domingo, 26 de abril de 2009

Mr. Darcy, aceita este cravo vermelho como prova da minha afeição?

Entre batatas fritas, sopas para as crianças e gasosa sem açúcar do LIDL, havia uma discussão que metia vários temas à mistura, entre eles o santo condestável e a questão da santidade humana, a promoção de Otelo a coronel e as histórias das Brigadas FP 25 de Abril na Malveira, a Kitty e a sua amiga Anne Frank, o rapaz que me virou a cara e não me falou e os motivos possíveis para tal ter acontecido, o discurso do Cavaco e da Teresa Caeiro e ainda a questão de alguém se ter esquecido de fazer a salada e dos traumas da escola serem para a vida.

Surgiram algumas ideias interessantes, entre elas o facto de a ditadura ter caído precisamente no ex-convento de Nun'Álvares, e o facto de, no caso de haver uma guerra por uma causa qualquer, eu ser das que não vou pegar em armas, isto é: sou uma mártir.
E não fui eu que disse, foi toda a minha família que se riu imenso de eu ser demasiado sentimental.


Há muita coisa acerca dos ricos e dos pobres no mundo que eu não suporto e que considero injusto.
- Mas no fim de tudo, quando estamos à mesa e nos reconhecemos uns aos outros ao partir o pão, somos só pessoas, não é?

Riram-se com mais força.
Também eu me ri.

Esse santo condestável - que andou aí a matar gente - o que é que ele é a mais que a beata Alexandrina de Baleizão, que esteve não sei quanto tempo sem comer nem beber?



No regresso a casa, o Sinatra cantava-me o amor dentro do meu carro.
Lembrei o programa de rádio que ouvi hoje de manhã, onde um "especialista" (chamemos-lhe assim), de quem gosto bastante, respondia a uma carta de um rapaz de 30 anos que está deprimido por não ter encontrado o seu lado B.
O "especialista" ia explicando que um dos problemas era o rapaz ainda idealizar o amor, o problema era ele ainda acreditar no ideal do amor romântico.
Eu ouvi isto enquanto tomava o pequeno almoço e confesso que até as torradas me caíram mal.

Depois o "especialista" continuou, dizendo que a solução era o rapaz abrir o seu gira discos, ficando assim disponível para amar.

Sinatra ia enumerando as coisas boas de quando se está apaixonado e eu esqueci o programa de rádio.

Estar apaixonado de uma maneira irremediável, infantil, acreditando nos lados B e no "ideal do amor romântico", especialmente se for por alguém por sua vez irremediavelmente idiota, é uma das melhores ocupações que uma rapariga como eu pode ter.

Por isso, não acha que é uma pena, Mr Darcy, que, quando o Sinatra está a falar comigo, eu esteja antes a pensar em cravos?

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Abril em Portugal

Sábado estava muito mau tempo.
Ao final do dia, comi sopa à lareira antes de regressar a casa e olhei para o boletim meteorológico na televisão.

Brevemente vamos esquecer este mau tempo, pensei eu, e acho que até disse em voz alta que nada era definitivo, quer dizer, este momento não deve ter sido exactamente assim mas na minha cabeça é como o recordo e isso é que conta, não é?

Os ricos vivem melhor.
Têm sapatos mais confortáveis e casacos mais quentes e protectores.
Debaixo dos bons materiais, fofos e quentes como um edredão de penas, forros que escorregam como cetim, enfim, o Inverno é mais suave para os ricos.

Ou para quem comprar um bom saldo.

A minha mãe emprestou-me a sua parka e eu agradeci.
Protegeu-me do frio e da chuva, eu andava mesmo confortável e ela tem assim um feitio em forma de pêra rocha do oeste, com uma gola redonda, forro de tigreza, é mesmo uma peça gira.
Pus a mão no bolso e estava lá um papel.

Olhei para ele e foi como uma assombração:
um papelinho branco, um rectângulo de 5 por 3 cm, com uma lista de afazeres.
E não era meu!!!
Era da minha mãe.
Mas igualzinho às minhas listas diárias, semanais, mensais, listas de tarefas que tento completar em cada dia.
Se o ano tem 365 dias como dizem (que às vezes acho que não tem) eu faço 350 listas à vontade.
São coisinhas com um hifen atrás, que às vezes se podem desdobrar, podem ir desde lidas da casa a telefonemas a doentes ou a cortar as unhas.

Fiquei a olhar para aquilo, eu não sabia que a minha mãe também as fazia, fiquei ligeiramente assombrada e ligeiramente irritada pois eu, como toda a gente, quero ser única no mundo.
Afinal sou igual à minha mãe, até nas parkas.

