(porque post dramáticos e vazios de efectivo conteúdo nunca serão demais)
Sou uma casa assombrada.
Estava tudo a correr tão bem, os passarinhos azuis que me aconchegam o lençol à noite e me vêm vestir de manhã são os que deram bicadas na irmã má da cinderela até ela cegar.
E eu que tinha medo dos demóniozinhos que vinham ter comigo, a provocar-me com frases que só eu entendia, espantava-os com um tabefe.
Afinal são só seres da minha imaginação. E por isso não morrem facilmente.
Se fossem animais ou humanos, pronto, a morte é uma coisa definitiva, de um momento para o outro deixa-se de estar.
Mas assim, vivem para sempre.
Advirto que não sei bem do que estou a falar.
Invejo a descontração dos outros. Sempre invejei a forma leve e fresca com que tratam de assuntos que a mim me fazem crescer bolas de gases na barriga, ligeira vontade de chorar, ondas fortes de pânico generalizado, por vezes a minha respiração ofega, e torno-me agressiva para esses tais outros, que se riem das minhas preocupações. Que tola, está tudo bem, não há problemas.
Irrita-me muito que os outros sejam melhores do que eu e vejam as coisas tão claras.
Não suporto isso.
Porque eles não sabem, por mais que me digam e provem que sabem, eles não sabem.
E é ve-los a rir e a continuar a viver e eu, parada no tempo e no espaço, a ver tudo de dentro de uma bolha cerebral, a desviar o olhar e a conversa, a ver se ninguém dá conta da minha loucura, porque estou certa que os meus olhos se esgazeiam todos, e suspiro um daqueles suspiros de rendição e os demoniozinhos aninham-se no meu colo como gatinhos com sarna. E eu sento-me a pensar, com aquela ingenuidade de que vou chegar a alguma conclusão, eu e os gatinhos, a tentar ver os problemas através dos olhos dos tais outros mas sem êxito.
E eu digo, vamos, vamos para casa que os passarinhos azuis já devem estar preocupados.
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Foi na Antena 1 e a seguir deu o Foi por Ela
Passou uma borboleta no vidro do meu carro, ia eu a entrar na auto estrada.
Cor de laranja e preta. Atravessou na diagonal o meu vidro dianteiro.
Estava a pensar no meu vestido. É daqueles muito compridos, o meu pai gostou e a minha mãe disse que se podia era cortar e fazer mais dois vestidos para as crianças.
Foi uma mistura de coisas-cruéis-que-as-mães-dizem com fase-Musica no Coração-de-fazer-vestidos-das-cortinas-para-as-crianças-brincarem-à-vontade, que ela neste momento atravessa.
Ainda pensei em sair da auto estrada e ir para um monte qualquer apanhar vento sozinha mas isso é sempre uma ideia estúpida e mantive-me a caminho da cidade.
Não passava nada que me interessasse na rádio, e ia trocando de estação um bocado nervosa.
Sempre que nenhuma música me serve, eu acho sempre que estou a ter um ataque de ansiedade.
E depois estava a dar uma que é a Mariposa dos Deolinda e eu deixei ficar e prestei atenção à letra.
Falava de coisas a ficarem bonitas e da tal mariposa a pintar cor de rosa e de uma fossa entupida e de um delírio de amor.
Falava dessa coisa de uma borboleta passar e transformar tudo, como o Espírito Santo a renovar a face da terra.
Algumas coisas que a música falava eram bem parvas mas o que aconteceu foi que eu comecei a chorar.
Verdade verdadeira que eu comecei a chorar.
Eu também quero passar pelo mundo e vê-lo a transformar-se numa viagem à Disneylandia, disse eu no meu carro, enquanto os jacarandás me passavam ao lado, a intensificar o meu drama.
Eu acho que até quero dançar no metro, cantar fado a rir e desentupir a fossa, e pelo que ouvi da letra toda, acho que basta sorrir. É tipo mágico.
E agora fui ver e a música afinal chama-se Passou por mim e sorriu.
Estou na fase Gone With the Wind de fazer vestidos das cortinas para ir visitar o Rhett à prisão para lhe pedir dinheiro.
A minha sala tem vestidos cortados por todo o lado.
Sei lá.
