramáticos e vazios de efectivo conteúdo nunca serão demais)
Sou uma casa assombrada.
Estava tudo a correr tão bem, os passarinhos azuis que me aconchegam o lençol à noite e me vêm vestir de manhã são os que deram bicadas na irmã má da cinderela até ela cegar.
E eu que tinha medo dos demóniozinhos que vinham ter comigo, a provocar-me com frases que só eu entendia, espantava-os com um tabefe.
Afinal são só seres da minha imaginação. E por isso não morrem facilmente.
Se fossem animais ou humanos, pronto, a morte é uma coisa definitiva, de um momento para o outro deixa-se de estar.
Mas assim, vivem para sempre.
Advirto que não sei bem do que estou a falar.
Invejo a descontração dos outros. Sempre invejei a forma leve e fresca com que tratam de assuntos que a mim me fazem crescer bolas de gases na barriga, ligeira vontade de chorar, ondas fortes de pânico generalizado, por vezes a minha respiração ofega, e torno-me agressiva para esses tais outros, que se riem das minhas preocupações. Que tola, está tudo bem, não há problemas.
Irrita-me muito que os outros sejam melhores do que eu e vejam as coisas tão claras.
Não suporto isso.
Porque eles não sabem, por mais que me digam e provem que sabem, eles não sabem.
E é ve-los a rir e a continuar a viver e eu, parada no tempo e no espaço, a ver tudo de dentro de uma bolha cerebral, a desviar o olhar e a conversa, a ver se ninguém dá conta da minha loucura, porque estou certa que os meus olhos se esgazeiam todos, e suspiro um daqueles suspiros de rendição e os demoniozinhos aninham-se no meu colo como gatinhos com sarna. E eu sento-me a pensar, com aquela ingenuidade de que vou chegar a alguma conclusão, eu e os gatinhos, a tentar ver os problemas através dos olhos dos tais outros mas sem êxito.
E eu digo, vamos, vamos para casa que os passarinhos azuis já devem estar preocupados.
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Foi na Antena 1 e a seguir deu o Foi por Ela
Passou uma borboleta no vidro do meu carro, ia eu a entrar na auto estrada.
Cor de laranja e preta. Atravessou na diagonal o meu vidro dianteiro.
Estava a pensar no meu vestido. É daqueles muito compridos, o meu pai gostou e a minha mãe disse que se podia era cortar e fazer mais dois vestidos para as crianças.
Foi uma mistura de coisas-cruéis-que-as-mães-dizem com fase-Musica no Coração-de-fazer-vestidos-das-cortinas-para-as-crianças-brincarem-à-vontade, que ela neste momento atravessa.
Ainda pensei em sair da auto estrada e ir para um monte qualquer apanhar vento sozinha mas isso é sempre uma ideia estúpida e mantive-me a caminho da cidade.
Não passava nada que me interessasse na rádio, e ia trocando de estação um bocado nervosa.
Sempre que nenhuma música me serve, eu acho sempre que estou a ter um ataque de ansiedade.
E depois estava a dar uma que é a Mariposa dos Deolinda e eu deixei ficar e prestei atenção à letra.
Falava de coisas a ficarem bonitas e da tal mariposa a pintar cor de rosa e de uma fossa entupida e de um delírio de amor.
Falava dessa coisa de uma borboleta passar e transformar tudo, como o Espírito Santo a renovar a face da terra.
Algumas coisas que a música falava eram bem parvas mas o que aconteceu foi que eu comecei a chorar.
Verdade verdadeira que eu comecei a chorar.
Eu também quero passar pelo mundo e vê-lo a transformar-se numa viagem à Disneylandia, disse eu no meu carro, enquanto os jacarandás me passavam ao lado, a intensificar o meu drama.
Eu acho que até quero dançar no metro, cantar fado a rir e desentupir a fossa, e pelo que ouvi da letra toda, acho que basta sorrir. É tipo mágico.
E agora fui ver e a música afinal chama-se Passou por mim e sorriu.
Estou na fase Gone With the Wind de fazer vestidos das cortinas para ir visitar o Rhett à prisão para lhe pedir dinheiro.
A minha sala tem vestidos cortados por todo o lado.
Sei lá.
Quero voar por favor.
quinta-feira, 15 de março de 2012
This is a song about two people that fall in love in a record store
Quando um acontecimento marcado na minha agenda me deixa ansiosa e nervosa, não no bom sentido sensual mas antes no sentido infantil "será que há alguma hipótese de me livrar disto?", eu começo a falar nele a muita gente.
Foi o que aconteceu com a inspecção do carro.
Ia falando sobre isso como se fosse uma coisa importante, alterando o meu tom de voz, insinuando que precisava de ajuda para esta tarefa, discutindo o porquê daqueles gritos que não se entendem quando os inspectores estão debaixo do nosso carro, a gritar cada vez mais irritados, e depois nos avaliam, com ar professoral mas com piadas à mistura.
Enfim, depois de encolher os ombros umas milhares de vezes, dizendo "se chumbar chumbei", como se não me importasse, como se não fosse crucial para mim passar à primeira, lá chegou a hora do exame.
O inspector pareceu-me um inspector normal, lá fui desempenhando as árduas provas que nos colocam a fazer, como se eu assim pressionada conseguisse perceber como se faz pisca para a direita (DIREITA, EU DISSE DIREITA) ou mesmo travar ou acelerar.
