As cadeiras onde trabalho têm rodinhas.
Gosto disso, utilizo muito essa função.
Também me recosto, estico o pescoço para trás e espreguiço-me nelas.
É muito agradável.
Ao início da tarde, é sempre difícil ganhar algum ânimo para trabalhar.
Como detesto toda a gente, incluindo eu, só me apetece vir para casa a ver televisão.
Isso mesmo: vir para casa ver televisão.
Quarta feira de cinzas e o início do tempo favorável à conversão.
Jesus foi impelido pelo Espírito a ir para o deserto e por lá ficou 40 dias e 40 noites, antes de iniciar os seus comícios, a sua vida pública, digamos assim.
Quarta feira de cinzas e quando dermos esmola, não saiba a mão esquerda o que faz a nossa direita.
E, ao jejuarmos, cobramo-nos de perfume para não sermos confundidos como os hipócritas legalistas, sepulcros caiados, porque o sabádo foi feito para o homem e não o homem para o sábado.
Quarta feira de cinzas e em frente da minha secretária está uma grande janela panorâmica onde vejo árvores.
De cadeira de rodinhas, a minha colega aproxima-se após mais um dos meus comentários cheios de raiva.
- É que, diz-me ela, quando eu te conto algum problema tu dizes sempre alguma coisa que me ajuda e parece-nos a nós que não podemos fazer nada para te ajudar.
(Falam de mim entre elas, claro que falam, pensam em como ando menos bem disposta, gostam de mim, sentem que é difícil apoiar-me, é só porque gostam de mim, isso enternece-me)
Quarta feira de cinzas e eu e ela temos lágrimas prestes a sair e a fazer daqueles minutos um momento constrangedor e demasiado profundo e íntimo para aquele espaço de trabalho cheio de sol e do ar da tarde.
- Vocês não podem fazer nada, desculpa, têm acontecido coisas e eu só queria dois meses sem uma má notícia.
Contive o choro, ela saiu de rodinhas de volta à sua secretária.
Que coisa horrível que eu disse, que arrogância, que crueldade para quem gosta de mim, eu não posso pegar nesta tonelada de coisa triste e raivosa que tenho sentido em mim e mandar para cima dos outros e nem sequer devo pegar nesse peso e coloca-lo ao alto, para que todos vejam o que carrego.
Olhei para a janela, perfumei-me, nos dias a seguir a esta conversa fui novamente trabalhar bem disposta, e assim tudo correu pelo melhor.
Quarta feira de cinzas e irmãos convertei o vosso coração à boa nova: mudai de vida, sabei que Deus vos ama.
sábado, 28 de fevereiro de 2009
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
Se eu me chamasse Sónia, a minha vida soaria diferente
Numa janelinha à direita do altar, do lado de fora da capelinha, há uma parede que dá para escorregar.
Subimos, agarramo-nos às grades da janelinha e depois escorregamos.
Aí nos encontrávamos, 4 adultos e duas crianças, a ver o final do dia e a brincar.
Já era quase de noite quando surge um rapaz, cerca dos seus 30 e tal anos, e olha para nós e aponta.
Eu digo para pararem de escorregar porque me pareceu que ele vinha para ralhar, pois tinha um ar sério.
Quando olho melhor, é um velho conhecido, que em tempos, há uns bons 7 ou 8 anos, achou que eu era um bom partido.
Esse convencimento valeu-lhe uma mensagem cruel dos meus amigos, enviada do meu telemovel, que dizia "fuck off, ninguém quer casar contigo".
Assim que o vi, pensei na mensagem, que coisa mais cruel, dizer isso uma pessoa.
Até pode enguiçar, pode virar-se o feitiço contra o feiticeiro e vai-se a ver, passados estes anos está ele "casado" e nós, cumplíces dessa mensagem, todos sozinhos.
Bom, ele veio ter comigo, começou a conversar, disse-me que agora estava a tirar um curso de piloto de aviões, que tinha que estudar muito, que tinha passado o dia na Biblioteca.
