terça-feira, 5 de maio de 2009

Calado que nem um rato que hei-de envenener porque é o que faço a quem conspurca a minha vida





O que a minha avó se havia de rir comigo a contar como encontrei um rato no meu cesto do pão.
Eu havia de lhe contar com muitos pormenores, no jantar de anos dela, num restaurante qualquer da zona saloia.
E ela ia dizendo "ai que maluca", "ai que neta tão maluca que eu tenho" e depois ia dar-me conselhos valiosos para resolver a situação, que eu iria ignorar com certeza.
Ela sempre arranjava soluções para a vida.


No dia em que pessoas da minha família fazem anos, eu tento estar bem vestida.
Ontem vesti qualquer coisa, propositadamente mal pronta, porque a minha avó fazia anos mas já não está cá para o celebrar.

Ela havia de saber como matar o sacana do rato que ousou entrar na minha cozinha e comer das minhas bolachas.

Fechada na cozinha com ele, tentei esmaga-lo com o microondas, tentei afoga-lo com cilit bang espuma, tentei afugenta-lo com a vassoura.

Diz-me o meu pai ao telefone:
- Então ficaste abismada com um ratito? Não fiques que essas coisas também acontecem na cidade. Matar só em último caso, e se for para matar é melhor veneno que ratoeira, que na ratoeira eles depois não morrem logo e ficam ali a sofrer. Além de que já o espantaste de certeza.

As pessoas a quem contei a história do rato, para alem de se entre olharem fazendo aquele ar reprovador - a madalena é porca e por isso é que deu com um rato no cesto do pão - a maioria dessas pessoas achavam que eu devia ter apanhado o rato e posto na rua, vivo.

Irritei-me tanto que até pus uma das minhas colegas a chorar, que eu quando quero consigo ser mesmo muito má.

Só uma amiga minha me disse uma coisa muito sábia: tortura-o antes de morrer para ele servir de exemplo ao resto da tribo.

Claro que eu sou muito sensível aos animais - ainda na sexta o meu cão matou um dos gatinhos da minha gata Jonas e eu fiquei tão incomodada que até tremi.
Eu afeiçoou-me facilmente a tudo - desde couves a sapos.

Mas detesto aquelas pessoas como por exemplo o dono de uma loja de animais a quem fui perguntar desesperada se tinha veneno para ratos que me respondeu ofendido:
- Aqui só vendemos comida para eles viverem, não para morrerem.
E eu:
- Mas também vendem comida para quem os mata pelo prazer de matar, como os gatos. Ou a eutanásia é só para os humanos?


A minha avó nem sequer consideraria dar muita conversa a esta gente.
E a sua relação com a Terra não era uma relação pensada e reflectida sob o contexto das teorias ecológicas, mas antes uma relação diária e prática. Acho que ela fazia parte do ciclo natural das coisas da Terra. E isso nota-se no meu quintal desde que ela não está cá.

De veneno em punho, entrei na minha cozinha que tresandava a cilit bang, na companhia da minha mãe e da minha tia, que como tinham vindo a Lisboa fazer uma visita ao hospital, aproveitaram para me trazer veneno, e lá entramos as 3, no dia de anos da minha avó, na cozinha a tresandar a cilit bang, com o cesto do pão destruído pelos meus golpes de vassoura, duas filhas sem mãe, uma neta sem avó, a completar mais um ciclo da Natureza espalhando veneno por trás do fogão e junto à janela.

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