Depois de todas as divisões da minha casa ficarem inaptas para habitar, o meu pedreiro, sol das minhas manhãs, percorreu com o olhar a obra por fazer e disse-me, com ar grave e sotaque nordestino:
-Estou preocupado consigo Madalena.
Pois.
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A minha avó vem ter comigo em sonhos e numa dessas noites venturosas fomos as duas, eu com o meu braço encaixado no cotovelo dela, e ela com o seu casaco de malha azul escuro, passear num centro comercial cheio de luzes de todas as cores.
Ia mais gente connosco mas nós as duas ficamos para trás porque tínhamos uma loja onde ir: era uma loja enorme, que só vendia fatos para borboletas.
Ela ia ajudar-me a escolher um vestido para mim.
Mexia neles e fazia o seu julgamento.
Quanto mais diferentes e afirmativos melhor.
Mas ela gostava de quase todos.
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Sentado para trás, com um ar magoado, mas com um sofrimento autocentrado, ele repetiu palavra por palavra o que um outro e um outro e ainda um outro me disseram, exactamente no mesmo contexto.
Num contexto de fim.
E então a situação tornou-se ligeiramente anedótica, e eu quase descontraí, porque ele começava uma frase e eu, como sabia o que ele ia dizer, terminava, como se estivesse num concurso qualquer.
Por exemplo, ele dizia:
- É como se houvessem várias Madalenas....
E eu...
- ... e tu nunca sabes qual vais encontrar.
Ele surpreendeu-se tanto por eu saber o que ele ia dizer como pelo meu entusiasmo infantil neste jogo sórdido.
Mas depois entristeci.
Isto vai doer quando o músculo arrefecer da pancada.
(Talvez nessa altura eu já tenha a minha casa de volta e possa sofrer na totalidade do meu sofá e fazendo pleno uso da minha cozinha)
Entretanto ele fez um ar acusador e perguntou-me se eu não entendia que tinha alguém que gostava mesmo de mim e que isso quase ninguém tinha. Eu devia dar o valor.
Essa frase eu não consegui acabar.
O músculo começou a arrefecer e ele resolveu desistir de mim e disse-o.
E quando me vi sozinha pensei que há uma forte possibilidade de eu não saber tomar decisões nem fazer escolhas acertadas para viver feliz.
Por momentos que ainda duram, passou-me pela cabeça que sim, que a felicidade é fruto das nossas escolhas.
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De maneira que é isto: de que me vale ter um vestido feito para borboletas se não terei oportunidade para o usar?
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1 comentário:
Também escuto sempre as mesmas coisas no contexto de fim. Muitas vezes não disponho é sequer do desportivismo para completar as frases. Ainda está para vir o dia em que este blogue terá um post de que eu gosto menos que muito.
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