- Eu peço desculpa mas não me apanhou numa fase muito boa. Agradeço a paciência que tem tido comigo.
- Ora essa, faz parte do meu trabalho - disse eu
São fases mais complicadas - acrescentei e baixei os olhos, tive medo que ela chorasse. Tinha o cabelo um bocado desgrenhado, faltavam-lhe as palavras, tinha caído no abismo do conhecimento bibliográfico ao aperceber-se, após fazer pesquisas, que há milhares de coisas para ler, e a vida são só 3 dias.
Tive pena dela.
Não por causa da bibliografia, quem lhe manda a ela ir pesquisar "associativismo" e ciência política" em bases de dados internacionais.
Tive pena por ela estar envergonhada da sua figura, da sua fraca figura.
Eu devia ter pegado na mão dela e ter-lhe dito:
- Ouça, eu acho que se a menina estivesse mesmo mal, não andaria bem vestida como anda. Pronto, talvez esse cabelo não faça o seu estilo, talvez faça parte da sua rotina pentear-se e agora nesta sua "fase " não o consiga fazer. Mas repare como ainda tem o cuidado de escolher a roupa interior adequada para essas calças de linho brancas que usa. Está muito apresentável, só quem olhar com muita atenção verá que está desleixada.
Devia também dizer-lhe também que me compadecia dela porque
- Eu já passei pelo mesmo, eu já disse a pessoas que não me estavam a conhecer na minha melhor fase, já o disse até muitas vezes, até entender que as fases são boas e más ao mesmo tempo e até me aperceber que as fases boas foi aquela tarde em Julho quando eu consegui construir uma cabana ou quando a gata Beca me deixou filmar o parto dela num início de primavera ou mesmo quando o meu cabelo estava mesmo fixe num dia em Novembro acho eu. E houve um serão quando eu fiz uma princesa-fantoche muito simpática.
Nesse instante é que eu devia ter conhecido toda a gente que há nesta vida para eu conhecer para me apanharem numa fase mesmo boa.
Para próxima eu salto do balcão, abraço-a e digo-lhe:
-Eu também tenho vergonha das minhas fases de desânimo e de pressão.
E mostro-lhe umas cuecas cor de laranja e um soutien preto por baixo de um vestido transparente.
domingo, 31 de agosto de 2008
sábado, 23 de agosto de 2008
Quando eu for uma mulher, saberei lidar melhor com estas e outras situações
- Oh filha, pra que é que queres isso? É muito fácil: compras daquelas capas de baixo coloridas, do tamanho do teu colchão, e usas pra cima os que quiseres.
- Pois é.
E olhei para o Estádio de Alvalade, da janela do Pulido Valente, e abri bem os olhos para não chorar ao pé dela.
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
O muro é de lamentações, não é de súplicas

Sentada na sala de espera do último piso (o das crianças e dos bombistas) eu olhava para a televisão, metade interessada, metade ansiosa por estar a perder tempo útil de trabalho (não cumprir os horários que faço para mim própria causa-me subtis mas intensos ataques de pânico - os meus traços obssessivo-compulsivos às vezes assustam-me).
Foi quando desviei o olhar da televisão para o desenho do mickey, com certeza mickey diabético, que veio aquela sensação estranha quando nos lembramos dos sonhos.
Meu deus, sonhei com o meu avô. Ele tinha chapéu e fato de riscas.
Nunca conheci o meu avô paterno mas durante a noite eu estive com ele e ele era uma pessoa diferente da que me dizem que ele era.
Mostrei-lhe a minha casa nova, tentei leva-lo a ver a minha mãe, ela ia ficar tão contente ao sabe-lo vivo.
Andamos em edificios de pedra, com grandes e austeras varandas mas eu sofria muito.
Não quero mais recordar este sonho, foi demasiado intenso.
A noção de que o meu avô me apareceu em sonhos porque me quer dizer qualquer coisa desinquietou-me durante toda esta sexta feira.
Lembro-me sempre do "Nazareno", uma opera rock do Frei hermano da Camara, onde a Amália fazia de Madalena e havia a famosa cena dela ir ter com Jesus e todos ficarem a olhar por ela ser bonita (na minha versão é bonita em vez de prostitua). E essa cena tem uma musica que é:
Eu sonhei em sonhos que aí com Simão, jantavas oh Cristo de faces radiosas, e trago-vos cravos, trago-vos rosas...
É que Deus resolvia muitos assuntos através de sonhos.
Antes de ir para Israel, a minha mãe disse-me:
- Escreve um papelinho para eu pôr no muro das lamentações. Eu não o leio.
Mas eu perguntei:
- Mas é pra escrever uma lamentação ou uma prece?
- Uma prece - disse ela, como se toda a vida tivesse ido deixar recados no Muro (se calhar toda a vida o fez mas a sonhar).
Lamento, prece, suplica, pedido, oração não são coisas exactamente iguais e não me parece justo encher o muro das lamentações de pedidos.
Escrevi então um pedido no papel dos recados telefónicos e dei à minha mãe, dobradinho em 6.
Se calhar mais valia ter feito um lamento concluindo com uma nota a Deus a dizer:
- Se és Deus, deves saber melhor do que eu o que afinal preciso. Eu dizer problemas até consigo mas as soluções nem sempre são claras para mim.
Como os sonhos.
sexta-feira, 1 de agosto de 2008
Não me apetece aspirar, faz demasiado barulho
Tenho a casa suja.
Tenho a vida desarrumada.
Tenho pêlos nas pernas.
Tenho uma ferida na nuca.
Tenho o cabelo comprido.
Tenho o crochet por fazer.
Tenho um chapéu de palha cor de rosa.
Tenho um boné caqui com um laço.
Tenho um vestido de hospedeira.
Tenho uma pinça ferrugenta.
Tenho uma tese para acabar.
Tenho loiça pra lavar.
Tenho um amor por resolver.
Tenho uma bomba para encher.
Tenho uns pés calejados.
Tenho uma família com problemas.
Tenho um chão de bamboo.
Tenho uma gata longe de mim.
E nem sequer gosto de ervilhas.
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