quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Sinto-me sozinha sem ti, Schillebeeckx, heart of gold

É humilhante confessar que não se tem ninguém para ir ao cinema ou ao IKEA.

Lisboa não é uma cidade acolhedora e propícia para fazer amigos.
Fazer amigos é muito difícil.

E agora chove sem parar e a roupa não seca há 3 dias.
Quando cheguei do Natal, escorria água das minhas paredes, e mudei finalmente a lâmpada da cozinha, que piscava psicadelicamente desde o Verão.
Fiz vida de solteira, de mulher independente financeiramente, com problemas familiares e corporais, como presumo que as mulheres solteiras de 30 anos tenham.
A coisa boa foi que a minha franja cresceu, já não tem aquele ar demasiado moderno que tanto me irritava.

Não tivesse hoje um jantar (já demasiadas vezes adiado), pegava nas minhas coisas e voltava ao quintal, trepava a uma laranjeira e fazia um sumo para o lanche, para mim e para as crianças.

Amanhã é a merda da passagem de ano e já sinto o stress e a depressão características da altura.

No Natal, mandei um mail ao catalão porque eu quero (e quero mesmo) reconciliar-me com toda a gente.
Por um motivo muito simples: eu não lido bem com pessoas que não gostam de mim. Não gostar não é indiferença, mas antes pensarem mal de mim.
Pensarem mal de mim faz-me achar que falhei como pessoa de bem.

Por isso mandei-lhe um mail muito simples, para "sermos amigos" (ok, aqui era sem duvida um exagero, o que eu queria dizer era "não me odeies") e ele disse que claro que sim, que podíamos ser amigos, que resolveu coisas na cabeça dele e que a "nossa situação" era normal e humana, e que não tinha importância quando comparada com a situação de algumas pessoas com quem ele tinha estado e que vivem neste momento uma situação horrível na Espanha.

Mas o que é que o cu tem a ver com as calças, valha-me Deus?

Entendi então que eu é que tenho que deixar de odiar ou então aprender a praguejar em catalão, mas não vale o esforço.
Se calhar não é deixar de odiar porque para mim é indiferente e talvez seja isso que me custa a aceitar, é que me seja indiferente. Tenho medo que seja uma indiferença superficial e que tenha traumas alojados naquela parte do cérebro que funciona pela meia noite e meia de algumas noites menos simpáticas, em que tenho a nítida sensação que sou ridícula e tenho dentes amarelos e uma vida falhada que espero que ninguém descubra ou, se descobrir, tenha a delicadeza de não abordar o assunto.


São quase 17h desta tarde de 30 de Dezembro e eu penso em acabar com este blog.
A bomba, a casa, parecem-me questões pouco importantes comparando com algumas situações que observo em Portugal e no meu peito.


Em 2010, vou tentar lembrar-me que não morri ainda.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Cesária Verde perto do Natal

1.

- Nena, já não vendem o teu perfume. Há outro que talvez gostes, vou-to mostrar.

(Eu uso o mesmo perfume desde os 10 anos, ou 9. Chamava-se Angelical Touch e depois passou a chamar-se Ma Cherie. Havia um outro que eu também gostava, era o Thaty, que tinha um cheiro adocicado de alfazema, mas preferi sempre o angelical touch ma cherie.
Todos os natais, a minha tia dá-me uma caixa do Boticário com o perfume e talvez mais um body lotion e um desodorizante mas o desorizante nunca uso porque me faz borbulhas nas axilas.
Agora, aos 28 anos, vou mudar de cheiro.
Não sou grande apreciadora de perfumes, se são muito intensos fico a espirrar. )

Apareceu-me com um guardanapo molhado de perfume e eu percebi que já tinha sido comprado o perfume.
- Não espirrei, por isso tudo bem, serve, tia. Obrigada.

Se calhar até vai ser bom.
2010, ano com um cheiro diferente.
Boa!


2.

Sou uma pessoa invejosa e detesto ver a felicidade e o sucesso dos outros.
Se há coisa que me irrita, é abrir o facebook e ver fotos e piadolas felizes, ditos espirituosos e toda a gente feliz a participar numa rede social, discutindo vários temas.
Ora um está nos EUA, ora outra em Londres, ora falam do seu trabalho interessante, ora de musicas ora de fotos de momentos jovens e interessantes, como nos anuncios das cervejas, ora se sucedem comentários giros atrás de comentários ainda mais giros, numa espiral colorida de partilha e relacionamento que me enoja profundamente se eu não participo nessas festinhas.

Se eu participar, tudo bem.

Mas tenho estas horas em que detesto toda a gente, em que não suporto ver os outros felizes, em que espumo de ódio a olhar para vidas mais interessantes que a minha.
É como raparigas bonitas.
De tes to - as!


3.

Nesta minha caminhada de Advento, tenho-me saído muito bem em deixar de lado a auto comiseração, e mal penso na cafeiteira a ronronar logo de manhã, significando que vou beber um café, sei que está tudo bem, sei que continua tudo bem.

E o Natal, ai o Natal.

Tenho o presépio feito e sento-me a olhar para ele.
À austeridade do Baptista (do João, primo do baby Jesus), eu prefiro a lírica do Isaías, cheio de imagens de mundos onde tudo é possível, lobos cordeiros serpentes delícias eternas átrios de paz jardins, tudo é bom, como na música:
Aqui é tudo bom, aqui é tudo tão bom, que até o sol é de ouro e a lua é sempre de prata e quando chovem, chovem diamantes...


E depois o baby Jesus, ai baby Jesus!
Sacralizou a fragilidade e agora eu vejo que o humano frágil, com o seu ódio à alegria no facebook, com a sua inveja do sucesso dos outros, com a sua vida esfrangalhada, com os seus problemas amorosos, com a sua falta de habitação, de educação, sem água e sem luz num país em vias de desenvolvimento, com a perna desfeita por uma mina, com a sua solidão dominical, com a sua arma no bolso a assaltar pessoas no metro, com o seu marido a bater-lhe, com a sua família presa por um ditador da américa do sul, com uma doença que não cura porque vive num país sem saúde para todos, com o desemprego a amargurar a sua vida e a da família, com a sua dependência do alcool ou da heroína, com o seu segredo horrível que não pode contar a ninguem, com a sua arrastadeira e a sua cama de hospital, o ser humano frágil foi tornado sagrado através do baby Jesus.


4.

Não tive coragem.
Pensei que este ano é que era, eu ia comprar uma árvore de Natal não natural (custa-me usar a palavra plástico junto com árvore) e ia recusar um tranco de pinheiro do pinhal que o meu pai plantou.
Pensei: hoje saio do trabalho e passo por uma loja bonita e vou investir numa árvore para ficar já por uns anos, vou comprar uma assim estilosa, de uma loja de decoração.
Mas então o espírito do Cesário Verde desceu sobre mim e eu senti-me completamente fora de contexto nesta cidade.
Decidi ir para casa, sentei-me na paragem do autocarro, olhei em volta e hiperventilei ligeiramente, tive umas saudades de terra insuportáveis embora ainda antes de ontem tenha andado de galochas a apanhar musgo.
Não, não posso ter uma árvore de Natal que não seja natural. Eu não sou isso.
Descansa Cesário, está tudo bem.