Bom, na verdade, o inspector foi simpático, agradeceu o facto de eu ter montado o triângulo e colocado os cintos e o colete para ele sentir como eu me importava.
Depois veio aquela parte em que são eles a pegar no carro para o torturar, e eu fiquei cá fora, sem conseguir olhar bem para o meu veículo, mas olhei assim de relance, como se não quisesse saber e o inspector lá estava dentro, a mexer no meu volante e a olhar para mim.
No final, mandou-me estacionar o carro.
Claro, vou chumbar.
Vai ser horrível, o carro está todo estragado, vou ter que passar horas a gastar dinheiro em oficinas, a ir a vir buscar o carro e a voltar a este centro de inspecções.
O inspector veio ter comigo, ficamos os dois de costas voltadas para o barracão dos exames e ele disse:
- Está tudo bem com o seu carro.
Mas vou ter que lhe dizer uma coisa, que a menina vai achar estranho mas eu vou ter que lhe dizer.
(pensei que ele ia fazer uma piada que eu não ia entender, estava assustada e curiosa ao mesmo tempo)
É que eu tenho uma relação profunda com Deus, mas agora não me interessa a minha história.
Quando estava a fazer a inspecção do seu carro, Deus falou comigo sobre si, e quis enviar-lhe uma mensagem.
Ele pediu-me para lhe dizer para não se esquecer da sua mão amiga.
Disse-me que todo esse choro, todos esses problemas vão passar e para você não se esquecer que ele tudo provem.
Eu sei, isto parece-lhe estranho.
(olhei em volta, pensei: isto é uma piada aqui deste Centro, eles fazem isto e depois riem-se muito, todos vestidos nas suas fardas verdes, mas olhei para ele e fiquei na dúvida - ele quis que eu estacionasse mais à frente, levou-me para um locar afastado daquele escritório final onde eles escarnecem dos nossos veículos e tive vontade de lhe pedir para escrever a mensagem de Deus toda, porque eu ia com certeza esquecer-me de tudo, até porque me distraí a pensar se ele estaria mesmo a ser franco.)
Balbuciei:
- Mas eu tenho fé.
- Eu sei, ele também me disse isso. Tome o certificado da inspecção e siga a sua viagem com confiança.
E então começou a chover.
Foi o que aconteceu com a inspecção do carro.
Ia falando sobre isso como se fosse uma coisa importante, alterando o meu tom de voz, insinuando que precisava de ajuda para esta tarefa, discutindo o porquê daqueles gritos que não se entendem quando os inspectores estão debaixo do nosso carro, a gritar cada vez mais irritados, e depois nos avaliam, com ar professoral mas com piadas à mistura.
Enfim, depois de encolher os ombros umas milhares de vezes, dizendo "se chumbar chumbei", como se não me importasse, como se não fosse crucial para mim passar à primeira, lá chegou a hora do exame.
O inspector pareceu-me um inspector normal, lá fui desempenhando as árduas provas que nos colocam a fazer, como se eu assim pressionada conseguisse perceber como se faz pisca para a direita (DIREITA, EU DISSE DIREITA) ou mesmo travar ou acelerar.
Bom, na verdade, o inspector foi simpático, agradeceu o facto de eu ter montado o triângulo e colocado os cintos e o colete para ele sentir como eu me importava.
Depois veio aquela parte em que são eles a pegar no carro para o torturar, e eu fiquei cá fora, sem conseguir olhar bem para o meu veículo, mas olhei assim de relance, como se não quisesse saber e o inspector lá estava dentro, a mexer no meu volante e a olhar para mim.
No final, mandou-me estacionar o carro.
Claro, vou chumbar.
Vai ser horrível, o carro está todo estragado, vou ter que passar horas a gastar dinheiro em oficinas, a ir a vir buscar o carro e a voltar a este centro de inspecções.
O inspector veio ter comigo, ficamos os dois de costas voltadas para o barracão dos exames e ele disse:
- Está tudo bem com o seu carro.
Mas vou ter que lhe dizer uma coisa, que a menina vai achar estranho mas eu vou ter que lhe dizer.
(pensei que ele ia fazer uma piada que eu não ia entender, estava assustada e curiosa ao mesmo tempo)
É que eu tenho uma relação profunda com Deus, mas agora não me interessa a minha história.
Quando estava a fazer a inspecção do seu carro, Deus falou comigo sobre si, e quis enviar-lhe uma mensagem.
Ele pediu-me para lhe dizer para não se esquecer da sua mão amiga.
Disse-me que todo esse choro, todos esses problemas vão passar e para você não se esquecer que ele tudo provem.
Eu sei, isto parece-lhe estranho.
(olhei em volta, pensei: isto é uma piada aqui deste Centro, eles fazem isto e depois riem-se muito, todos vestidos nas suas fardas verdes, mas olhei para ele e fiquei na dúvida - ele quis que eu estacionasse mais à frente, levou-me para um locar afastado daquele escritório final onde eles escarnecem dos nossos veículos e tive vontade de lhe pedir para escrever a mensagem de Deus toda, porque eu ia com certeza esquecer-me de tudo, até porque me distraí a pensar se ele estaria mesmo a ser franco.)
Balbuciei:
- Mas eu tenho fé.
- Eu sei, ele também me disse isso. Tome o certificado da inspecção e siga a sua viagem com confiança.
E então começou a chover.
Subscrever:
Mensagens (Atom)