Nunca li o diário de Anne Frank.
Isso deve ler-se por volta dos 1o, 11 anos e por essa altura davam-me antes para ler a Alice Vieira e a colecção Uma aventura e a Florbela Espanca (que eu roubava numa atitude de rebeldia literária) mas a Anne Frank não.
Lia o Principezinho nas aulas de Moral e reli-o depois novamente para me formar eticamente.

- Não sabes quem é a Ane Frane tia?

- Anne Frank.

- A Anne Frank não tinha amigos.

- Porquê?

- Porque estava na guerra.

- Coitadinha.

- Pois, e então ela fez uma amiga inagiária

- Imaginária.

- Iaginária, que era a gatinha Kitty.

- A sério? A Kitty era a melhor amiga da Anne Frank?? Meu Deus!!!

- A Kitty era muda.

- Muda?

- A Kitty não tem boca mas falava com o coração. Sabes tia, não faz mal não ter boca e ser muda. Não tem importância nenhuma porque fala com o coração.
Não tem importância nenhuma.

sábado, 11 de abril de 2009

Isaías descreveu tudo muito bem mas afinal eles eram quackers

As celebrações a meio da tarde têm a vantagem de ter uma luz muito doce a incidir sobre os primeiros bancos em frente do altar.



Dei por mim a contar os jardins que aparecem na história da páscoa de Jesus.

São alguns, com certeza que já há estudos teológicos sobre isso.E esses estudos com certeza que precisarão o porquê destes jardins.

Toda a poesia das orações de hoje acaba por meter lá coisas como árvores e lenhos de onde sai a salvação. Madeiro, alámo, jasmim, lenho, jardim para estar com amigos, jardim para rezar, jardim para suar sangue, jardim para morrer, jardim para dizer o que é preciso ser dito.





Também eu adoro jardins.

Quem não gosta?





A intensidade narrativa da sexta feira santa, onde as narrações do processo de condenação e morte do galileu arruaceiro são suficientes para me entreter a cabeça e o coração por completo, é um pouco diferente deste sábado, quando ele está morto e sepultado, e desce à "mansão dos mortos".

"Em paz me deito e adormeço tranquilo", que frase mais simples e bonita.

É uma linguagem que eu gosto muito, enfim, eu sou uma religiosa sentimental e romântica.




No jantar após o dia da conferência em Bologna, estavam sentados ao meu lado um casal de Lincoln - ela conferencista, ele marido dela, professor de ciências, alemão radicado em Inglaterra.
Eu já tinha gostado deles mas àquela hora, com a mesa cheia de queijo e presunto e poucos vegetais, eu com vontade de ir fazer xixi mas o banco era corrido e eu estava a meio de uma mesa cheia de gente e estava mesmo presa, não estava com grande capacidade de conversar.
Bom, àquela hora eu queria ir andar um pouco a pé e depois recolher aos meus aposentos.

Foi quando ele me perguntou se eu era católica porque estava a tentar fazer um paralelismo entre Portugal e a Baviera - eu achei que era uma piada muito boa mas ele estava mesmo a falar a sério.
Sim, sou católica e esta hungara que está aqui ao meu lado é luterana apesar de na hungria a maioria ser católica. O espanhol à minha frente acho que não é nada mas tem um anel cachucho muito estranho, o melhor é nem perguntar. O francês é um sociólogo do Maio de 68, não quero ser preconceituosa mas cheira-me que é ateu, bem como esse jovem realizador italiano e esse historiador muito famoso e simpático da Puglia.

Eu já tinha reparado que o casal de Lincoln era casado (isto é, tratavam-se como husband and wife) mas que a aliança deles era diferente.
Portanto, das duas uma: ou tinham a mania das diferenças e portanto escolheram alianças que mais ninguém usa, ou são de uma religião qualquer cujos casamentos se querem diferenciar dos católicos com alianças trabalhadas, o que acho muito bem, que isto de uma pessoa olhar e poder ver logo com o que conta, é o melhor da vida para uma pessoa como eu, que se baseia muito nos sinais e nas intuições que em geral falham mas que tornam o exercicio da especulação gratuita uma arte de viver.

Mas bom, eu perguntei se ele era católico, ele disse que já foi mas que tinha o problema da guilt, eu disse, pois isso é uma chatice, mas o ratzi é um anormal, não achas? Todos concordamos.
Até que ele disse: somos quackers.
E eu fiquei radiante, nunca tinha conhecido nenhum, disse eu, estou muito feliz por conhecer finalmente um casal de quackers.
Apeteceu-me abraça-los.
Mas depois a conversa até estava boa mas eu ainda não tinha ido à casa de banho e estava a ficar maldisposta.
Disse: tenho que ir apanhar e nunca mais os vi, mesmo após ele me ter dito que o melhor de ter deixado de ser católico e de se ter tornado quacker foi já não sentir a guilt.

Pois mas e os quackers também falam de jardins onde se cortam orelhas?