Fiquei genuinamente contente, olha que boa notícia, parece-me um bom investimento, piloto de aviões é coisa de filme.
Depois começou a escurecer mas ele é daquelas pessoas que quando começa a falar, digamos que não se cala facilmente.
Pousou a mala do portatil e e eu não sei bem o que me passou pela cabeça para lhe perguntar se ainda punha musica.
Que não, que agora que os anos 80 se tinham tornado moda, ele agora já não ouvia isso e estava numa onda mais alternativa.
Que agora só ouve a Radar.
Aqui eu disse que podia arranjar mais alternativo que isso.
Ele explicou-me que em Londres, onde ele vai regularmente, o que passa na Radar é mainstream, portanto o que é alternativo para nós, para eles é mainstream e ouve-se a passar em lojas de musica.
Eu disse que se calhar era ao contrário: se calhar o que nós consideramos mainstream cá, lá é alternativo, como o André Sardet, por exemplo.
Achei que tinha feito uma boa piada mas ele não se riu.
Entretanto, a minha sobrinha de ano e meio vinha a correr e agarrava-se à minha perna e ele olhou para ela mas nem se riu.
Achei isso incrível, não é que tivesse que fazer gugudádá mas podia ao menos sorrir.
Qual quê, continuou a falar-me da merda dos Editors e do som de Glasgow.
E eu dizia que pois, que não conhecia isso mas que se calhar era giro.
A noite tinha caído e aproximava-se a hora do jogo e eu, por essa altura, ainda achava que o Benfica podia ganhar.
A minha família, cansada de brincar à apanhada e ao escorrega, tinha ido embora e eu continuava sem entender porquê ele queria continuar a conversar comigo.
Aliás, eu estava de braço ao peito e ele nem notou, na verdade ele não queria que eu falasse muito, ele queria falar só ele e que eu apenas lhe desse deixas para ele continuar.
Bom, mas o pior ainda estava para vir.
Sabendo eu que ele é do Sporting, disse-lhe que ele devia ir era ver o jogo, para espairecer as ideias.
Ao que ele respondeu:
- Pois, tu és do Porto, não é?
Eu acho que nem respondi.
Pensei como é que era possível eu lembrar-me que ele era do Sporting e ele nem saber que eu era do Benfica e mesmo assim fez-me estar ali ao frio, de braço ao peito, sem poder brincar, a ouvi-lo discorrer sobre o mainstream, a Radar e os CDs em Londres, coisas que a mim me interessam muito menos que um escorrega improvisado numa capelinha ao pé do mar.
E eu começo a não entender porque teimo eu em perder o meu tempo de vida com este tipo de situações, a culpa é minha, que ainda faço conversa, e que ainda não percebi que eu posso fazer o que me apetece e que isso não fará de mim uma pessoa pior.
Foi por isso que apontei para o caminho e disse:
- Tenho que ir embora já.
Subimos, agarramo-nos às grades da janelinha e depois escorregamos.
Aí nos encontrávamos, 4 adultos e duas crianças, a ver o final do dia e a brincar.
Já era quase de noite quando surge um rapaz, cerca dos seus 30 e tal anos, e olha para nós e aponta.
Eu digo para pararem de escorregar porque me pareceu que ele vinha para ralhar, pois tinha um ar sério.
Quando olho melhor, é um velho conhecido, que em tempos, há uns bons 7 ou 8 anos, achou que eu era um bom partido.
Esse convencimento valeu-lhe uma mensagem cruel dos meus amigos, enviada do meu telemovel, que dizia "fuck off, ninguém quer casar contigo".
Assim que o vi, pensei na mensagem, que coisa mais cruel, dizer isso uma pessoa.
Até pode enguiçar, pode virar-se o feitiço contra o feiticeiro e vai-se a ver, passados estes anos está ele "casado" e nós, cumplíces dessa mensagem, todos sozinhos.
