domingo, 31 de maio de 2009

Um post também é um bom pretexto para não estudar

Isto escrevi domingo à noite:

- Só acho que guardares essas coisas, essas mágoas todas, no coração, não te faz bem nem é justo para ela.

Mas as crianças regressaram e eu não pude desenvolver esta ideia.

Fiquei preocupada, e ao telefone a minha mãe disse-me hoje para eu almoçar numa tasca e eu percebi que não havia comida suficiente para mim mas eu tinha achado que íamos almoçar todos, pelo menos uns 4 de nós.

A minha face ficou tensa, estava um dia de mar lindo.

Sonhei de manhã, deviam ser umas 8h30, que tinha um filho de óculos.
Estava na maternidade e tinha visitas mas não amava o pai do meu filho, um daqueles senhores de 40 anos que andam sempre de fato, e ele também não me amava.
Mas ao meu filho eu amava muito.

Durante o dia, esqueci este sonho.

No final da tarde, o sol batia no vitral e eu fiquei toda vermelha e roxa.

Sempre que, ao domingo, eu tenho estas coisas, estes morcegos que entram na minha sala, estas preocupações, eu tento fazer o que tenho a fazer

Isto escrevi hoje:

e não pensar mais nisso.

Tudo passa, afinal ser adulta é isto, este bocado de queijo podre no meu frigorífico sujo, estas calças com nódoas que não saem na máquina, afinal é só isto, guardar coisas podres faz mal, é como se o frigorífico fosse o coração.

23h05 e não há meio de terminar este relatório.

Hoje ouvi uma história engraçada:
Uma rapariga, que está a fazer mestrado em ciência política, estava a explicar ao namorado que vai ter uma prova em que tem que escolher 3 temas de entre 10 e discorrer acerca de cada um.
Ela disse-lhe que escolheu 3 temas, ligados à União Europeia e ao parlamentarismo, e o namorado perguntou-lhe porquê ela tinha escolhido esses temas.
- E aí eu disse-lhe que eles eram importantes para mim. E assim que acabei de dizer isto percebi que não eram nada importantes para mim.

E a rapariga começou a rir sem parar e eu também gargalhei.
Inicialmente foi para lhe fazer a vontade, porque não achei assim tanta graça mas depois ri mesmo com vontade.
Parlamentarismo?
União Europeia?

Temas importantes para mim?

Que história mais engraçada.


Isto vou escrever amanhã:

Que post mais inútil, que dia mais cansativo, que televisão mais apetecível, que coisas tão giras para fazer, não fosse eu disciplinada e era mais feliz, como os lirios do campo.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Tonight we fly

Ia, de facto, a pensar no trabalho.

Entre outras coisas, ia a pensar no trabalho.

E surge no meu leitor uma canção de amor, até posso dizer qual, era o it's only time, dos Magnetic Fields.

Pus para a frente, nem cheguei ao fim dos primeiros versos.
Nem me apetecia ouvir nada de semelhante nem entendi muito bem como é que essa musica tinha ido parar ao meu leitor.

Acho que parei na esquina, numa esquina muito ventosa, antes da subida de inclinação ligeira e olhei para a árvore.

Dantes, quando estive apaixonada, esta árvore quis dizer muitas coisas.

Dantes, quando estive apaixonada, esta subida era a que guardava para uma canção não demasiado intensa para não entrar no meu local de trabalho deprimida.

Dantes, quando estive apaixonada, o meu leitor era cruel através de um shuffle demoníaco que me fazia hiperventilar só de pensar em certas situações que talvez pudessem acontecer.

Dantes, quando estive apaixonada, eu acreditava no destino e em sinais como cores de camisolas ou idas ao chats coincidentes na hora e na intenção ou mesmo tocar na rádio aquela musica da qual acho que falámos um dia ou que eu lhe ia falar um dia.

Dantes, quando estive apaixonada, davam-se diálogos incríveis na minha cabeça, verbalizados quando estava sozinha a fazer o jantar.

Dantes, quando estive apaixonada, o objecto do meu desejo estava tão bem definido que eu podia desenha-lo antes de adormecer, elencar dezenas de pormenores corporais a olhar para o tecto, a mexer no cabelo e a ouvir as notícias da meia noite na rádio, sem vontade de ler nada, só a pensar em como podia ocupar os dias inúteis em que não o via.

Dantes, quando estive apaixonada, os meus minutos cheiravam de outra maneira, era como ter uma rede de qualquer coisa intensa que sustentava as horas, uma rede que se via ao fundo das coisas todas da vida, ao fundo, por entre, por cima, mas estava lá, como qualquer coisa que ligava tudo numa malha harmoniosa e criativa.

Dantes, quando estive apaixonada, fui agora reler alguns mails, algumas mensagens, o meu vocabulário aumentou, eu aprendia muitas palavras e construía frases incríveis que partilhava com os meus amigos, num desabafo exagerado e ligeirmente melodramático.

Dantes, eu estava apaixonada e agora não estou.
E quando eu gostei dele(s), eu voava mais.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Procissão das velas numa folha de cálculo

Pronto, é muito simples.
Porque quando puxei o autoclismo olhando para o meu chichi amarelo limão, tudo ficou claro para mim.

É muito muito fácil:
pegamos numa folha de cálculo do excel.

Na primeira coluna colocamos os nossos problemas.
mas não são assim problemas do género "saúde", mas antes "dor na barriga" ou "tendinite".
isto é: interessa que sejam questões que perturbam o nosso quotidiano, de vária espécie, coisas que chateiam a nossa quarta à noite e o nosso domingo de manhã.
devem ser formulados numa frase clara, concretas.
não é preciso grande reflexão, basta escrever o que na nossa vida é uma coisa má: um problema.