Quero voar por favor.
quinta-feira, 15 de março de 2012
This is a song about two people that fall in love in a record store
Quando um acontecimento marcado na minha agenda me deixa ansiosa e nervosa, não no bom sentido sensual mas antes no sentido infantil "será que há alguma hipótese de me livrar disto?", eu começo a falar nele a muita gente.
Foi o que aconteceu com a inspecção do carro.
Ia falando sobre isso como se fosse uma coisa importante, alterando o meu tom de voz, insinuando que precisava de ajuda para esta tarefa, discutindo o porquê daqueles gritos que não se entendem quando os inspectores estão debaixo do nosso carro, a gritar cada vez mais irritados, e depois nos avaliam, com ar professoral mas com piadas à mistura.
Enfim, depois de encolher os ombros umas milhares de vezes, dizendo "se chumbar chumbei", como se não me importasse, como se não fosse crucial para mim passar à primeira, lá chegou a hora do exame.
O inspector pareceu-me um inspector normal, lá fui desempenhando as árduas provas que nos colocam a fazer, como se eu assim pressionada conseguisse perceber como se faz pisca para a direita (DIREITA, EU DISSE DIREITA) ou mesmo travar ou acelerar.
Bom, na verdade, o inspector foi simpático, agradeceu o facto de eu ter montado o triângulo e colocado os cintos e o colete para ele sentir como eu me importava.
Depois veio aquela parte em que são eles a pegar no carro para o torturar, e eu fiquei cá fora, sem conseguir olhar bem para o meu veículo, mas olhei assim de relance, como se não quisesse saber e o inspector lá estava dentro, a mexer no meu volante e a olhar para mim.
No final, mandou-me estacionar o carro.
Claro, vou chumbar.
Vai ser horrível, o carro está todo estragado, vou ter que passar horas a gastar dinheiro em oficinas, a ir a vir buscar o carro e a voltar a este centro de inspecções.
O inspector veio ter comigo, ficamos os dois de costas voltadas para o barracão dos exames e ele disse:
- Está tudo bem com o seu carro.
Mas vou ter que lhe dizer uma coisa, que a menina vai achar estranho mas eu vou ter que lhe dizer.
(pensei que ele ia fazer uma piada que eu não ia entender, estava assustada e curiosa ao mesmo tempo)
É que eu tenho uma relação profunda com Deus, mas agora não me interessa a minha história.
Quando estava a fazer a inspecção do seu carro, Deus falou comigo sobre si, e quis enviar-lhe uma mensagem.
Ele pediu-me para lhe dizer para não se esquecer da sua mão amiga.
Disse-me que todo esse choro, todos esses problemas vão passar e para você não se esquecer que ele tudo provem.
Eu sei, isto parece-lhe estranho.
(olhei em volta, pensei: isto é uma piada aqui deste Centro, eles fazem isto e depois riem-se muito, todos vestidos nas suas fardas verdes, mas olhei para ele e fiquei na dúvida - ele quis que eu estacionasse mais à frente, levou-me para um locar afastado daquele escritório final onde eles escarnecem dos nossos veículos e tive vontade de lhe pedir para escrever a mensagem de Deus toda, porque eu ia com certeza esquecer-me de tudo, até porque me distraí a pensar se ele estaria mesmo a ser franco.)
Balbuciei:
- Mas eu tenho fé.
- Eu sei, ele também me disse isso. Tome o certificado da inspecção e siga a sua viagem com confiança.
E então começou a chover.
Foi o que aconteceu com a inspecção do carro.
Ia falando sobre isso como se fosse uma coisa importante, alterando o meu tom de voz, insinuando que precisava de ajuda para esta tarefa, discutindo o porquê daqueles gritos que não se entendem quando os inspectores estão debaixo do nosso carro, a gritar cada vez mais irritados, e depois nos avaliam, com ar professoral mas com piadas à mistura.
Enfim, depois de encolher os ombros umas milhares de vezes, dizendo "se chumbar chumbei", como se não me importasse, como se não fosse crucial para mim passar à primeira, lá chegou a hora do exame.
O inspector pareceu-me um inspector normal, lá fui desempenhando as árduas provas que nos colocam a fazer, como se eu assim pressionada conseguisse perceber como se faz pisca para a direita (DIREITA, EU DISSE DIREITA) ou mesmo travar ou acelerar.
