Estive 4 horas à espera para levantar a minha carta de condução e estava preocupada perante a possibilidade de chegar ao trabalho e ter a minha chefe chateada por causa do atraso.
Deve ter sido por isso que quando entrei de rompante nem vi que aquele senhor que estava nas cópias era ele.
Não desmaiei, nem tive um chilique, se corei foi muito pouco e não ajeitei nem saia nem cabelo.
Fiquei à espera de quando começaria a entrar em pânico mas isso não aconteceu.
Aconteceu pior: percebi que ele tinha ainda mais medo de mim do que eu dele.
Quando me aproximei dele, perguntei se ia ficar mais tempo, ele explicou-me logo que tinha que ir antes das 7 (porque pensou que seria essa a minha hora de saída).
Percebi que ele estava preocupado com isso, não fosse a minha cabecinha começar a imaginar que iríamos sair juntos e conversar...
Medo de mim.
Mais tarde começaram as desculpas: por não saber que eu tinha defendido a tese, por não se lembrar do tema da tese, por eu ter feito anos e não me ter dado os parabéns.
Tive que lhe explicar, de braços abertos, numa postura bem expressiva que isso não fazia sentido, porque haveria ele de saber os meus anos, porque haveria ele de me dar os parabéns?
-Não é assim que funciona.
[Estava um vento gelado quando saí.
Encontrei um amigo meu, perguntou-me onde eu ia.
Ao Colombo.
Quando já estava na paragem do autocarro, ele manda mensagem, depois liga, a saber se já estou a ir, que se eu for só passear, sem nada combinado, que pode ir comigo.
Disse que tinha já combinado coisas, que ficava para outro dia.
Lembro-me sempre de uma canção dos ornatos, o coisas, se não estou em erro, em que ele canta: quando alguém deixar de te dar amor, pensa que há quem viva do teu calor.
Bastante adolescente mas para mim serve.
Pensei que a vida era assim mesmo, que o manel cruz tem razão.
Este pequeno acontecimento ajudou-me a olhar para mim vista de fora, serviu-me de consolo mas mais ainda de preocupação.]
No vento frio, senti a minha auto estima cair no chão e não me baixei para a levantar.
Ele pareceu-me que estava mais giro, não gostei nem dos sapatos nem das calças mas o resto estava bem.
Tento sempre arranjar uma narrativa, um texto, uma imagem, uma parabola porque preciso disso para perceber, explicar ao espelho e aos amigos e pronto, curar a ferida.
Mas...
Eu sei lá.
Sei lá.
Só sei que quando eu souber, já não vou ter vontade de lhe dizer.
terça-feira, 31 de março de 2009
sábado, 28 de março de 2009
Jade Goody
Quando ajeitava os ganchos para prender aquele monte de cabelo que me aquecia a nuca, tive uma visão, um flashback ao contrário, e encontrei-me a arranjar o cabelo no dia do meu casamento e perguntava por uma amiga para que ela viesse ver-me me desse a sua opinião sincera sobre como eu estava.
Não é a primeira vez que me vejo no meu futuro - e o importante não é eu ir ter um dia em que me caso mas antes eu estar vestida de noiva e querer uma opinião sincera sobre a minha figura.
Dois dias antes dessa visão, tive também um rasgo de qualquer coisa, quando me estava a virar na cama, e foi quando decidi que tinha que tirar um post do blog.
No dia a seguir a ter retirado o post, dia anterior à visão da noiva, esteve muito calor e eu senti-me muito mais calma.
Fui andar a pé antes de vir para casa porque, apesar das alergias, as noites de primavera cheiram como ninguém que eu conheça.
Pronto, vai passar.
Fico envergonhada, e apesar de falar disso com os meus amigos, não quero que se saiba que eu gostava de alguém que não gosta de mim.
Tenho o meu orgulho.
À espera do autocarro, os pés sem meias nos ténis apanhavam vento e eu achei que eu afinal sabia alguma coisa da vida.
Sei, por exemplo, que existe a morte.
A morte, a doença, a decadência do corpo, tudo isso existe.
Somos iguais à Jade Goody.
26 horas antes da visão do cabelo da noiva, um namorado que já não é meu, devolveu-me um CD e falamos sobre o calor.
Ele diz que fui a unica pessoa com quem ele partiu o coração.