Bom, ele veio ter comigo, começou a conversar, disse-me que agora estava a tirar um curso de piloto de aviões, que tinha que estudar muito, que tinha passado o dia na Biblioteca.
Fiquei genuinamente contente, olha que boa notícia, parece-me um bom investimento, piloto de aviões é coisa de filme.
Depois começou a escurecer mas ele é daquelas pessoas que quando começa a falar, digamos que não se cala facilmente.
Pousou a mala do portatil e e eu não sei bem o que me passou pela cabeça para lhe perguntar se ainda punha musica.
Que não, que agora que os anos 80 se tinham tornado moda, ele agora já não ouvia isso e estava numa onda mais alternativa.
Que agora só ouve a Radar.
Aqui eu disse que podia arranjar mais alternativo que isso.
Ele explicou-me que em Londres, onde ele vai regularmente, o que passa na Radar é mainstream, portanto o que é alternativo para nós, para eles é mainstream e ouve-se a passar em lojas de musica.
Eu disse que se calhar era ao contrário: se calhar o que nós consideramos mainstream cá, lá é alternativo, como o André Sardet, por exemplo.
Achei que tinha feito uma boa piada mas ele não se riu.
Entretanto, a minha sobrinha de ano e meio vinha a correr e agarrava-se à minha perna e ele olhou para ela mas nem se riu.
Achei isso incrível, não é que tivesse que fazer gugudádá mas podia ao menos sorrir.
Qual quê, continuou a falar-me da merda dos Editors e do som de Glasgow.
E eu dizia que pois, que não conhecia isso mas que se calhar era giro.
A noite tinha caído e aproximava-se a hora do jogo e eu, por essa altura, ainda achava que o Benfica podia ganhar.
A minha família, cansada de brincar à apanhada e ao escorrega, tinha ido embora e eu continuava sem entender porquê ele queria continuar a conversar comigo.
Aliás, eu estava de braço ao peito e ele nem notou, na verdade ele não queria que eu falasse muito, ele queria falar só ele e que eu apenas lhe desse deixas para ele continuar.
Bom, mas o pior ainda estava para vir.
Sabendo eu que ele é do Sporting, disse-lhe que ele devia ir era ver o jogo, para espairecer as ideias.
Ao que ele respondeu:
- Pois, tu és do Porto, não é?
Eu acho que nem respondi.
Pensei como é que era possível eu lembrar-me que ele era do Sporting e ele nem saber que eu era do Benfica e mesmo assim fez-me estar ali ao frio, de braço ao peito, sem poder brincar, a ouvi-lo discorrer sobre o mainstream, a Radar e os CDs em Londres, coisas que a mim me interessam muito menos que um escorrega improvisado numa capelinha ao pé do mar.
E eu começo a não entender porque teimo eu em perder o meu tempo de vida com este tipo de situações, a culpa é minha, que ainda faço conversa, e que ainda não percebi que eu posso fazer o que me apetece e que isso não fará de mim uma pessoa pior.
Foi por isso que apontei para o caminho e disse:
- Tenho que ir embora já.
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Um post sobre as ondas porque importante é o tempo que se perde com a rosa
Sou melosa como a acácia infestante que foi cortada com a serra eléctrica no sábado passado, perante os meus olhos em paz.
E lembro-me de uma coisa boa que acontecia quando havia alguém na minha vida.
Era aquela parte do final do dia, possivelmente antes do jantar,era melhor quando não chovia, quando estava sol.
Então eu contava tudo o que se tinha passado nessa jornada, como se nas 8 horas que antecederam esse encontro tenha acontecido tudo o que pode acontecer numa vida sem sobressaltos.
Mas à hora do lanche não, porque ao lanche ainda dá para discutir.
Ao lanche, ainda estão a acontecer coisas da vida.
Tem que ser assim antes mesmo do jantar, porque não é a conversa do jantar, que já é conversa introdutória do descanso do serão. Não, é um pouco diferente.
Agora que tento descrevê-la, parece-me que ela nem existe.