Bom, na verdade, o inspector foi simpático, agradeceu o facto de eu ter montado o triângulo e colocado os cintos e o colete para ele sentir como eu me importava.
Depois veio aquela parte em que são eles a pegar no carro para o torturar, e eu fiquei cá fora, sem conseguir olhar bem para o meu veículo, mas olhei assim de relance, como se não quisesse saber e o inspector lá estava dentro, a mexer no meu volante e a olhar para mim.
No final, mandou-me estacionar o carro.
Claro, vou chumbar.
Vai ser horrível, o carro está todo estragado, vou ter que passar horas a gastar dinheiro em oficinas, a ir a vir buscar o carro e a voltar a este centro de inspecções.
O inspector veio ter comigo, ficamos os dois de costas voltadas para o barracão dos exames e ele disse:
- Está tudo bem com o seu carro.
Mas vou ter que lhe dizer uma coisa, que a menina vai achar estranho mas eu vou ter que lhe dizer.
(pensei que ele ia fazer uma piada que eu não ia entender, estava assustada e curiosa ao mesmo tempo)
É que eu tenho uma relação profunda com Deus, mas agora não me interessa a minha história.
Quando estava a fazer a inspecção do seu carro, Deus falou comigo sobre si, e quis enviar-lhe uma mensagem.
Ele pediu-me para lhe dizer para não se esquecer da sua mão amiga.
Disse-me que todo esse choro, todos esses problemas vão passar e para você não se esquecer que ele tudo provem.
Eu sei, isto parece-lhe estranho.
(olhei em volta, pensei: isto é uma piada aqui deste Centro, eles fazem isto e depois riem-se muito, todos vestidos nas suas fardas verdes, mas olhei para ele e fiquei na dúvida - ele quis que eu estacionasse mais à frente, levou-me para um locar afastado daquele escritório final onde eles escarnecem dos nossos veículos e tive vontade de lhe pedir para escrever a mensagem de Deus toda, porque eu ia com certeza esquecer-me de tudo, até porque me distraí a pensar se ele estaria mesmo a ser franco.)
Balbuciei:
- Mas eu tenho fé.
- Eu sei, ele também me disse isso. Tome o certificado da inspecção e siga a sua viagem com confiança.
E então começou a chover.
sábado, 10 de dezembro de 2011
Livin' la vida loca
1.
Aqui há uns meses atrás, estávamos ainda no eterno Verão de 2011, eu fingi que não dei por ele, encostado à ombreira da porta, a olhar para mim através do vidro. Ali estava, parado e fixo em mim, a fazer inchar a minha vaidade mas ao mesmo tempo a deixar-me sem saber o que fazer.
Decidi beber o café devagar em vez de o beber à pressa, até porque eu gosto que alimentem a minha auto-estima, como as pessoas simpáticas que regam as plantas na casa do amigo que está em viagem.
Os dias foram passando e de tempos a tempos ele aparecia e abordava-me de uma forma esquisita.
Claro que o meu fraco e perturbado discernimento para estas coisas das aproximações entre homens e mulheres fazia com que eu lhe desse conversa suficiente para ele achar que me podia convidar para coisas e sítios.
E claro está também que eu sabia que não queria nada com ele - e aqui o meu discernimento já é mais apurado para perceber rapidamente quando não vai dar.
Contudo: como posso eu recusar quem me rega as plantas quando estou longe de casa?
O tempo e as coisas da vida tornaram esta situação uma pequena anedota entre amigos, que eu floreei com a minha imaginação e que às vezes eu contava para desanuviar ambientes.
Pois eu decidi que em Dezembro eu ia serenar a minha raiva e deixar de me queixar de tudo, de nada e do que está no meio disso, falando antes de coisas com piada, simultaneamente construtivas e distractivas, que forneçam um tema de conversa animada para vários minutos.
2.
Volto há cerca de 3 anos atrás, quando tive um crush muito confuso por um rapaz que afinal não tinha (não tem e nunca há-de ter) interesse algum por mim.
A história deste crush acabou comigo, no final do que eu achava que estava a ser um date, a dar boleia a ele e a uma rapariga que mais tarde vim a saber ser sua amante, deixa-los numa festa e voltar para casa convencida que estava tudo a concorrer para eu ter um caso qualquer com ele.