Eu podia, para que a conversa tivesse algum interesse para mim (e para não recomçar a culpabilizar-me) perguntar-lhe se ele tem alguma coisa a dizer sobre a Jade Goody.
Porque temos que lidar com os problemas à medida que eles vão aparecendo, porque tenho o cabelo já demasiado comprido na nuca, mas está num comprimento em que os ganchos ainda não ficam presos durante muito tempo, porque mesmo que eu não me case, posso sempre ser noiva sentada na minha mesa de trabalho, de saia de ganga e com uma camisa demasiado quente para o dia, a perguntar:
- Achas mesmo que estou bem?
Não é a primeira vez que me vejo no meu futuro - e o importante não é eu ir ter um dia em que me caso mas antes eu estar vestida de noiva e querer uma opinião sincera sobre a minha figura.
Dois dias antes dessa visão, tive também um rasgo de qualquer coisa, quando me estava a virar na cama, e foi quando decidi que tinha que tirar um post do blog.
No dia a seguir a ter retirado o post, dia anterior à visão da noiva, esteve muito calor e eu senti-me muito mais calma.
Fui andar a pé antes de vir para casa porque, apesar das alergias, as noites de primavera cheiram como ninguém que eu conheça.
Pronto, vai passar.
Fico envergonhada, e apesar de falar disso com os meus amigos, não quero que se saiba que eu gostava de alguém que não gosta de mim.
Tenho o meu orgulho.
À espera do autocarro, os pés sem meias nos ténis apanhavam vento e eu achei que eu afinal sabia alguma coisa da vida.
Sei, por exemplo, que existe a morte.
A morte, a doença, a decadência do corpo, tudo isso existe.
Somos iguais à Jade Goody.
26 horas antes da visão do cabelo da noiva, um namorado que já não é meu, devolveu-me um CD e falamos sobre o calor.
Ele diz que fui a unica pessoa com quem ele partiu o coração.
Eu podia, para que a conversa tivesse algum interesse para mim (e para não recomçar a culpabilizar-me) perguntar-lhe se ele tem alguma coisa a dizer sobre a Jade Goody.
Porque temos que lidar com os problemas à medida que eles vão aparecendo, porque tenho o cabelo já demasiado comprido na nuca, mas está num comprimento em que os ganchos ainda não ficam presos durante muito tempo, porque mesmo que eu não me case, posso sempre ser noiva sentada na minha mesa de trabalho, de saia de ganga e com uma camisa demasiado quente para o dia, a perguntar:
- Achas mesmo que estou bem?
domingo, 22 de março de 2009
Mestre, quantas vezes devemos nós enviar poemas de amor sem obter resposta? 70x7?
Porque não estava à espera que ela me resumisse os seus problemas a isso, eu tenho passado estes últimos dias a pensar sobre a solidão.
- Mas diz-me, qual são mesmo as tuas queixas em relação a ele?
- É que eu me sinto sozinha.
E eu compreendi-a.
Tentei, como sempre faço, arranjar uma imagem, uma metáfora qualquer que me ajudasse a ver a solidão, a denomina-la para a dominar.
Não encontrei.
Também eu me tenho sentido sozinha.
E tento que não se note, e quando ela me disse que se sentia sozinha, eu nem lhe disse que também me achava sem ninguém.
Não quero que se veja isso na minha cara.
Eu tive herpes pela primeira vez na vida mas já faz tempo que não me beijam.
E um rapaz, quando me viu com herpes, perguntou-me se eu já me tinha "orientado" e eu disse que não. Então ele explicou-me que ter herpes, podendo significar que alguém me beijou na boca e que, portanto, eu terei alguma relação, aumenta as hipoteses de me "orientar".
- É que quando uma pessoa está "orientada", tem logo montes de ofertas, percebes? Porque significa que vales alguma coisa para alguém. E o mesmo vale para quando estás desempregada e parece que não aparece nada, e depois quando arranjas qualquer coisa, chovem ofertas de emprego.
Estranhamente, esta conversa fez algum sentido para mim.
E senti-me outra vez sozinha.
Na minha cabeça, tento juntar um conjunto de histórias de solidão a que tenha assistido e esforço-me por encontrar um padrão.
Mas entretanto, lembro-me de outras histórias que não têm propriamente relação com a solidão, e essas vão-me lembrando de outras e pronto, às tantas eu começo a duvidar da relevância da compreendensão dos padrões da solidão.
