segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A minha mãe também é filha e eu também não estou bem

No meio de todo aquele sábado horrível estava um vestido de noiva no quarto onde a minha irmã também se vestiu para o seu casamento.

Mas não havia flores cor de rosa no quintal que eu pudesse apanhar para fazer a jarra.
Fiquei encostada à escada do sótão, a que tem a glicínia, e chorei.
Chorei porque tive medo, eu acho que o pior é o medo que temos de que as pessoas que gostamos morram misturado com o medo que temos de morrer.
Só havia dálias, algumas muito bonitas, apanhei-as mas a jarra era muito grande.

Eu tratei de tudo enquanto estavam no hospital, eu só parei à noite porque a noiva não tinha a culpa, pensei eu: ela coitada não tem culpa, vai-se casar e sabe que a vida não é fácil, merece que eu varra o quintal e limpe a casa, merece que eu corra a comprar flores, que eu decore o carro do meu pai, todo riscado e amolgado, merece, claro que sim.

O vestido lá pendurado não me dizia grande coisa, nunca me comovo com vestidos de noiva, acho eu.
No domingo de manhã cedo, enquanto fui buscar o bouquet, ainda tentei ir à farmácia, antevendo que ia ficar sem insulina mas estava tudo esgotado ou fechado.

Isto não vai correr bem, pensei eu, enquanto tirava fotografias à noiva e aos padrinhos, perto dos malmequeres altos e amarelos.
Tirei a bomba, andei sem ela durante o dia, voltei às injecções com nph e achei que ia conseguir controlar a glicémia mas quando dei por mim, pelas 14h já estava cheia de nauseas e a pensar: o melhor é eu ir arranjar uma farmácia....

Ora a boda foi na Cachoeira, uma aldeia bem dentro dos montes da região oeste, e saí do casamento discretamente, fazendo a minha irmã prometer que não dizia à minha mãe que eu estava totalmente descompensada.
Depois de 3 farmácias com a insulina esgotada e de bastantes km percorridos, dei por mim no meio de Odivelas, num bairro refundido, de fato de casamento, uma merda de uns saltos de agulha e um vestido que a minha mãe me emprestou de seda verde, e arranjei finalmente insulina.

Regressei a casa... quer dizer, ao quintal, não à minha casa nova mas a casa, onde tinha as minhas coisas.
Pus a bomba e fiz a correcção - aterrei no sofá pelas 19h, não me lembro de grande coisa, só do meu irmão chegar e dizer qualquer coisa, que eu tinha que tomar conta de mim e que não devia ter ido sozinha.
- Provaste o porco grelhado? perguntei
- Sim, estava bom.
- Pois, eu ainda estou agoniada mas estou bem.

Levantei-me e fui ouvir a minha tia a contar da tarde dela no hospital e o domingo acabou com a minha mãe a ser filha e eu a ser doente.

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