Também este caso se tornou numa anedota entre amigos.
3.
A serenidade deste meu Dezembro foi enriquecida com a graça de encontrar à minha frente estas duas personagens numa mesma noite.
Não havia nenhuma ombreira a que o primeiro não se encostasse para fixar alguma rapariga para seguidamente a abordar de forma esquisita mas eficaz, já que ele ficava à conversa com elas durante tempo o suficiente para as convidar para coisas e sítios.
E o segundo utilizou-me para chegar até uma rapariga que estava comigo, ficando depois a tentar engata-la de uma forma assustadoramente obcecada e intensa, mostrando-me a mim os sinais que eu não vi à altura em que o conheci.
Eu observava tudo o que já sabia mas mesmo assim fiquei a olhar para ver o que acontecia.
Perguntei a mim mesma o que era este incomodo que estava a sentir?
Ciúmes por não ser a mais pretendida da festa?
Inveja?
Ressabiamento?
Sim, claro que tudo isso.
Mas também medo.
Eu continuo a acreditar em qualquer idiota que me faça a corte (ou que me pareça que está a fazer a corte). Sou tão ingénua como quando tinha 15 anos.
E se eles sabem?
E se eles descobrem que eu acredito em tudo?
Divertida e num passo dançante, deixei aquele espectáculo serenamente, peguei em mim e regressei a minha casa para regar eu própria as minhas plantas.
Aqui há uns meses atrás, estávamos ainda no eterno Verão de 2011, eu fingi que não dei por ele, encostado à ombreira da porta, a olhar para mim através do vidro. Ali estava, parado e fixo em mim, a fazer inchar a minha vaidade mas ao mesmo tempo a deixar-me sem saber o que fazer.
Decidi beber o café devagar em vez de o beber à pressa, até porque eu gosto que alimentem a minha auto-estima, como as pessoas simpáticas que regam as plantas na casa do amigo que está em viagem.
Os dias foram passando e de tempos a tempos ele aparecia e abordava-me de uma forma esquisita.
Claro que o meu fraco e perturbado discernimento para estas coisas das aproximações entre homens e mulheres fazia com que eu lhe desse conversa suficiente para ele achar que me podia convidar para coisas e sítios.
E claro está também que eu sabia que não queria nada com ele - e aqui o meu discernimento já é mais apurado para perceber rapidamente quando não vai dar.
Contudo: como posso eu recusar quem me rega as plantas quando estou longe de casa?
O tempo e as coisas da vida tornaram esta situação uma pequena anedota entre amigos, que eu floreei com a minha imaginação e que às vezes eu contava para desanuviar ambientes.
Pois eu decidi que em Dezembro eu ia serenar a minha raiva e deixar de me queixar de tudo, de nada e do que está no meio disso, falando antes de coisas com piada, simultaneamente construtivas e distractivas, que forneçam um tema de conversa animada para vários minutos.
2.
Volto há cerca de 3 anos atrás, quando tive um crush muito confuso por um rapaz que afinal não tinha (não tem e nunca há-de ter) interesse algum por mim.
A história deste crush acabou comigo, no final do que eu achava que estava a ser um date, a dar boleia a ele e a uma rapariga que mais tarde vim a saber ser sua amante, deixa-los numa festa e voltar para casa convencida que estava tudo a concorrer para eu ter um caso qualquer com ele.
Também este caso se tornou numa anedota entre amigos.
3.
A serenidade deste meu Dezembro foi enriquecida com a graça de encontrar à minha frente estas duas personagens numa mesma noite.
Não havia nenhuma ombreira a que o primeiro não se encostasse para fixar alguma rapariga para seguidamente a abordar de forma esquisita mas eficaz, já que ele ficava à conversa com elas durante tempo o suficiente para as convidar para coisas e sítios.
E o segundo utilizou-me para chegar até uma rapariga que estava comigo, ficando depois a tentar engata-la de uma forma assustadoramente obcecada e intensa, mostrando-me a mim os sinais que eu não vi à altura em que o conheci.
Eu observava tudo o que já sabia mas mesmo assim fiquei a olhar para ver o que acontecia.
Perguntei a mim mesma o que era este incomodo que estava a sentir?
Ciúmes por não ser a mais pretendida da festa?
Inveja?
Ressabiamento?