Recordo uma viúva que conheço.
O marido morreu muito cedo, num Agosto muito quente dos anos 90, e a mãe dela disse-lhe que ela tinha que arranjar uma roupa para o vestir. Ela foi buscar uma camisa de manga curta para o marido acabado de morrer mas a senhora explicou que devia ser uma roupa melhor, como um fato, ao que ela respondeu:
- Mas está tanto calor...
E quando me lembro desta história lembro-me mais do amor do que da solidão.
E se a dúvida for entre enviar uma carta de amor ou não, que seja enviada ontem.
Hoje perguntei à minha vizinha, depois de ela me contar que depois da morte do marido tudo ficou pior, se ela tinha filhos. Já no Natal me tinha parecido que ela estava sozinha.
Ela confirmou que não tinha ninguém. Teve dois sobrinhos, um deles a viver com ela até há pouco tempo. Esse sobrinho foi-se embora deixando apenas um papel com um número de telemóvel e ela nunca mais soube nada dele.
- Estamos sempre a apanhar pontapés na vida, não sabe já isso a menina? Olhe para si, a menina também está sozinha.
E eu acho que balbuciei:
- Mas nota-se?
- Mas diz-me, qual são mesmo as tuas queixas em relação a ele?
- É que eu me sinto sozinha.
E eu compreendi-a.
Tentei, como sempre faço, arranjar uma imagem, uma metáfora qualquer que me ajudasse a ver a solidão, a denomina-la para a dominar.
Não encontrei.
Também eu me tenho sentido sozinha.
E tento que não se note, e quando ela me disse que se sentia sozinha, eu nem lhe disse que também me achava sem ninguém.
Não quero que se veja isso na minha cara.
Eu tive herpes pela primeira vez na vida mas já faz tempo que não me beijam.
E um rapaz, quando me viu com herpes, perguntou-me se eu já me tinha "orientado" e eu disse que não. Então ele explicou-me que ter herpes, podendo significar que alguém me beijou na boca e que, portanto, eu terei alguma relação, aumenta as hipoteses de me "orientar".
- É que quando uma pessoa está "orientada", tem logo montes de ofertas, percebes? Porque significa que vales alguma coisa para alguém. E o mesmo vale para quando estás desempregada e parece que não aparece nada, e depois quando arranjas qualquer coisa, chovem ofertas de emprego.
Estranhamente, esta conversa fez algum sentido para mim.
E senti-me outra vez sozinha.
Na minha cabeça, tento juntar um conjunto de histórias de solidão a que tenha assistido e esforço-me por encontrar um padrão.
Mas entretanto, lembro-me de outras histórias que não têm propriamente relação com a solidão, e essas vão-me lembrando de outras e pronto, às tantas eu começo a duvidar da relevância da compreendensão dos padrões da solidão.
Recordo uma viúva que conheço.
O marido morreu muito cedo, num Agosto muito quente dos anos 90, e a mãe dela disse-lhe que ela tinha que arranjar uma roupa para o vestir. Ela foi buscar uma camisa de manga curta para o marido acabado de morrer mas a senhora explicou que devia ser uma roupa melhor, como um fato, ao que ela respondeu:
- Mas está tanto calor...
E quando me lembro desta história lembro-me mais do amor do que da solidão.
E se a dúvida for entre enviar uma carta de amor ou não, que seja enviada ontem.
Hoje perguntei à minha vizinha, depois de ela me contar que depois da morte do marido tudo ficou pior, se ela tinha filhos. Já no Natal me tinha parecido que ela estava sozinha.
Ela confirmou que não tinha ninguém. Teve dois sobrinhos, um deles a viver com ela até há pouco tempo. Esse sobrinho foi-se embora deixando apenas um papel com um número de telemóvel e ela nunca mais soube nada dele.
- Estamos sempre a apanhar pontapés na vida, não sabe já isso a menina? Olhe para si, a menina também está sozinha.
E eu acho que balbuciei:
- Mas nota-se?
quinta-feira, 12 de março de 2009
Tia, o cócó não quer sair, por isso o melhor é eu ir ouvir uma musica para me acalmar
Ando bem disposta.
Mas hoje aconteceu uma coisa sem importância alguma que tomou contornos de um grande drama para mim.
Bom, resumindo: uma colega minha (e amiga) zangou-se comigo.