Se calhar é isso: essa hora não existe.
É que é uma conversa que quero ter de rotina, assim só mesmo a falar do "escritório", num registo analítico e de humor, num registo inteligente mas leve, sem ser leviano.
São umas narrativazinhas, umas historietas que eu vou guardando durante o dia mas que não quero levá-las para a cama, nem quero jantar com elas.
Eu tenho uma ideia que essa hora existe, que tais encontros são possíveis.
Porque durante a minha jornada, eu guardo uma média de 10 a 15 segredos e há coisas que só se contam aos amantes.
E lembro-me de uma coisa boa que acontecia quando havia alguém na minha vida.
Era aquela parte do final do dia, possivelmente antes do jantar,era melhor quando não chovia, quando estava sol.
Então eu contava tudo o que se tinha passado nessa jornada, como se nas 8 horas que antecederam esse encontro tenha acontecido tudo o que pode acontecer numa vida sem sobressaltos.
Mas à hora do lanche não, porque ao lanche ainda dá para discutir.
Ao lanche, ainda estão a acontecer coisas da vida.
Tem que ser assim antes mesmo do jantar, porque não é a conversa do jantar, que já é conversa introdutória do descanso do serão. Não, é um pouco diferente.
Agora que tento descrevê-la, parece-me que ela nem existe.
Se calhar é isso: essa hora não existe.
É que é uma conversa que quero ter de rotina, assim só mesmo a falar do "escritório", num registo analítico e de humor, num registo inteligente mas leve, sem ser leviano.
São umas narrativazinhas, umas historietas que eu vou guardando durante o dia mas que não quero levá-las para a cama, nem quero jantar com elas.
Eu tenho uma ideia que essa hora existe, que tais encontros são possíveis.
Porque durante a minha jornada, eu guardo uma média de 10 a 15 segredos e há coisas que só se contam aos amantes.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Vou amar-te para sempre, Nick Drake
Sou mimada.
Sou mimosa.
Sou adocicada como uma acácia infestante.
Deve ser por isso que fiquei triste quando as minhas colegas de trabalho, uma após outra, foram saindo sem me desejarem que tudo corresse bem amanhã.
Tinha-lhes explicado que ia fazer uma infiltração e, porque sou mimada e carente, achei que elas iam dizer ao sair:
Então bom fim de semana e espero que corra tudo bem amanhã.
Mas nenhuma delas o fez.
Quando a ultima a sair fechou a porta, eu ainda pensei em ir atrás dela e dizer:
Olha, eu gostava que me dissesses que amanhã vai correr tudo bem.
Mas não fui.
Fiquei antes a pensar como eu era uma criança tonta e que não tinha razão nenhuma para ficar triste com este tipo de coisas.
No final do dia, sairam os últimos leitores.
Disse-lhes, de propósito:
Então bom fim de semana.
Começaram a brincar e depois perguntaram-me se eu não vinha amanhã.
Vou fazer uma infiltração de cortisona.
(Confesso que senti a minha voz a tremer. Estava nervosa por saber que estava a fazer um teste, um experiência infantil sobre parvoíces, sobre mim, as pessoas e as doenças)
Um deles perguntou onde, o outro porquê.
Aqui na região lombar à direita, porque tenho uma doença reumática auto-imune.
Foi então que um disse, com certeza porque não percebeu o que queria dizer auto-imune (apesar de conseguir citar o Habermas e esses merdas, não percebe o que quer dizer auto-imune):
E então devemos começar a trazer uma máscara para aqui?
Eu não percebi à primeira, tive que perguntar:
Trazer o quê?
Uma máscara, trazer uma máscara para aqui.
Ri-me.
Quer dizer, não foi bem rir, foi mais um sorriso daqueles que os sábios fazem quando estão cansados de tanta estupidez confundida com ingenuidade e disse:
Não, basta que sejam mais simpáticos para mim.
Sou mimosa.
Sou adocicada como uma acácia infestante.
