
Descompensei.
E na sexta eu vou ter com a Dra Cristina e digo-lhe logo:
- Por favor, não vamos descarregar os valores da bomba, nem vamos olhar para as minhas análises.
Eu vou explicar o que aconteceu e a Dra Cristina depois tenha piedade de mim, mande-me embora, dê-me umas semanas que eu volto a equilibrar porque sinceramente agora estou péssima.
Hálito doce, uma ligeira nausea contínua, noites com má disposição, um descontrolo do apetite, ora muito ora nada, falta de energia, ora tudo muito baixo, ora tudo muito alto, sempre a ir fazer xixi, essas coisas todas.
Dra Cristina, eu sei que no início do Verão eu tive uma HbA1C espantosa, fui congratulada por toda a Associação de Diabéticos, 6,8% não é todos os dias que se alcança.
Eu sei, digna de poster, digna de paper em congressos sobre os benefícios da bomba de insulina.
Mas olhe para mim: engordei, já viu a minha pança e as minhas coxas, tenho aquele amarelo na cara, estarei possivelmente a criar infecções em vários sítios, eu nem quero ver a minha HbA1C, tenho demasiada vergonha.
Acredite em mim, isto descambou em Agosto e nunca mais foi ao sítio.
E a culpa é toda minha - isto é tudo da minha responsabilidade, nem é preciso mandar-me para o ensino com a enfermeira nem ir ter com a nutricionista para fazer um plano alimentar nem sequer fazer mais análises nem marcar consultas semanais.
Ambas sabemos, Dra Cristina, que eu não estou aqui nesta consulta a fazer nada.
Tenho mesmo é que me esforçar dia a dia, hora a hora, concentrar-me em fazer tudo direito, comer a horas, a quantidade de hidratos de carbono correcta, o bolus de insulina preciso, talvez nesta fase aumentar a insulina basal, fazer mais testes, gastar mais tempo com isto e ter paciência e preserverança.
Eu sei que consigo.
Também não é que tenha alternativa, não lhe parece?
Mas acabei por não lhe contar o que se passou para ter descompensado, não foi?
Também não sei se interessa muito, pronto, na verdade aconteceram algumas coisas mas não consigo falar nelas - eu ainda não falei muito sobre elas.
Não é preciso fazer esse ar, Dra Cristina, não tenha pena de mim. Se eu ando descompensada a culpa é minha - irrita-me isso nesta doença, sabe?
Queria muito não ter culpa...
Já sei: mande-me para o psicologo clínico Dra Cristina, a sério, eu quero ir.
Ou então passe-me aí um papel e eu envio a uma certa pessoa que não se apaixonou por mim como devia.
Não se ria, Dra, que o assunto é sério!
Acredita que ele em vez de me ajudar - a mim, pobre de mim, doente e desgraçada - foi-se embora sem dar notícias, sem querer saber se eu estou bem? Dá para acreditar?
Passe aí uma receita, que depois eu vou buscar a vinheta lá na recepção, escreva aí com letra legível se conseguir, escreva como eu sou uma alma perturbada, desamparada e carente, escreva aí como o facto de ele não gostar de mim fez disparar a minha hemoglobina glicosada. Já agora declare que, para os devidos efeitos, eu sou uma mulher (é que não sei se ele sabe), que sou uma mulher para a vida, e que apesar de tudo eu nem dou assim muito trabalho, que eu sei tomar conta de mim e que eu vou conseguir compensar, atingir novamente uma HbA1C maravilhosa - vamos apontar para 0s 7,5%, sim, Dra Cristina? - e pronto. Que eu me lembre, é só isso que preciso da farmácia.
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