Nós nunca nos zangámos, foi a primeira vez.
E a primeira zanga entre amigos é sempre horrível, desconfortável, fria e pronto, parece que todo o nosso mundo acaba ali, naquele instante em que o nosso amigo nos destrata (sim, porque o instante em que somos nós a destrata-lo é bem mais fácil de suportar).
Ora bem, ela zangou-se comigo por uma questão do trabalho e porque interpretou mal uma "piada" minha (aqui devo confessar que a "piada" que mandei embora não tendo o intuito de a fazer zangar-se possa ter sido percepcionada como o instante em que a destratei a ela).
Só que depois ela saiu para ir almoçar e eu percebi que a coisa era séria pela maneira como ela desceu as escadas e decidi esperar que ela viesse para esclarecer as coisas e não ir eu almoçar com ela zangada comigo.
Sim: eu não lido bem com a situação quando acho que as pessoas estão zangadas comigo, e isto não faz de mim uma boa pessoa, só significa que eu me tenho em tão boa conta que a hipótese de alguem ficar muito zangado comigo é completamente insuportável: é o mundo ao contrário.
Mas foi aí, enquanto fiquei a aguardar que ela regressasse, que comecei a sentir os sintomas de uma hipoglicemia daquelas grandes.
Merda, e agora?
Sou uma adulta responsável e tomei a decisão correcta: não fiz nada para curar a hipoglicemia porque achei que ia aguentar até ela chegar e depois resolver as coisas e depois então ir comer.
Não deve ser das graves, ia dizendo para mim própria, já a começar com os característicos suores.
E então tudo se descontrolou: eu tentei manter-me normal, calma, ela entretanto chegou, ainda estava muito zangada e exaltada, e eu já não tinha açucar suficiente no sangue para me controlar, e senti as hormonas e a fraqueza geral tudo a concorrer para que eu não conseguisse pedir desculpa antes de almoço, estragando o meu inteligente plano.
Mas questão era mais profunda: ela estava muito zangada e eu não lhe podia dizer que tinha uma hipoglicémia. Se eu dissesse:
- Agora não porque eu não estou bem
de boca escancarada e testa suada
ela ia ter pena de mim, ela ia perdoar-me porque eu sou doente e eu não podia deixar que isso acontecesse.
Pareceu-me bastante claro que o que havia a fazer era colocar a melhor cara que conseguisse, pedir desculpa, fingir que não estava a desfalecer e fingir que eu não tinha destratado ninguem:
- Desculpa, foi tudo um equívoco.
Ela ia fumando, eu para ser sincera não ouvi nada do que ela disse.
Acho que ficou tudo mais ou menos, mas a mim roubaram-me o chão: vieram-me lágrimas aos olhos, disse qualquer coisa como pronto está esclarecido eu agora tenho que ir comer, mas ela de certeza que teve pena de mim, de certeza que se notou que eu estava a desatar a chorar, peguei na lancheira e pensei que se calhar o meu plano não tinha corrido muito bem, agora tinha uma vontade de chorar enorme, ela notou com certeza, por isso é que não gritou comigo, eu queria muito que a viagem de elevador demorasse o tempo suficiente para eu chorar tudo, mas depois não deu, encontrei uma colega á saida, fingi que me tinha esquecido de alguma coisa, entrei de novo no elevador, porque eu não sou dessas que choram pelos cantos escuros, mas não podia subir novamente, comecei a pensar em coisas que me dessem uma vontade de rir descontrolada mas não me lembrei de nada, pensei que eu ando tão bem disposta, esta zanga calhou tão mal, porque foi ao mesmo tempo que uma hipo que eu teria escondido eficazmente, e agora a cozinha está cheia de gente, ainda passei pela casa de banho, consegui ficar com uma cara normal, entrei na cozinha, mas percebi que elas estavam todas animadas a falar de namorados e eu não tenho nada a dizer acerca disso de qualquer modo, elas também já não me acham graça porque também já me separei do grupo delas, fiquei numa mesa sozinha, houve uma que teve pena de mim e me elogiou o ganchinho, eu só queria chorar, eu só queria chorar muito, porque me descontrolei, porque foi uma hipoglicemia grande e eu não contei a ninguem para ser tudo mais justo e agora eu só queria explicar que tenho andado bem disposta, isto foi só momentâneo, eu agora vou ficar umas duas horas sem forças porque a hipo foi baixa mas depois, pela hora do lanche eu vou arrebitar, acreditem que eu tenho andado bem disposta, isto são as hormonas, deve ser também o período que também vai aparecer, foi disforia, uma alteração brusca de humor, mas eu fiquei tão sozinha, tão sozinha, não estava ninguem para me ajudar, só depois apareceu um amigo no gmail, pronto, eu agora estou sentada, já passou, agora é ficar aqui, ir desdramatizando, ao final do dia ela vai embora e pergunta-me se está tudo bem, eu digo que sim, por amor de deus, um assunto tão sem importância, foi só um mau momento e ri-me, como uma pessoa que se descontrola ri, assim a esconder que se descontrolou.