Depois, a coluna a seguir é facultativa, é só para quem quiser uma tabela avançada.
aqui colocamos, numa escala de 1 a 20, o quanto o problema incomoda os nossos dias.

A seguir, para cada problema apontamos soluções, se as soubermos.
separadas por ponto e virgula, as soluções devem ser realistas, sem recorrer a milagres nem a deus, e a imaginação apenas serve na medida em que as soluções possam ser criativas.
importante: os problemas que não têm solução devem ficar com a célula em branco.

Então, na coluna seguinte, para os problemas com soluções, vamos discriminar as tarefas referentes a cada solução.
por exemplo:
problema rato na cozinha, gradação 7, solução veneno ou ratoeira, tarefa comprar veneno e pedir ratoeira e chouriço ao pai, data para conclusão quinta à noite.
coisas simples, coisas que nos vejamos a fazer no nosso dia a dia, sem pressão.

E a seguir colocamos uma data limite, uma data onde achamos que essa tarefa já estará cumprida.
o prazo pode ser até à nossa morte, mas caso seja um prazo mais curto, fazemos logo um lembrete no telemovel, no outlook, na agenda, no calendário da cozinha, qualquer coisa.

Então, com a tabela organizada, temos duas hipóteses:
para quem preencheu a coluna da gradação dos problemas, ordena-os por um ranking decrescente.
para os outros, mantêm tudo como está.

A primeira coisa que fazemos é: os problemas sem solução são eliminados.
Apenas estavam a ocupar o nosso espaço.

Podemos imprimir a tabela e colocá-la naqueles caderninhos que se usam agora, ou imprimir em letras pequenas, colocar uma fita cola à volta e guardar na carteira, ou colorir e pôr numa mica, podemos deixar só nos meus documentos.

A cada lembrete que tivermos, vamos ver se realizamos algumas das tarefas.
caso não tenhamos feito nada, há duas hipóteses:
ou se torna um problema sem solução e o eliminamos,
ou escrevemos novas tarefas com novas datas.


Simples.

Aceitação sem resignação.

E muita televisão.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Calado que nem um rato que hei-de envenener porque é o que faço a quem conspurca a minha vida





O que a minha avó se havia de rir comigo a contar como encontrei um rato no meu cesto do pão.
Eu havia de lhe contar com muitos pormenores, no jantar de anos dela, num restaurante qualquer da zona saloia.
E ela ia dizendo "ai que maluca", "ai que neta tão maluca que eu tenho" e depois ia dar-me conselhos valiosos para resolver a situação, que eu iria ignorar com certeza.
Ela sempre arranjava soluções para a vida.


No dia em que pessoas da minha família fazem anos, eu tento estar bem vestida.
Ontem vesti qualquer coisa, propositadamente mal pronta, porque a minha avó fazia anos mas já não está cá para o celebrar.

Ela havia de saber como matar o sacana do rato que ousou entrar na minha cozinha e comer das minhas bolachas.

Fechada na cozinha com ele, tentei esmaga-lo com o microondas, tentei afoga-lo com cilit bang espuma, tentei afugenta-lo com a vassoura.

Diz-me o meu pai ao telefone:
- Então ficaste abismada com um ratito? Não fiques que essas coisas também acontecem na cidade. Matar só em último caso, e se for para matar é melhor veneno que ratoeira, que na ratoeira eles depois não morrem logo e ficam ali a sofrer. Além de que já o espantaste de certeza.

As pessoas a quem contei a história do rato, para alem de se entre olharem fazendo aquele ar reprovador - a madalena é porca e por isso é que deu com um rato no cesto do pão - a maioria dessas pessoas achavam que eu devia ter apanhado o rato e posto na rua, vivo.

Irritei-me tanto que até pus uma das minhas colegas a chorar, que eu quando quero consigo ser mesmo muito má.

Só uma amiga minha me disse uma coisa muito sábia: tortura-o antes de morrer para ele servir de exemplo ao resto da tribo.

Claro que eu sou muito sensível aos animais - ainda na sexta o meu cão matou um dos gatinhos da minha gata Jonas e eu fiquei tão incomodada que até tremi.
Eu afeiçoou-me facilmente a tudo - desde couves a sapos.

Mas detesto aquelas pessoas como por exemplo o dono de uma loja de animais a quem fui perguntar desesperada se tinha veneno para ratos que me respondeu ofendido:
- Aqui só vendemos comida para eles viverem, não para morrerem.
E eu:
- Mas também vendem comida para quem os mata pelo prazer de matar, como os gatos. Ou a eutanásia é só para os humanos?


A minha avó nem sequer consideraria dar muita conversa a esta gente.
E a sua relação com a Terra não era uma relação pensada e reflectida sob o contexto das teorias ecológicas, mas antes uma relação diária e prática. Acho que ela fazia parte do ciclo natural das coisas da Terra. E isso nota-se no meu quintal desde que ela não está cá.

De veneno em punho, entrei na minha cozinha que tresandava a cilit bang, na companhia da minha mãe e da minha tia, que como tinham vindo a Lisboa fazer uma visita ao hospital, aproveitaram para me trazer veneno, e lá entramos as 3, no dia de anos da minha avó, na cozinha a tresandar a cilit bang, com o cesto do pão destruído pelos meus golpes de vassoura, duas filhas sem mãe, uma neta sem avó, a completar mais um ciclo da Natureza espalhando veneno por trás do fogão e junto à janela.