sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A triste morte da gata dos telhados

Quando subimos no elevador, eu descobri uma coisa sobre mim.
Eu não resisto à carícia, à festinha e ao abraço.

Lembrei-me do final de tarde, 35º lá no lago onde se meditava em silêncio e ele me tentava engatar, e eu não sabia bem o que fazer.
Foi muito fácil para ele estender-me a mão e puxar-me para ele, para um beijo.
Não ofereci qualquer resistência.

Agora que penso nisso: porque não ofereci eu resistência?

Tento lembrar-me de mais situações idênticas, essas situações de primeiros toques, de primeiros abraços, de beijos e essas coisas e vejo-me sempre dócil, mansa, fácil.

Engraçado porque depois essas mesmas pessoas que facilmente me agarraram são as que me acusam de ser fugidia e distante, esquiva e ausente.

Então eu penso: se calhar é isto que é ser carente, é não oferecer resistência a qualquer carícia, sem querer saber de quem a oferece.
Se calhar é isso: os rapazes apaixonam-se por mim e eu, caso me sinta um pouquinho atraída, cá vai disto, e tento apaixonar-me também, facilmente me entregando a qualquer idiota que se apresente num determinado momento da minha vida em que, por acaso, eu até estou aberta a pensar que posso gostar de alguém.
Claro, dir-me-ão que tem a ver com a falta de auto estima: como se eu achasse tão incrível alguém gostar de mim, que me precipito a ficar em dívida com essa pessoa, dando-me como penhor do amor que me é oferecido.

Pois se é oferecido Madalena, porque tens tu que o pagar?



Hoje, um parvalhão irritante tocou-me na cara. Parece-me que sem qualquer intenção sexual, foi apenas uma coisa que fez porque às vezes as pessoas acham que eu sou uma querida.
E eu não lhe bati nem lhe ralhei.
Não o esmurrei.
Não o pontapeei.
Não lhe dei nenhum estalo nem o pus na ordem.

Não me conhece de lado nenhum, não me toca assim na cara, nas minhas sensíveis bochechas, não é?

Mas percebi que, através daquela situação, Deus quis que eu descobrisse mais uma coisa sobre mim.




A gatinha dos telhados era uma selvagem como nunca se viu no quintal quando, há mais de 15 anos, foi morar connosco.
Era muito bonita mas pouco domesticável.
Quando o cão Alex veio também para o quintal, a sua loucura afastou a gatinha para os telhados, onde passou muito tempo da sua vida.
À medida que os anos passavam, ela tornava-se cada vez mais meiga e feliz.
Os outros gatos iam e vinham mas ela nunca ia embora, sempre consistente com o seu percurso de vida, crescendo de uma juventude um pouco agressiva para amadurecer na mansidão, sem perder a sua postura de gata do campo.
Da última vez que a vi, alertaram-me que ela devia estar a morrer.
Fui para o pé dela e dei-lhe muitas festinhas e ela sorriu-me.
Sabíamos, eu e ela, que era uma despedida poir ela devia ir morrer longe dos donos, como fazem os gatos.

Segundo me contou o meu pai, foi a enxurrada que a matou.
- Ela não se aguentou com a chuva, a tonta não veio para o alpendre e a força da chuva levou-a. A tonta.

O meu pai acha sempre que é possível a salvação.
Deu com a gatinha na manhã seguinte do temporal, junto de um poste, na rua.
Morta.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A monstra precisa de amigos porque a sinceridade é sobrevalorizada



Recordaram na RADAR que o album dos Ornatos faz 10 anos.
Fui ouvi-lo.

Ando bem mais rock que folk embora a noite passada tenha sonhado com gatinhos (sonhei que andava um gatinho nas traseiras do meu quarto que eu teria que adoptar - e seríamos felizes os dois a ver televisão ou a costurar - e depois acordei a sentir lambidelas nos meus dedos que pensei que fossem da Jonas mas a Jonas continuou no quintal e eu já não moro no quintal - este sonho deu-me logo em que pensar durante uma boa meia hora).

Num devaneio de domingo à noite, mandei-lhe um mail cheio de desabafos íntimos sobre os meus problemas em que terminava com uns belos paragrafos melolíricos acerca das minhas questões com ele e com a nossa relação.

E na segunda de manhã, as coisas pareciam bem menos sombrias na minha cabeça, já que na noite anterior tinha pegado na minha escuridão e, embrulhando-a num cocktail molotov em forma de mail, mandei-a com toda a força para cima dele, acertando-lhe em cheio.


E quem sou eu para te ensinar agora

A ver o lado claro de um dia mau




Não sou flor que se cheire.
Mas claro que agora estou triste.



Eu sei
A tua vida foi

Marcada pela dor de não saber aonde dói




Já tive que estragar tudo.
E agora não sei bem que fazer.



Mas para quê gastar o meu tempo
A ver se aperto a tua mão



Houve alguma precipitação da minha parte.
Esta coisa de abrir o coração nem sempre funciona.



O que eu quis mostrar ao mundo
Era tão forte e tão profundo
Eu quase me afoguei na emoção




Voltei ao que sempre fui.
Tenho algum medo do que possa acontecer.