Sim, claro que tudo isso.
Mas também medo.
Eu continuo a acreditar em qualquer idiota que me faça a corte (ou que me pareça que está a fazer a corte). Sou tão ingénua como quando tinha 15 anos.
E se eles sabem?
E se eles descobrem que eu acredito em tudo?
Divertida e num passo dançante, deixei aquele espectáculo serenamente, peguei em mim e regressei a minha casa para regar eu própria as minhas plantas.
terça-feira, 4 de outubro de 2011
Vocês não são responsáveis pela minha solidão
No dia em que a gata Alice morreu atropelada, a família estava na praia e tudo parecia bem.
Diz que as pílulas que ela andava a tomar lhe estavam a provocar alterações de comportamento, fazendo com que ela fugisse como uma desvairada para a estrada onde teve lugar o trágico acidente.
Para evitar que os cães cheirassem o seu cadáver, e se desse o caso desagradável de desenterrarem a gatinha, a minha tia colocou uma pedra de mármore e uns troncos por cima do sítio onde cavou um buraco para pôr a pobrezinha.
Quando cheguei ao trabalho, a muitos quilometros do mato onde jaz a gata Alice, o meu cão de guarda interior rosnava a quem me ousava falar.
Como um daqueles bêbados das festas que gostam mesmo é de porrada, eu ia tentando armar confusão, a ver se surgia uma oportunidade para eu poder soltar o meu guardião.
Dei por mim literalmente a ladrar, deixando alguns colegas de trabalho extasiados com o meu talento para rottweiler.
Começaram a ficar preocupados quando perceberam que o meu cão de guarda não me abandonava nunca e senti uma certa atrapalhação da parte deles, e novamente os risos nervoso que costumam aparecer quando explico que não quero fazer nada que implique ter vontade de viver.
Na verdade, da mesma forma que, na maior parte do tempo, eu fico nervosa e sem saber como me colocar no mundo, as pessoas parecem não saber como se comportar comigo.
Talvez seja com medo que eu solte o meu anjo canino.
De facto, em muitas das horas do meu dia, eu detesto toda a gente, especialmente as pessoas que parecem que sabem o que estão a fazer, que são tão felizes que nem notam, que se descaem a dizer-me coisas que se passam nas suas vidas que provam que está tudo ok com elas, enquanto me tentavam enganar com os seus problemas.
Na noite anterior à violenta morte da gata Alice, eu subia umas escadas rolantes a olhar para cima e tentava perceber como é que eu tinha chegado até aquele momento de completo isolamento.
Todos me dizem que fui eu (e enumeram coisas que faço erradas) que me coloquei nesta ilha.
Nesta ilha com o meu cão.
Ão. Ão.
Diz que as pílulas que ela andava a tomar lhe estavam a provocar alterações de comportamento, fazendo com que ela fugisse como uma desvairada para a estrada onde teve lugar o trágico acidente.
Para evitar que os cães cheirassem o seu cadáver, e se desse o caso desagradável de desenterrarem a gatinha, a minha tia colocou uma pedra de mármore e uns troncos por cima do sítio onde cavou um buraco para pôr a pobrezinha.
Quando cheguei ao trabalho, a muitos quilometros do mato onde jaz a gata Alice, o meu cão de guarda interior rosnava a quem me ousava falar.
Como um daqueles bêbados das festas que gostam mesmo é de porrada, eu ia tentando armar confusão, a ver se surgia uma oportunidade para eu poder soltar o meu guardião.
Dei por mim literalmente a ladrar, deixando alguns colegas de trabalho extasiados com o meu talento para rottweiler.
Começaram a ficar preocupados quando perceberam que o meu cão de guarda não me abandonava nunca e senti uma certa atrapalhação da parte deles, e novamente os risos nervoso que costumam aparecer quando explico que não quero fazer nada que implique ter vontade de viver.
Na verdade, da mesma forma que, na maior parte do tempo, eu fico nervosa e sem saber como me colocar no mundo, as pessoas parecem não saber como se comportar comigo.
Talvez seja com medo que eu solte o meu anjo canino.
De facto, em muitas das horas do meu dia, eu detesto toda a gente, especialmente as pessoas que parecem que sabem o que estão a fazer, que são tão felizes que nem notam, que se descaem a dizer-me coisas que se passam nas suas vidas que provam que está tudo ok com elas, enquanto me tentavam enganar com os seus problemas.