Deve ser por isso que fiquei triste quando as minhas colegas de trabalho, uma após outra, foram saindo sem me desejarem que tudo corresse bem amanhã.
Tinha-lhes explicado que ia fazer uma infiltração e, porque sou mimada e carente, achei que elas iam dizer ao sair:
Então bom fim de semana e espero que corra tudo bem amanhã.
Mas nenhuma delas o fez.
Quando a ultima a sair fechou a porta, eu ainda pensei em ir atrás dela e dizer:
Olha, eu gostava que me dissesses que amanhã vai correr tudo bem.
Mas não fui.
Fiquei antes a pensar como eu era uma criança tonta e que não tinha razão nenhuma para ficar triste com este tipo de coisas.
No final do dia, sairam os últimos leitores.
Disse-lhes, de propósito:
Então bom fim de semana.
Começaram a brincar e depois perguntaram-me se eu não vinha amanhã.
Vou fazer uma infiltração de cortisona.
(Confesso que senti a minha voz a tremer. Estava nervosa por saber que estava a fazer um teste, um experiência infantil sobre parvoíces, sobre mim, as pessoas e as doenças)
Um deles perguntou onde, o outro porquê.
Aqui na região lombar à direita, porque tenho uma doença reumática auto-imune.
Foi então que um disse, com certeza porque não percebeu o que queria dizer auto-imune (apesar de conseguir citar o Habermas e esses merdas, não percebe o que quer dizer auto-imune):
E então devemos começar a trazer uma máscara para aqui?
Eu não percebi à primeira, tive que perguntar:
Trazer o quê?
Uma máscara, trazer uma máscara para aqui.
Ri-me.
Quer dizer, não foi bem rir, foi mais um sorriso daqueles que os sábios fazem quando estão cansados de tanta estupidez confundida com ingenuidade e disse:
Não, basta que sejam mais simpáticos para mim.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Baixa fraudulenta
1. Antes de adormecer e a caminho do trabalho
Lembro-me mais de pormenores da doença e morte do que como era divertido estar ao pé dela. Lembro-me de detalhes do corpo quando sofria, a respiração antes de morrer, tudo coisas que me vêm à cabeça e depois fico com vontade de vomitar, digo: pára, não penses nisso, pára.
Depois penso como era divertido estar com ela, ver televisão, observar as maluqueiras dela e da amiga, plantar coisas, construir coisas, costurar.
Fico mais calma mas triste.
2. Podia aproveitar a sabedoria do que vejo e do que sei para começar a viver
Quando a minha médica ficou triste e respirou fundo antes de me falar, eu percebi que ia tudo começar novamente.
Desta vez, para além de uma análise, o diagnóstico foi feito quando ela me pediu as mãos, pegou nelas e começou a falar sozinha, como se eu não estivesse ali, pois está, estás a começar a ficar com (não me apetece verbalizar...).
Tratou-me como uma veterana das doenças crónicas invisíveis.
3. Tenho problemas
3.1. tenho doenças invisíveis
O meu aspecto é bom, é o aspecto de uma jovem rapariga saudavel a caminho dos 30.
Mesmo agora que uso um aparelho ligado a mim por um tubo, este anda tão escondido que nem se dá conta dele.
E mesmo que o vejam, eu falo dele com tal leveza e segurança que se torna tudo mais fácil.
Pois começo a achar que eu devia falar disto a chorar, falar disto sem sorrir, sem tranquilizar.
Só faço isso aos da minha intimidade mas isso leva-me à questão 3.2.
3.2. Sou um caso sério
Quem gosta de mim sofre por mim.
E isso ajuda-me a viver, na verdade eu ando bem disposta a maior parte dos meus dias.
E não é forçado, eu sou uma pessoa bem disposta, nem quando se usava andar triste (algures pelo secundário) eu conseguia.
O problema é este:
Quem se aproxima e eu deixo que se aproxime, começa a falar com uma pessoa bem disposta e acaba a falar com um caso sério da vida.
