domingo, 26 de julho de 2009

Venham comigo para um lugar isolado e descansem um pouco mas tragam comida

- Vou coser estas calças e passar estas saias a ferro.
Deitou-se no sofá e começou a falar sem parar.

Sábado à noite, estava muito vento ao pé do mar, eu pretendia ir andar a pé.
Peguei numa linha e numa agulha e sentei-me a fazer uma mala para a minha irmã.


Deitada no sofá - só hoje me lembrei disto - era como uma sessão de terapia daquelas que vemos nos filmes.
Contava-me como a minha sobrinha mais nova a faz recordar a minha mãe, como ela se está a lembrar de coisas que tinha guardadas no mais profundo do seu inconsciente e que só agora as recorda.
A minha mãe com um ano e meio, vestida com a fronha de uma almofada, a dançar em cima de uma mesa, o meu avô a rir.
- Elas são umas engraçadinhas, não é uma graça forçada, aquela graça é mesmo natural, e isso vai sempre fazer com elas ganhem na vida.

Eu não consegui deixar de lhe lançar um olhar de repreensão quando ela disse isto.
Ela refez a frase e o discurso, afinal não podia ser terapia, era só um serão de costura onde ela falou de coisas importantes, de telenovelas, das gravações do MEO, do bolero de Ravel com uma coreografia que ela vê vezes sem conta (eu gravei para a tua mãe, porque ela gosta muito dessa música mas ela nem ligou).

Eu disse:
- É um processo de anamnese.

Ela disse:
- Eu sempre gostei do Sócrates e do Platão, eu até comprei livros deles para ler que acho esse tempo muito bonito.


O serão acabou, o domingo passou, eu vinha no carro e tive uma grande vontade de me libertar através da dança mas desse sentimento físico passei para uma melancolia psíquica derivada do facto de não ter um par para o baile.

Horas mais tarde, perante uma multidão esfomeada, Jesus veio ter comigo e perguntou-me se eu tinha pão para dar.
Eu respondi que nem para mim tinha.
Ele disse que não fazia mal, que ele era deus e então ia transformar 7 pães em 7 mil e que ninguém ia ficar com fome.
Fez-me uma festa na cabeça e assegurou-me: não tens que te envergonhar da tua situação, de não teres pão. Não faz mal.

Depois, a multidão, vendo nele uma mina de ouro - ou de pão -, quiseram votar nele para rei e então Jesus fugiu.
Antes de fugir disse-me que os seus milagres não se destinavam a ser soluções mas antes pedradas no charco do fatalismo.
- Tudo pode ser diferente, disse-me ele já a correr, levando um pão consigo e deixando-me a mim um bocado confusa, no meio de alguma solidão.

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