Eu se calhar vou só ouvir uma música para me acalmar.
Mas hoje aconteceu uma coisa sem importância alguma que tomou contornos de um grande drama para mim.
Bom, resumindo: uma colega minha (e amiga) zangou-se comigo.
Nós nunca nos zangámos, foi a primeira vez.
E a primeira zanga entre amigos é sempre horrível, desconfortável, fria e pronto, parece que todo o nosso mundo acaba ali, naquele instante em que o nosso amigo nos destrata (sim, porque o instante em que somos nós a destrata-lo é bem mais fácil de suportar).
Ora bem, ela zangou-se comigo por uma questão do trabalho e porque interpretou mal uma "piada" minha (aqui devo confessar que a "piada" que mandei embora não tendo o intuito de a fazer zangar-se possa ter sido percepcionada como o instante em que a destratei a ela).
Só que depois ela saiu para ir almoçar e eu percebi que a coisa era séria pela maneira como ela desceu as escadas e decidi esperar que ela viesse para esclarecer as coisas e não ir eu almoçar com ela zangada comigo.
Sim: eu não lido bem com a situação quando acho que as pessoas estão zangadas comigo, e isto não faz de mim uma boa pessoa, só significa que eu me tenho em tão boa conta que a hipótese de alguem ficar muito zangado comigo é completamente insuportável: é o mundo ao contrário.
Mas foi aí, enquanto fiquei a aguardar que ela regressasse, que comecei a sentir os sintomas de uma hipoglicemia daquelas grandes.
Merda, e agora?
Sou uma adulta responsável e tomei a decisão correcta: não fiz nada para curar a hipoglicemia porque achei que ia aguentar até ela chegar e depois resolver as coisas e depois então ir comer.
Não deve ser das graves, ia dizendo para mim própria, já a começar com os característicos suores.
E então tudo se descontrolou: eu tentei manter-me normal, calma, ela entretanto chegou, ainda estava muito zangada e exaltada, e eu já não tinha açucar suficiente no sangue para me controlar, e senti as hormonas e a fraqueza geral tudo a concorrer para que eu não conseguisse pedir desculpa antes de almoço, estragando o meu inteligente plano.
Mas questão era mais profunda: ela estava muito zangada e eu não lhe podia dizer que tinha uma hipoglicémia. Se eu dissesse:
- Agora não porque eu não estou bem
de boca escancarada e testa suada
ela ia ter pena de mim, ela ia perdoar-me porque eu sou doente e eu não podia deixar que isso acontecesse.
Pareceu-me bastante claro que o que havia a fazer era colocar a melhor cara que conseguisse, pedir desculpa, fingir que não estava a desfalecer e fingir que eu não tinha destratado ninguem:
- Desculpa, foi tudo um equívoco.
Ela ia fumando, eu para ser sincera não ouvi nada do que ela disse.