A minha sorte (ou azar) é que isto é muito raro acontecer.
4. Para mim estar ou não estar, fazer ou não fazer, tanto me faz
Trabalho em piloto automático, penso nas horas que faltam até sair, nunca tinha sentido isto tão intensamente, é uma sensação verdadeiramente nova para mim.
E, na minha cabeça, eu meti baixa e só lá vai o meu corpo.
Lembro-me mais de pormenores da doença e morte do que como era divertido estar ao pé dela. Lembro-me de detalhes do corpo quando sofria, a respiração antes de morrer, tudo coisas que me vêm à cabeça e depois fico com vontade de vomitar, digo: pára, não penses nisso, pára.
Depois penso como era divertido estar com ela, ver televisão, observar as maluqueiras dela e da amiga, plantar coisas, construir coisas, costurar.
Fico mais calma mas triste.
2. Podia aproveitar a sabedoria do que vejo e do que sei para começar a viver
Quando a minha médica ficou triste e respirou fundo antes de me falar, eu percebi que ia tudo começar novamente.
Desta vez, para além de uma análise, o diagnóstico foi feito quando ela me pediu as mãos, pegou nelas e começou a falar sozinha, como se eu não estivesse ali, pois está, estás a começar a ficar com (não me apetece verbalizar...).
Tratou-me como uma veterana das doenças crónicas invisíveis.
3. Tenho problemas
3.1. tenho doenças invisíveis
O meu aspecto é bom, é o aspecto de uma jovem rapariga saudavel a caminho dos 30.
Mesmo agora que uso um aparelho ligado a mim por um tubo, este anda tão escondido que nem se dá conta dele.
E mesmo que o vejam, eu falo dele com tal leveza e segurança que se torna tudo mais fácil.
Pois começo a achar que eu devia falar disto a chorar, falar disto sem sorrir, sem tranquilizar.
Só faço isso aos da minha intimidade mas isso leva-me à questão 3.2.
3.2. Sou um caso sério
Quem gosta de mim sofre por mim.
E isso ajuda-me a viver, na verdade eu ando bem disposta a maior parte dos meus dias.
E não é forçado, eu sou uma pessoa bem disposta, nem quando se usava andar triste (algures pelo secundário) eu conseguia.
O problema é este:
Quem se aproxima e eu deixo que se aproxime, começa a falar com uma pessoa bem disposta e acaba a falar com um caso sério da vida.
A minha sorte (ou azar) é que isto é muito raro acontecer.
4. Para mim estar ou não estar, fazer ou não fazer, tanto me faz
Trabalho em piloto automático, penso nas horas que faltam até sair, nunca tinha sentido isto tão intensamente, é uma sensação verdadeiramente nova para mim.
E, na minha cabeça, eu meti baixa e só lá vai o meu corpo.
domingo, 8 de fevereiro de 2009
Diz-me o meu pai: tu vais direitinha ao céu
Não sei bem nem o que fazer, nem o que pensar, nem o que concluir dos últimos acontecimentos.
Para já, e porque me parecia o melhor a fazer (não tenho muito boas ideias aos domingos), despachei o que tinha a fazer e vesti o casaco como se fosse fugir de casa - o plano era andar a pé o tempo que fosse preciso para expulsar este demónio em mim, o demónio do desespero apático.
Assim fiz, andar a pé é uma coisa que gosto mesmo a sério.
E quando digo às pessoas que gosto de andar a pé, quase que me apetece auto mutilar-me para mostrar a importância que isso tem na minha vida, gosto tanto de andar a pé que até me cortei com esta lâmina para chamar a tua atenção, interlocutor-que-só-acenaste-desinteressadamente-quando-eu-disse-que-gostava-de-andar-a-pé.
Nem tinha chegado ao fundo da rua quando percebi que não iria chegar a conclusão nenhuma - sim, eu ainda tinha a ilusão de poder entender alguma coisa da vida andando a pé 300 metros.
