Porque não estava à espera que ela me resumisse os seus problemas a isso, eu tenho passado estes últimos dias a pensar sobre a solidão.
- Mas diz-me, qual são mesmo as tuas queixas em relação a ele?
- É que eu me sinto sozinha.
E eu compreendi-a.
Tentei, como sempre faço, arranjar uma imagem, uma metáfora qualquer que me ajudasse a ver a solidão, a denomina-la para a dominar.
Não encontrei.
Também eu me tenho sentido sozinha.
E tento que não se note, e quando ela me disse que se sentia sozinha, eu nem lhe disse que também me achava sem ninguém.
Não quero que se veja isso na minha cara.
Eu tive herpes pela primeira vez na vida mas já faz tempo que não me beijam.
E um rapaz, quando me viu com herpes, perguntou-me se eu já me tinha "orientado" e eu disse que não. Então ele explicou-me que ter herpes, podendo significar que alguém me beijou na boca e que, portanto, eu terei alguma relação, aumenta as hipoteses de me "orientar".
- É que quando uma pessoa está "orientada", tem logo montes de ofertas, percebes? Porque significa que vales alguma coisa para alguém. E o mesmo vale para quando estás desempregada e parece que não aparece nada, e depois quando arranjas qualquer coisa, chovem ofertas de emprego.
Estranhamente, esta conversa fez algum sentido para mim.
E senti-me outra vez sozinha.
Na minha cabeça, tento juntar um conjunto de histórias de solidão a que tenha assistido e esforço-me por encontrar um padrão.
Mas entretanto, lembro-me de outras histórias que não têm propriamente relação com a solidão, e essas vão-me lembrando de outras e pronto, às tantas eu começo a duvidar da relevância da compreendensão dos padrões da solidão.
Recordo uma viúva que conheço.
O marido morreu muito cedo, num Agosto muito quente dos anos 90, e a mãe dela disse-lhe que ela tinha que arranjar uma roupa para o vestir. Ela foi buscar uma camisa de manga curta para o marido acabado de morrer mas a senhora explicou que devia ser uma roupa melhor, como um fato, ao que ela respondeu:
- Mas está tanto calor...
E quando me lembro desta história lembro-me mais do amor do que da solidão.
E se a dúvida for entre enviar uma carta de amor ou não, que seja enviada ontem.
Hoje perguntei à minha vizinha, depois de ela me contar que depois da morte do marido tudo ficou pior, se ela tinha filhos. Já no Natal me tinha parecido que ela estava sozinha.
Ela confirmou que não tinha ninguém. Teve dois sobrinhos, um deles a viver com ela até há pouco tempo. Esse sobrinho foi-se embora deixando apenas um papel com um número de telemóvel e ela nunca mais soube nada dele.
- Estamos sempre a apanhar pontapés na vida, não sabe já isso a menina? Olhe para si, a menina também está sozinha.
E eu acho que balbuciei:
- Mas nota-se?
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