Na noite anterior à violenta morte da gata Alice, eu subia umas escadas rolantes a olhar para cima e tentava perceber como é que eu tinha chegado até aquele momento de completo isolamento.
Todos me dizem que fui eu (e enumeram coisas que faço erradas) que me coloquei nesta ilha.
Nesta ilha com o meu cão.
Ão. Ão.
quinta-feira, 28 de julho de 2011
"Pequenas contrariedades da existência"
A conversa começou um bocadinho envergonhada mas num tom amistoso.
Entretanto ele disse que tinha feito Bacalhau à Braz, como eu o tinha ensinado.
Eu parei o que estava a fazer e olhei para ele.
Por momentos, houve uma doçura qualquer no ar e eu fiquei novamente na dúvida se afinal tínhamos mesmo acabado ou ainda não.
Quis saber como ele estava, como ia o seu grave problema familiar, ele foi-me dando más notícias, senti aquele meu impulso de "apoiar" a crescer mas contive-me.
Foi quando ele voltou à cozinha.
- Mas eu demolhei o bacalhau, disse ele.
- Pois.
Acabamos, definitivamente.
Ainda bem.
Ele começou a dizer que este Verão ia a Praga e outras capitais europeias e depois a Barcelona, onde "só ia ficar uma semana".
Comecei a sentir náuseas e depois inveja e por fim ódio.
Fiquei naquela disposição onde todos os seres humanos são insuportáveis, com as suas vidas cheias de interesse, de coisas a fazer e sítios a ir.
Quando este vento nordeste do mal faz levantar o vestido que esconde o pior sítio de mim, eu tento não falar com ninguém e quanto mais tento, mais falo e digo coisas malignas, ferozes e afiadas como espadas fininhas, que espetam mesmo onde dói.
Fico com muita vontade de atacar, ferir de morte o coração e a paz de alguém é a única forma de acalmar esta fúria.
Mas porquê é que ele tinha que dizer que demolhou o bacalhau?
Que coisa mais primeiro mundista.
E dizer que ia ficar "só" uma semana em Barcelona.
Quero que pegues no bacalhau a demolhar e te juntes num longo jantar a pessoas como tu.
A falar sobre antropologia.
Em Praga.
E Barcelona.
Mas só uma semana.
Entretanto ele disse que tinha feito Bacalhau à Braz, como eu o tinha ensinado.
Eu parei o que estava a fazer e olhei para ele.
Por momentos, houve uma doçura qualquer no ar e eu fiquei novamente na dúvida se afinal tínhamos mesmo acabado ou ainda não.
Quis saber como ele estava, como ia o seu grave problema familiar, ele foi-me dando más notícias, senti aquele meu impulso de "apoiar" a crescer mas contive-me.
Foi quando ele voltou à cozinha.
- Mas eu demolhei o bacalhau, disse ele.
- Pois.
Acabamos, definitivamente.
Ainda bem.
Ele começou a dizer que este Verão ia a Praga e outras capitais europeias e depois a Barcelona, onde "só ia ficar uma semana".
Comecei a sentir náuseas e depois inveja e por fim ódio.
Fiquei naquela disposição onde todos os seres humanos são insuportáveis, com as suas vidas cheias de interesse, de coisas a fazer e sítios a ir.
Quando este vento nordeste do mal faz levantar o vestido que esconde o pior sítio de mim, eu tento não falar com ninguém e quanto mais tento, mais falo e digo coisas malignas, ferozes e afiadas como espadas fininhas, que espetam mesmo onde dói.
Fico com muita vontade de atacar, ferir de morte o coração e a paz de alguém é a única forma de acalmar esta fúria.
Mas porquê é que ele tinha que dizer que demolhou o bacalhau?
Que coisa mais primeiro mundista.
E dizer que ia ficar "só" uma semana em Barcelona.
Quero que pegues no bacalhau a demolhar e te juntes num longo jantar a pessoas como tu.
A falar sobre antropologia.
Em Praga.
E Barcelona.
Mas só uma semana.
quinta-feira, 2 de junho de 2011
Quinta-feira da Ascensão: somewhere there’s a room for each of us to grow.
- E pensavas que ias estar assim aos 30?
