domingo, 23 de novembro de 2008

Festival da Eurovisão ou durante quanto tempo eu consigo manter uma conversa internacional


Quando cheguei ao avião, ouvia-se Frank Sinatra e a minha primeira impressão foi: estas hospedeiras são um bocado freaks.

E, de facto, quando estavam a servir carne com batatas fritas às 16h, uma delas, a mais extrovertida, disse "esta merda" ao referir-se a um bocado de gelo.
E disse-o em voz alta e determinada, como se ela fosse uma hospedeira senior a ensinar às outras, subservientes estagiárias, o que se devia dizer quando fosse difícil pegar no gelo.
Deve fazer-se isso: dizer, Esta merda assim não dá!, em voz alta, para os passageiros ouvirem.
E a distribuição de sorrisos também não é gratuita: depende tanto da personalidade da hospedeira quanto do facto do passageiro merecer ou não...

Uma delas tinha 37 anos e trabalhava na Ground Force - tinha tentado muitas vezes passar a hospedeira mas recusavam-na por causa da espondilose. Mas agora, desde há 2 anos e meio que era hospdeira da TAP, tinha conseguido entrar quando menos esperava e já não ligaram à espondilose.

A seguir à aterragem, voltamos a ouvir Frank Sinatra.

Na verdade, há uma coisa que eu gostava de assimilar e pôr em prática na minha vida que passo a tentar explicar de seguida:
há alturas em que temos datas de exames, apresentações, desafios complicados e trabalhosos calendarizados nas nossas agendas mentais.
e então dizemos (eu pelo menos digo) assim: ai, vai ser tão bom quando chegar dia x às x horas, quando tudo isto tiver passado.
e desde a altura em que somos confrontados com o desafio até à data do seu termino ou desenlace (falo de coisas com datas marcadas), tendemos a não viver tanto.

Ou pelo menos faço isso: aliás, parece que faço mas não faço não é? porque uma pessoa não pode pôr a vida em pausa e depois voltar.

Posto isto: eu quero viver esses dias até essas datas como se não os estivesse a contar, indo fazendo as coisas e trabalhando sem pensar quero tanto chegar ao dia x.

É que assim perdemos tempo de vida, quando queremos que ela corra mais depressa.
E tudo isto nunca passa.
Como é mais que óbvio, eu quero que chegue quarta à noite, porque acho que vou respirar fundo, pelo menos por uns dias.
E sei também que aí o músculo vai parar e a lesão vai fazer-se sentir, com menos movimento.

Mas talvez depois da aterragem, eu comece a ouvir Frank Sinatra e afinal percebo que ainda estou a voar, com nuvens cor de rosa e hospedeiras freaks e um destino qualquer.


segunda-feira, 17 de novembro de 2008

É que eu acho que acima de tudo, eu ando estupidamente sensível

"En el momento que te escribo estas líneas es día 15 de noviembre de 2008 y yo, porque soy yo y soy así, no voy a ir directo al asunto."

Quando ele me contou lhe ia escrever uma carta, senti-me no sopé de um vulcão de ternura.
Juro-vos que foi como estar na iminência de ficar submersa em ternura.

Ao sair do trabalho, eu ia a pensar na má sorte do meu amigo, percorrendo a lista de raparigas de quem ele já gostou e abanando a cabeça a pensar que ele não as sabia mesmo escolher. Confesso que até me deu alguma vontade de rir pelo seu padrão de escolhas.

Mas quem escreve uma carta de amor, ou antes, quem envia uma carta de amor, com um selo, num envelope... quem faz isso está condenado a viver.

Dizia-me um outro grande amigo meu, a propósito da linguagem tantas vezes detestável do apóstolo Paulo, dizia-me então ele que:
- Mas não sabes que as pessoas apaixonadas são muito complicadas?
Riu-se e coçou a cabeça e aposto que também ele escreveria cartas de amor se pudesse.


Saber que anda aí, num saco de correio, uma carta de amor a seguir o seu destino, deu-me alento.
A verdade é que manter a ternura na dor é difícil e para mim, só ter uma prova da sua existência foi suficiente para eu ter algumas saudades do futuro.






quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O meu coração desfeito

- Era um saco de ossos muito cheio, eram uns bons ossos.
O que a prima Celeste queria dizer era que até os ossos do meu avô eram bons.

Foi mais ou menos nesse momento que a minha irmã o viu.
Ali estava, meio desfeito, no meio da terra revolta, um sapato enterrado há 39 anos.
Um sapato do meu avô.

