Quando subimos no elevador, eu descobri uma coisa sobre mim.
Eu não resisto à carícia, à festinha e ao abraço.
Lembrei-me do final de tarde, 35º lá no lago onde se meditava em silêncio e ele me tentava engatar, e eu não sabia bem o que fazer.
Foi muito fácil para ele estender-me a mão e puxar-me para ele, para um beijo.
Não ofereci qualquer resistência.
Agora que penso nisso: porque não ofereci eu resistência?
Tento lembrar-me de mais situações idênticas, essas situações de primeiros toques, de primeiros abraços, de beijos e essas coisas e vejo-me sempre dócil, mansa, fácil.
Engraçado porque depois essas mesmas pessoas que facilmente me agarraram são as que me acusam de ser fugidia e distante, esquiva e ausente.
Então eu penso: se calhar é isto que é ser carente, é não oferecer resistência a qualquer carícia, sem querer saber de quem a oferece.
Se calhar é isso: os rapazes apaixonam-se por mim e eu, caso me sinta um pouquinho atraída, cá vai disto, e tento apaixonar-me também, facilmente me entregando a qualquer idiota que se apresente num determinado momento da minha vida em que, por acaso, eu até estou aberta a pensar que posso gostar de alguém.
Claro, dir-me-ão que tem a ver com a falta de auto estima: como se eu achasse tão incrível alguém gostar de mim, que me precipito a ficar em dívida com essa pessoa, dando-me como penhor do amor que me é oferecido.
Pois se é oferecido Madalena, porque tens tu que o pagar?
Hoje, um parvalhão irritante tocou-me na cara. Parece-me que sem qualquer intenção sexual, foi apenas uma coisa que fez porque às vezes as pessoas acham que eu sou uma querida.
E eu não lhe bati nem lhe ralhei.
Não o esmurrei.
Não o pontapeei.
Não lhe dei nenhum estalo nem o pus na ordem.
Não me conhece de lado nenhum, não me toca assim na cara, nas minhas sensíveis bochechas, não é?
Mas percebi que, através daquela situação, Deus quis que eu descobrisse mais uma coisa sobre mim.
A gatinha dos telhados era uma selvagem como nunca se viu no quintal quando, há mais de 15 anos, foi morar connosco.
Era muito bonita mas pouco domesticável.
Quando o cão Alex veio também para o quintal, a sua loucura afastou a gatinha para os telhados, onde passou muito tempo da sua vida.
À medida que os anos passavam, ela tornava-se cada vez mais meiga e feliz.
Os outros gatos iam e vinham mas ela nunca ia embora, sempre consistente com o seu percurso de vida, crescendo de uma juventude um pouco agressiva para amadurecer na mansidão, sem perder a sua postura de gata do campo.
Da última vez que a vi, alertaram-me que ela devia estar a morrer.
Fui para o pé dela e dei-lhe muitas festinhas e ela sorriu-me.
Sabíamos, eu e ela, que era uma despedida poir ela devia ir morrer longe dos donos, como fazem os gatos.
Segundo me contou o meu pai, foi a enxurrada que a matou.
- Ela não se aguentou com a chuva, a tonta não veio para o alpendre e a força da chuva levou-a. A tonta.
O meu pai acha sempre que é possível a salvação.
Deu com a gatinha na manhã seguinte do temporal, junto de um poste, na rua.
Morta.
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