Acho que ficou tudo mais ou menos, mas a mim roubaram-me o chão: vieram-me lágrimas aos olhos, disse qualquer coisa como pronto está esclarecido eu agora tenho que ir comer, mas ela de certeza que teve pena de mim, de certeza que se notou que eu estava a desatar a chorar, peguei na lancheira e pensei que se calhar o meu plano não tinha corrido muito bem, agora tinha uma vontade de chorar enorme, ela notou com certeza, por isso é que não gritou comigo, eu queria muito que a viagem de elevador demorasse o tempo suficiente para eu chorar tudo, mas depois não deu, encontrei uma colega á saida, fingi que me tinha esquecido de alguma coisa, entrei de novo no elevador, porque eu não sou dessas que choram pelos cantos escuros, mas não podia subir novamente, comecei a pensar em coisas que me dessem uma vontade de rir descontrolada mas não me lembrei de nada, pensei que eu ando tão bem disposta, esta zanga calhou tão mal, porque foi ao mesmo tempo que uma hipo que eu teria escondido eficazmente, e agora a cozinha está cheia de gente, ainda passei pela casa de banho, consegui ficar com uma cara normal, entrei na cozinha, mas percebi que elas estavam todas animadas a falar de namorados e eu não tenho nada a dizer acerca disso de qualquer modo, elas também já não me acham graça porque também já me separei do grupo delas, fiquei numa mesa sozinha, houve uma que teve pena de mim e me elogiou o ganchinho, eu só queria chorar, eu só queria chorar muito, porque me descontrolei, porque foi uma hipoglicemia grande e eu não contei a ninguem para ser tudo mais justo e agora eu só queria explicar que tenho andado bem disposta, isto foi só momentâneo, eu agora vou ficar umas duas horas sem forças porque a hipo foi baixa mas depois, pela hora do lanche eu vou arrebitar, acreditem que eu tenho andado bem disposta, isto são as hormonas, deve ser também o período que também vai aparecer, foi disforia, uma alteração brusca de humor, mas eu fiquei tão sozinha, tão sozinha, não estava ninguem para me ajudar, só depois apareceu um amigo no gmail, pronto, eu agora estou sentada, já passou, agora é ficar aqui, ir desdramatizando, ao final do dia ela vai embora e pergunta-me se está tudo bem, eu digo que sim, por amor de deus, um assunto tão sem importância, foi só um mau momento e ri-me, como uma pessoa que se descontrola ri, assim a esconder que se descontrolou.
Eu se calhar vou só ouvir uma música para me acalmar.
segunda-feira, 9 de março de 2009
Mulheres
A. M.
- Olha para elas, mãe, parecem... vou ter que dizer, parecem mesmo umas galinhas.
Onde é que elas irão?
Domingo de manhã, na feirinha.
Aproximamo-nos.
Beijinho, beijinho, beijinho, beijinho.
- Então os seus filhos?
- Nem sei, ainda devem estar a dormir. Hoje é dia da mulher, vamos todas ali almoçar e eu não fiz nada. Eles que se amanhem, nem a mesa pus, só lhes arranjei os morangos para não dizer que não fiz nada.
F. e L.
- O melhor é não falares mais no assunto e fazeres como te estou a dizer.
- Mas pai...
- Não vale a pena.
Conversei com o meu pai ao telefone, que me notificou de uma decisão que a minha mãe tomou e que, pelos vistos, é irrevogável.
Não gostei, incomodam-me pessoas que não revogam.
Quando está sol, podemos beber o café fora da cozinha.
Café e algumas bebidas digestivas, como Favaios ou Macieira com gelo.
- Pus Favaios a mais no copo.
- Eu bebo um bocadinho.
O meu irmão chegou com um copo de Macieira.
- Também gostas de Macieira, tia?
- Se fosse por gosto, eu seria uma bêbada inveterada. Eu gosto de tudo.
Pegou na camisola e colocou-a na cabeça porque o sol estava muito forte.
Ela lembra-se, e eu também, que foi ela que me comprou a minha Barbie e que eu escolhi a Marina-Hawai porque era a mais barata, o que foi um gesto muito apreciado.
Era uma barbie linda, morena de cabelo preto.
Eu era muito esperta.
E.
- Eu sei que posso parecer antiquada mas nisto eu nunca vou achar de outra maneira: é o homem que deve ir atrás da mulher.
Eu não respondi.
Eu vou atrás dos homens, pensei eu, quando gosto, persigo-os com mails e mensagens, apareço em sitios que sei que vão aparecer porque estudei o seu quotidiano, recolho toda a informação possível sobre eles, googlo tudo o que conseguir, observo os pormenores como sapatos e calças e pastas e pequenos hábitos que, quando estou apaixonada, me aparecem como delícias maravilhosas, surpreendentes e únicas.
Podem ser só lenços de papel, podem ser só defeitos de linguagem ou mesmo maus cortes de cabelo mas tornam-se fenomenos incríveis da natureza.
Enquanto eu pensava sobre isto, todas as mulheres presentes na sala à altura desta conversa, discorriam acerca de caber ao homem andar atrás da mulher, e enquanto falavam sobre isso, sorriam, nervosas, vulneráveis.
