segunda-feira, 29 de junho de 2009

Como os religiosos que dizem "eu tenho cá a minha fé", eu digo que "tenho cá a minha esquerda"

Distraí-me um bocado e ouvi expressões como "burgueses" ou "infantários para a classe operária".

Do grupo de 6 que ali estavam, eu era a mais operária deles todos e talvez por isso não tivesse nada para dizer, ou mesmo que tivesse, não saberia falar aquela linguagem.

Depois o tema passou para a ocupação das casas em Lisboa e como "caso o Bloco e o PC tenham bons resultados nas próximas eleições, será possível gerar um clima de menor repressão e assim criar um movimento que, de um dia para o outro e em grande escala, ocupe os fogos vazios", resolvendo o problema de quem não tem casa.

Voltei a distrair-me e recomecei a ouvir precisamente na altura em cada um ia contando a sua história de como era viver em Barcelona antes da cidade se tornar suíça (eu pareceu-me ouvir "suíça" mas eu não sei nada sobre Barcelona).
Barcelona - e outras cidades estrangeiras -foi tema de conversa durante bastante tempo.
Toda a gente parecia ter vivido em Barcelona e todos concordavam que lá a esquerda é a sério, e não têm pejo em usar a violência.
A violência é condenada por todos os que estavam à mesa, mas uns falavam da repressiva e outros da esquerdista.

Horas antes, eu queixava-me à minha médica de como as noites de humidade eram difíceis para mim.
- Pois, é que tu tens ...
- ... uma doença.. eu sei - completei eu, e ri-me.

Rimo-nos as duas.
Estava a queixar-me como se fosse estranho eu ter dores, e é mais do que normal para quem tem doenças reumáticas - ou outras - ter dores.

Pensei que não ia ficar afectada o resto da tarde mas fiquei um pouco.
Fico sempre, após as consultas.

E, ao final do dia, eu ouvia-os a falar - gosto deles todos, são boas pessoas - e pensei que eles estão só a lutar por um mundo mais familiar, por mais justiça, eu não devo ter vontade de rir quando eles falam em burguesia, nem das cusquices das pessoas dos movimentos de esquerda e essas coisas.
São só pessoas, é o que eu começo a entender quando fico a sentir-me com vontade de ir embora ver televisão.
(esta sensação estende-se aos grupos que falam de cinema, musica, academia, e outros temas que têm todo um código não só de linguagem mas também estético, que impõe o que se deve e o que não se deve ser, ou gostar, ou dizer)


Por isso, em vez de rir para dentro enquanto fingia que ouvia, eu lembrei que cada um deles é uma pessoa de quem até gosto, levantei-me e disse que estava cansada e que ia embora.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Um dia sem coração é bom, devias experimentar Colette

Hoje acordei sem coração.

Nada me ocorre de sentimental, absolutamente nada.

É um maravilhoso mundo que conheço agora, de grão com bacalhau e a hortelã vivaz na minha cozinha, e sou só uma rapariga que vive e janta sozinha.

Os dias em Junho são grandes e eu, a pensar no Cesário Verde, reflicto em como o campo e a cidade são diferentes, como eu sou diferente do campo agora nestes dias que acordo sem coração na cidade.

Penso também nas wee small hours do frank sinatra e arregaço as calças do pijama porque está mesmo calor.

No meu quintal de certeza que hoje há pirilampos.

Não me confundo, eu não estou "fria", nem "insensível", nada disso.
Quando eu digo que acordei sem coração, apenas quero dizer qualquer coisa como: acordei sem coração.

Perto da minha casa, está a rua Cesário Verde, e eu hoje pensei em ir lá tirar uma foto com ele.

Gostava de dizer-te, Cesário, que arranjaste um nome fixe.
Ce sá ri o.
Queria também dizer-te que acordar sem coração é maravilhoso Cesário, é como um passou bem daqueles sem força. Não quer dizer nada, até se confunde com desprezo mas nada disso, é só um passou bem de pessoas que acordam sem coração.

Confesso-te Cesário, que se eu tivesse acordado com coração, acho que se te visse na rua com esse ar de enfezado que de certeza tinhas, sabes lá o que é o campo, sempre com esses desvios naturo-líricos em vez de ires pela rua direita da decisão, estava eu a dizer, Cesário, se eu tivesse acordado hoje com coração, ia ver-te e talvez desenvolver por ti qualquer coisa, fazer-te tão feliz que nem te punhas a escrever poemas, preferias ficar a ver televisão comigo, e não era ver pirilampos, era ver séries na Fox, entendes?

Mas descansa, eu cheira-me que estou à tua frente emocionalmente, aliás, sinto isso acerca de muita gente, deve ser característica de quem não tem coração.

sábado, 6 de junho de 2009

"No mais profundo da condição humana, repousa a espera de uma presença" ou como a birra pariu uma lição

Eu sou tão egocêntrica que no meio de uma melancolia adolescente consigo achar que estou a reflectir todo um conceito.

Nestas últimas semanas calhou-me o "acolhimento".

Não posso deixar de recordar que muito do que sei sobre acolher devo-o a Taizé.

Tenho estado, ao contrário do que era costume há uns anos, do lado da pessoa que é preciso acolher.

E devo dizer que, por isso, sinto os olhos quentes e vontade de chorar e que choro, quando ninguem está a ver, quando eu própria menos espero.

Porque nos ultimos meses tive várias situações concretas em que me vi desacolhida, desabrigada, sozinha, a tentar integrar-me sem sucesso.

E comecei a reflectir sobre isto: será que eu noto quando há pessoas que é preciso acolher e eu nem ligo se se der o caso de eu nesse momento estar já integrada?

Pensei ainda: isto é mais uma daquelas coisas que faz parte da vida adulta.

O pior é quando eu faço tentativas de integração, respirando fundo, pensando em acções concretas para ultrapassar a minha timidez e depois a pessoa que tenho na frente nem entende que o que eu realmente estou a dizer é: leva-me contigo para esse espaço de pertença, eu quero entrar nessa rodinha e brincar a esse jogo.

Se calhar acolher é manter um espaço em branco no nosso coração para o outro, o estranho, o novo, o sozinho.
E esse espaço nunca se preeenche porque, depois do acolhimento, esse novo passa a estar com os velhos, com os habituais do nosso coração.

Por isso, eu peço hoje nas minhas orações para estar atenta a se aparecer o novo, o estranho, o que vem sempre mas se senta no banco do fundo, se aparecer alguém assim a precisar de um espaço vago no meu coração, que eu o veja e o acolha.

Não é que eu seja boa pessoa, nada disso, é só porque se eu fizer isso, já terei companhia caso me apeteça sair.