Depois, vou dar à Igreja de São Domingos.
Quero acender uma vela.
Torna-se vital que eu acenda uma vela a algum dos santos.
Percorro toda à volta da igreja: São Domingos, não me parece, tenho alguns problemas com os dominicanos, Nossa Senhora do Rosário é fraquita, preciso de alguém mais especial, Senhora do Carmo idem, Santo António nem vale a pena explicar, São Francisco... Francisco de Assis, Clara de Assis, gosto de ambos mas estou em paz com o que ensinam, é outra coisa...
Começo a ficar comovida - duas jovens sofisticadas olham para mim devem estar a fazer turismo antropológico - presto-me ao papel de devota, na realidade sou mesmo uma devota.
Chego a Senhora de Fátima.
É a campeã das velas.
Tem velas de lâmpada e velas de cera.
Parece-me bem.
Acendo algumas com 20 cêntimos.
Peço só assim: ajuda-me, por favor.
Para já, e porque me parecia o melhor a fazer (não tenho muito boas ideias aos domingos), despachei o que tinha a fazer e vesti o casaco como se fosse fugir de casa - o plano era andar a pé o tempo que fosse preciso para expulsar este demónio em mim, o demónio do desespero apático.
Assim fiz, andar a pé é uma coisa que gosto mesmo a sério.
E quando digo às pessoas que gosto de andar a pé, quase que me apetece auto mutilar-me para mostrar a importância que isso tem na minha vida, gosto tanto de andar a pé que até me cortei com esta lâmina para chamar a tua atenção, interlocutor-que-só-acenaste-desinteressadamente-quando-eu-disse-que-gostava-de-andar-a-pé.
Nem tinha chegado ao fundo da rua quando percebi que não iria chegar a conclusão nenhuma - sim, eu ainda tinha a ilusão de poder entender alguma coisa da vida andando a pé 300 metros.
Depois, vou dar à Igreja de São Domingos.
Quero acender uma vela.
Torna-se vital que eu acenda uma vela a algum dos santos.
Percorro toda à volta da igreja: São Domingos, não me parece, tenho alguns problemas com os dominicanos, Nossa Senhora do Rosário é fraquita, preciso de alguém mais especial, Senhora do Carmo idem, Santo António nem vale a pena explicar, São Francisco... Francisco de Assis, Clara de Assis, gosto de ambos mas estou em paz com o que ensinam, é outra coisa...
Começo a ficar comovida - duas jovens sofisticadas olham para mim devem estar a fazer turismo antropológico - presto-me ao papel de devota, na realidade sou mesmo uma devota.
Chego a Senhora de Fátima.
É a campeã das velas.
Tem velas de lâmpada e velas de cera.
Parece-me bem.
Acendo algumas com 20 cêntimos.
Peço só assim: ajuda-me, por favor.
domingo, 1 de fevereiro de 2009
Por mais que eu não goste de ratazanas, não quero assistir à sua morte
Ontem eu fui ajudar a descascar as batatas e a fruta e disseram-me que eram cerca de 200 pessoas para almoçar.
Às 7h da manhã estava combinado ir pôr as mesas.
Havia gente suficiente, não era preciso eu ir tão cedo.
Vou para lá por volta das 10h, pensei, depois ajudo na lavagem das loiças, que é uma coisa que tem sempre menos gente.
Só que pelas 9h da manhã ligaram-me.
Tinha havido um desabamento de terra.
Sem feridos mas com 7 carros atolados.
Corri aflita para lá.
Comi antes, como sempre faço antes de me dirigir para um acontecimento dramático.
Como sempre, de maneira a não ter nenhuma hipoglicémia.
Ainda fui rapidamente ao quintal, ver se havia estragos de maior.
Contei as árvores, estavam todas.
Só a Acácia e um bocado do telhado de um alpendre das galinhas tinham ido com o vento.
Páro na igreja e aviso pessoas à entrada da missa, tal como me pediram para fazer.
Houve um desabamento, o almoço está cancelado.