Eu sonhei com o meu avê na semana antes de ter sido diagnosticado cancro à minha avó (acho que até falei disso aqui no blog).
E quando me deram notícia da doença fatal, eu acenei com a cabeça, então era isto que ele me queria dizer.

Olhei para o sapato, pensei que devia pedi-lo ao coveiro Florêncio, pensei: tenho que mostrar à minha mãe, estava a chover e frio, estava ainda muita gente, eu ainda disse mãe, é um sapato do avô, acho que ela não percebeu, foi tudo horrível, eu sei, mas se eu não fizer qualquer coisa vamos ficar sem o sapato, vai ficar novamente na terra.
Não consegui pegar nele, nem pedi-lo ao coveiro.


Foi toda a gente embora.
Ficamos encostados uns aos outros (os 7, agora somos 7), a ver o final da vida, à chuva, a falar sobre o sapato.

O coveiro Florêncio ia contando que o meu avô lhe matou muitas vezes a fome, estava cada vez mais frio e nós cada vez mais tristes.

Reparamos então em quem estava agora (sepultada em Maio) em frente da minha avó:
a Rosara Chapina!

Começamos a rir, a Rosara Chapina era uma amiga da minha avó, com a qual ela tinha muitas aventuras, todas elas conhecidas por nós, eram as duas parecidas no essencial: não tinham vergonha de viver. (como eu tantas vezes tenho...)

E ali estavam agora as duas, o meu pai disse que de certeza que estão a brincar no céu, eu preferia ainda mais uns anos a ve-la na terra, eu ainda choro muito, ainda tenho muito para chorar, mas a minha avó era pragmática e nas suas últimas horas, ela fez um ruido, eu acorri, ela perguntou-me "o que foi agora?", "é que avó tem soluços e eu assustei-me", disse eu, a respirar fundo porque ainda não tinha chegado a hora e então ela disse, para que eu não me esquecesse:
"Soluços vão, soluços vêm
merda para quem os tem".

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Miss Corações Solitários


Vá lá, para a próxima apaixona-te por ela!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

no, I can

As tristes imagens do dia relatadas pelo telefone, o lugar para o carro que não vou arranjar, mentir por sms à minha irmã do outro lado do mundo, o imigrante que vem buscar cá a casa as cartas da segurança social, o charme do Obama e a vassoura da cozinha que está nojenta, as costuras por fazer, tac e rx para marcar, os dias passam, são dias a mais, são dias a menos, a rua é a subir, cento e tal degraus a tentar fugir do cócó dos pombos, mais relatos de doença, a ideia de que não estou onde devia estar, o acne que me invadiu as costas, o pescoço e cara, que raio de coisa, não entendo o que se passa, todos os dias uma borbulha nova, alguma febre, nem sequer é gripe de cama, é só uma dorzita de garganta e uma febre baixa, o pânico quando descobri que não tinha trazido a minha botija, logo no dia a seguir comprei um saco de água quente, tenho algum conforto em beber café de manhã e ouvir as noticias do mundo e do futebol, não sei muito bem o que vestir, qualquer coisa confortável, muitos homens, todos homens na televisão, as mulheres ainda não estão presentes nas eleições americanas nem na sic noticias, pensei que tinha voltado às minhas saudaveis rotinas, ler, agendar, planear trabalho e vida, qual quê, desculpo-me dizendo que não há condições agora, tenho pessoas que precisam de mim, tenho unhas para cortar, penso em namorados felizes, brincadeiras sexuais, coisas de sitcom, é meia noite, antes de me ir deitar talvez cosa à máquina, a porta do quarto, a cama está muito perto da porta da rua, o telefone fixo está avariado, comecei a ouvir mal na altura mais dramática, não tenho duvidas, cada vez acho mais, que as pessoas precisam de falar, falar, contar, coisas que lhes acontecem dentro e fora de si, eu também, ainda corto unhas hoje, amanhã não quero levar a bomba na liga da perna, quero que vá no bolso sem me incomodar, vou acabar este post, tenho que ser mais exigente, ando mandriona em relação à vida, se me levantasse mais cedo, se andasse mais rápido, eram minutos que ganhava, perder menos tempo a escolher que pão vou comprar, andar mais depressa quando volto para casa, não abrandar o passo, há coisas em que eu posso melhorar, fazer render mais o meu dia, é que ainda não é o meu tempo do desleixo do choro profundo.