Riam-se deles.
M.
Claro, também eu acho que devem ser os homens a investir o seu tempo a arranjar maneiras de me perseguir sem parecer que o estão a fazer de facto.
Mas na verdade, nem eles sonham, mas eu sou muito fácil.
Ainda hoje, foi lá um rapaz ao meu trabalho.
Alto, uma figura um tanto despropositada.
Educado, nada agressivo.
Um ligeiro aspecto de idiota misturado com atrasado mental mas que pode também ser adiantado mental.
Pediu desculpa por me incomodar. Delicado, portanto.
Quando se despediu, disse:
- Então um resto de boa tarde e bem-haja.
Bem-haja.... com que naturalidade ele utiliza esta expressão.
Ele saiu e eu sorri e abanei a cabeça.
Na... desta vez não me apanham assim.
- Olha para elas, mãe, parecem... vou ter que dizer, parecem mesmo umas galinhas.
Onde é que elas irão?
Domingo de manhã, na feirinha.
Aproximamo-nos.
Beijinho, beijinho, beijinho, beijinho.
- Então os seus filhos?
- Nem sei, ainda devem estar a dormir. Hoje é dia da mulher, vamos todas ali almoçar e eu não fiz nada. Eles que se amanhem, nem a mesa pus, só lhes arranjei os morangos para não dizer que não fiz nada.
F. e L.
- O melhor é não falares mais no assunto e fazeres como te estou a dizer.
- Mas pai...
- Não vale a pena.
Conversei com o meu pai ao telefone, que me notificou de uma decisão que a minha mãe tomou e que, pelos vistos, é irrevogável.
Não gostei, incomodam-me pessoas que não revogam.
Quando está sol, podemos beber o café fora da cozinha.
Café e algumas bebidas digestivas, como Favaios ou Macieira com gelo.
- Pus Favaios a mais no copo.
- Eu bebo um bocadinho.
O meu irmão chegou com um copo de Macieira.
- Também gostas de Macieira, tia?
- Se fosse por gosto, eu seria uma bêbada inveterada. Eu gosto de tudo.
Pegou na camisola e colocou-a na cabeça porque o sol estava muito forte.
Ela lembra-se, e eu também, que foi ela que me comprou a minha Barbie e que eu escolhi a Marina-Hawai porque era a mais barata, o que foi um gesto muito apreciado.
Era uma barbie linda, morena de cabelo preto.
Eu era muito esperta.
E.
- Eu sei que posso parecer antiquada mas nisto eu nunca vou achar de outra maneira: é o homem que deve ir atrás da mulher.
Eu não respondi.
Eu vou atrás dos homens, pensei eu, quando gosto, persigo-os com mails e mensagens, apareço em sitios que sei que vão aparecer porque estudei o seu quotidiano, recolho toda a informação possível sobre eles, googlo tudo o que conseguir, observo os pormenores como sapatos e calças e pastas e pequenos hábitos que, quando estou apaixonada, me aparecem como delícias maravilhosas, surpreendentes e únicas.
Podem ser só lenços de papel, podem ser só defeitos de linguagem ou mesmo maus cortes de cabelo mas tornam-se fenomenos incríveis da natureza.
Enquanto eu pensava sobre isto, todas as mulheres presentes na sala à altura desta conversa, discorriam acerca de caber ao homem andar atrás da mulher, e enquanto falavam sobre isso, sorriam, nervosas, vulneráveis.
Riam-se deles.
M.
Claro, também eu acho que devem ser os homens a investir o seu tempo a arranjar maneiras de me perseguir sem parecer que o estão a fazer de facto.
Mas na verdade, nem eles sonham, mas eu sou muito fácil.
Ainda hoje, foi lá um rapaz ao meu trabalho.
Alto, uma figura um tanto despropositada.
Educado, nada agressivo.
Um ligeiro aspecto de idiota misturado com atrasado mental mas que pode também ser adiantado mental.
Pediu desculpa por me incomodar. Delicado, portanto.
Quando se despediu, disse:
- Então um resto de boa tarde e bem-haja.
Bem-haja.... com que naturalidade ele utiliza esta expressão.
Ele saiu e eu sorri e abanei a cabeça.
Na... desta vez não me apanham assim.
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