A conversa começou um bocadinho envergonhada mas num tom amistoso.
Entretanto ele disse que tinha feito Bacalhau à Braz, como eu o tinha ensinado.
Eu parei o que estava a fazer e olhei para ele.
Por momentos, houve uma doçura qualquer no ar e eu fiquei novamente na dúvida se afinal tínhamos mesmo acabado ou ainda não.
Quis saber como ele estava, como ia o seu grave problema familiar, ele foi-me dando más notícias, senti aquele meu impulso de "apoiar" a crescer mas contive-me.
Foi quando ele voltou à cozinha.
- Mas eu demolhei o bacalhau, disse ele.
- Pois.
Acabamos, definitivamente.
Ainda bem.
Ele começou a dizer que este Verão ia a Praga e outras capitais europeias e depois a Barcelona, onde "só ia ficar uma semana".
Comecei a sentir náuseas e depois inveja e por fim ódio.
Fiquei naquela disposição onde todos os seres humanos são insuportáveis, com as suas vidas cheias de interesse, de coisas a fazer e sítios a ir.
Quando este vento nordeste do mal faz levantar o vestido que esconde o pior sítio de mim, eu tento não falar com ninguém e quanto mais tento, mais falo e digo coisas malignas, ferozes e afiadas como espadas fininhas, que espetam mesmo onde dói.
Fico com muita vontade de atacar, ferir de morte o coração e a paz de alguém é a única forma de acalmar esta fúria.
Mas porquê é que ele tinha que dizer que demolhou o bacalhau?
Que coisa mais primeiro mundista.
E dizer que ia ficar "só" uma semana em Barcelona.
Quero que pegues no bacalhau a demolhar e te juntes num longo jantar a pessoas como tu.
A falar sobre antropologia.
Em Praga.
E Barcelona.
Mas só uma semana.
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