Eu fui tão mau para mim
Eu fui tão pouco para nós

Bem que o meu pai quase me avisou



Começo agora a medir o trauma futuro.
Não tarda vou dizer que "a culpa foi minha".



Pra viver
E gostar
De gostar

De viver
Pra fugir
Pra mostrar

Pra dizer
Pra ter paz
Pra dormir
Pra fingir acordar

Para ser

Derramar

Para nunca mais tentar
Mentir

sábado, 10 de outubro de 2009

As pessoas saudáveis não têm nada de especial, nem eu

Agora tenho uma webcam.
Às vezes ligo-a e fico a olhar para mim a olhar para o monitor.
Faz parte de um projecto que eu tenho de auto aceitação e de aumento dos meus níveis de auto estima.


Ele diz-me que prefere sem webcam. Que assim consegue ver que eu não me estou sempre a rir.
Na minha cabeça, eu mando-o para o cara... e suspiro em profundidade e irritação.

Mas perante o trabalho que me ia dar explicar-lhe porquê é que me aborrece que ele diga que prefere sem webcam, calo-me.

Quero lá saber, eu gosto disto, de imagens.
Enquanto estou a postar, às vezes vou ver-me, ver o movimento dos olhos, ver como se eu mexer no cabelo com a mão direita, isso vai "reflectir-se" no lado esquerdo do ecrã.

Ai o cinema, o cinema.
(suspiro de deleite e sorriso)

Será que o cinema é uma motivação interior?

A minha médica é uma mulher inteligente.
Olhou para mim e nem falamos muito, uma consulta de minutos só para ela me dizer que eu tenho que querer viver, para viver.
"Motivação interior".

Ainda se falou nas distrofrias da minha barriga, na medicação, nos vários factores que possam ter interferido para este descalabro mas basicamente neste momento só é preciso eu querer viver.

(fui olhar para mim outra vez - os meus lábios não parecem tão finos como eu penso que eles são)

Eu nem discuti com a médica, bastou olhar para ela, respirar fundo, esticar as pernas,coçar a nuca e dizer, a expirar, pois é.

Às vezes, eu observo o pânico das pessoas saudáveis perante a hipótese de adoecerem e penso em como, efectivamente, eu não ligo assim tanto ao meu corpo.
Consigo saber que ele está a apodrecer e não fazer absolutamente nada.

(tirei os óculos para me ver mas sem óculos não vejo muito nítido).

"motivação interior"

Isso é o quê mesmo?

As pessoas que gostam de mim às vezes falam-me em cura, e eu, da minha altivez de doente crónica, desprezo esse discurso, e explico o que é possível e o que é impossível.
Mas se calhar se eu gostasse tanto de mim como essas pessoas, eu tinha o diário da glicémia mais actualizado, eu estudava-o semanalmente, eu gastava tempo com o meu corpo, e alterava o esquema de insulina quantas vezes fosse preciso até ficar bem.


Mas eu prefiro com webcam.
Para me ver a mim e aos outros.

E prefiro com música.
E gosto mais quando a conversa não é séria.
Adoro quando é para rir.
É reconfortante quando a culpa não é minha, seria mesmo bom que eu não precisasse de querer viver para viver.


(de facto, eu fui ver agora o meu ar e é assustadoramente sério e pesado, se calhar é mesmo melhor sem webcam)








quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Web. 2.0, a minha reputação digital e a dracma perdida


Pois é.

É ele.

Parecia um livro, ou filme, ou mesmo um videoclip dos bons, pelo menos na minha cabeça parecia, quando eu me aproximei do sítio onde o tinha visto há dias e comecei a abrandar para ver se ele ainda lá estava.
Não tive que procurar muito quando o vi, o meu botão.

Apanhei-o e olhei bem para ele.
Comecei a rir.

Depois levei-o fechado na minha mão e fui sempre a rir até ao trabalho.

Na verdade, nem atribuí nenhum simbolismo a esta historieta até ao final do dia, quando contei a um amigo que tinha encontrado o botão perdido e ele me resmungou: boa, então a ver se agora vais aí apanhar os outros botões que andam perdidos, numa alusão ao catalão e às coisas boas da vida em geral.

Só não lhe dei um estalo na cara ali mesmo porque ele é meu amigo, mas ele já devia saber que isso de se dizerem verdades aos amigos já foi chão que deu uvas, toda a gente sabe que, a bem do bom funcionamento da amizade, o melhor é dizer aquilo que o nosso interlocutor quer ouvir.

E eu queria ouvir: mas essa história do botão é a mais maravilhosa que ouvi nos últimos tempos, atribuíste-lhe algum simbolismo?
E eu responderia que não, que isso é só um botão qualquer que ficou dias a fio no chão, a ser pisado pelos transeuntes e atropelado pelos ciclistas que frequentam o jardim, à minha espera virado para baixo, para eu o reencontrar, como uma surpresa boa, como nos filmes em que parece que a personagem principal está morta mas depois abre os olhos muito de repente, foi só isso, só um botão que mais parece aquele sonho que eu tinha nas férias de verão, quando vinha uma onda grande e trazia centenas de brinquedos de praia, todos para mim, e agora o botão está no meu bolso, mas não tem qualquer simbologia, que eu só digo a mim mesma aquilo que eu quero ouvir.