- Acho que ainda não estamos alcoolizadas o suficiente para essa conversa.
Calamo-nos todos.
Já tinham passado algumas horas de casamento, aguardávamos a carne de javali e não restava muito assunto.
O sol punha-se na serra lá ao fundo, no final das mesas.
Esqueci-me de calçar as sandálias douradas de casamento, altas e desconfortáveis e estava confortavelmente calçada com umas outras malcheirosas e largueironas, a fazer uma figura como se eu fosse freak.
As colegas que estavam comigo tinham dado conta mas não disseram nada, porque devem ter achado que foi de propósito.
Depois veio a conversa da idade e mal eu disse aquilo de não estarmos alcoolizados, vi que não era bem o tipo de piada que ia fazer alguém rir.
Ia preparada para ser a mais desgraçada mas não sei se foi porque elas estavam com sapatos desconfortáveis e, por isso, a sofrer mais, mas pareceram-me tão frágeis e vulneráveis quanto eu.
Talvez menos espirituosas.
Passou mais um casamento, foi de amor, isso é bonito.
E agora e sempre este país, aqui à minha frente, aqui à frente de todos nós, como um problema por resolver todas as manhãs quando acordamos, como um país pobre que se acode a vender autocolantes no final da missa, como a casa dos pobres sem o desafogo que o dinheiro traz, aqui à minha frente, eu a olhar para ele como um transtorno psicológico, e uma sensação de que não vivo aqui mas ali, ali num sítio de onde vejo este país ao longe, notícias e opiniões, não estou suficientemente alcoolizada para estas conversas.
Quinta feira de Ascensão e às 15h Jesus sobe aos céus e apanhamos a espiga - o mais difícil é arranjar as espigas e também que as papoilas aguentem o caminho. Os malmequeres é muito fácil, arranjam-se bem.
Telefona-me a minha mãe, muito contente porque consegui insultar o Jorge Lacão na feira.
É feriado na minha terra.
Não falamos mais sobre ter 30 anos.
Isso afinal interessa a quem, interessa porquê?
Enquanto falo sobre isso passa a minha flor da idade e eu sem furar as orelhas.
- Acho que ainda não estamos alcoolizadas o suficiente para essa conversa.
Calamo-nos todos.
Já tinham passado algumas horas de casamento, aguardávamos a carne de javali e não restava muito assunto.
O sol punha-se na serra lá ao fundo, no final das mesas.
Esqueci-me de calçar as sandálias douradas de casamento, altas e desconfortáveis e estava confortavelmente calçada com umas outras malcheirosas e largueironas, a fazer uma figura como se eu fosse freak.
As colegas que estavam comigo tinham dado conta mas não disseram nada, porque devem ter achado que foi de propósito.
Depois veio a conversa da idade e mal eu disse aquilo de não estarmos alcoolizados, vi que não era bem o tipo de piada que ia fazer alguém rir.
Ia preparada para ser a mais desgraçada mas não sei se foi porque elas estavam com sapatos desconfortáveis e, por isso, a sofrer mais, mas pareceram-me tão frágeis e vulneráveis quanto eu.
Talvez menos espirituosas.
Passou mais um casamento, foi de amor, isso é bonito.
E agora e sempre este país, aqui à minha frente, aqui à frente de todos nós, como um problema por resolver todas as manhãs quando acordamos, como um país pobre que se acode a vender autocolantes no final da missa, como a casa dos pobres sem o desafogo que o dinheiro traz, aqui à minha frente, eu a olhar para ele como um transtorno psicológico, e uma sensação de que não vivo aqui mas ali, ali num sítio de onde vejo este país ao longe, notícias e opiniões, não estou suficientemente alcoolizada para estas conversas.
Quinta feira de Ascensão e às 15h Jesus sobe aos céus e apanhamos a espiga - o mais difícil é arranjar as espigas e também que as papoilas aguentem o caminho. Os malmequeres é muito fácil, arranjam-se bem.
Telefona-me a minha mãe, muito contente porque consegui insultar o Jorge Lacão na feira.
É feriado na minha terra.
Não falamos mais sobre ter 30 anos.
Isso afinal interessa a quem, interessa porquê?
Enquanto falo sobre isso passa a minha flor da idade e eu sem furar as orelhas.
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