As pessoas nem ligam, nem perguntam se está tudo bem, por isso eu tenho que acrescentar: ninguém se aleijou, mas estão 7 carros soterrados.
Chego ao local.
Abraços, choros, contam-me que tiveram que fugir, que por sorte um deles tinha desmontado uma fechadura uns minutos antes de tudo acontecer, o que permitiu uma fuga mais rápida.
Cada um reage de modo diferente.
Não há histerismo.
Todos concordam que podia ser pior.
Fico umas horas por lá, cada um assume o seu lugar.
Quem chama os peritos, quem insulta o dono do aterro que causou o problema, quem vem para fazer a piada, quem pergunta pela sua fritadeira, quem pensa na carne, quem agradece a Deus, quem fica calado e nervoso, quem fica calado mas sem estar nervoso, quem tira fotografias, todos à chuva, todos com qualquer coisa para sentir em relação ao que se passava, todos a observar os bombeiros, a protecção civil, a polícia, os dirigentes autárquicos, o monte de terra que ainda estava por cair.
Dos comensais, havia muita gente preocupada porque agora não sabia o que havia de fazer para o almoço.
A essa gente assim, lamento, mas não os posso ajudar.
Na minha sexta feira, o tema do dia foram os problemas mentais e as depressões.
Pronto: agora não resisto a tratar o desabamento como uma imagem acerca da vida.
A vida desaba-nos em circunstâncias imprevisíveis e cada um foge como pode.
Eu não quero estar preocupada nem com a fritadeira que ficou lá para dentro nem com a carne que se estraga nem com o carro que se estragou.
Eu quero fugir pela porta que por acaso ficou aberta e não pensar mais no assunto.
Eu sabia que esta comparação ia sair forçada e pouco profunda e nem sequer tem graça mas na verdade fiquei um pouco impressionada com a situação.
Desde cedo, o meu pai mostrava-me ratazanas mortas e gatos a caçar e destroçar pombas lindas para que eu percebesse que o mundo contem a crueldade, que a morte e o sofrimento fazem parte da vida.
Acho que não funcionou muito bem.
Às 7h da manhã estava combinado ir pôr as mesas.
Havia gente suficiente, não era preciso eu ir tão cedo.
Vou para lá por volta das 10h, pensei, depois ajudo na lavagem das loiças, que é uma coisa que tem sempre menos gente.
Só que pelas 9h da manhã ligaram-me.
Tinha havido um desabamento de terra.
Sem feridos mas com 7 carros atolados.
Corri aflita para lá.
Comi antes, como sempre faço antes de me dirigir para um acontecimento dramático.
Como sempre, de maneira a não ter nenhuma hipoglicémia.
Ainda fui rapidamente ao quintal, ver se havia estragos de maior.
Contei as árvores, estavam todas.
Só a Acácia e um bocado do telhado de um alpendre das galinhas tinham ido com o vento.
Páro na igreja e aviso pessoas à entrada da missa, tal como me pediram para fazer.
Houve um desabamento, o almoço está cancelado.
As pessoas nem ligam, nem perguntam se está tudo bem, por isso eu tenho que acrescentar: ninguém se aleijou, mas estão 7 carros soterrados.
Chego ao local.
Abraços, choros, contam-me que tiveram que fugir, que por sorte um deles tinha desmontado uma fechadura uns minutos antes de tudo acontecer, o que permitiu uma fuga mais rápida.
Cada um reage de modo diferente.
Não há histerismo.
Todos concordam que podia ser pior.
Fico umas horas por lá, cada um assume o seu lugar.
Quem chama os peritos, quem insulta o dono do aterro que causou o problema, quem vem para fazer a piada, quem pergunta pela sua fritadeira, quem pensa na carne, quem agradece a Deus, quem fica calado e nervoso, quem fica calado mas sem estar nervoso, quem tira fotografias, todos à chuva, todos com qualquer coisa para sentir em relação ao que se passava, todos a observar os bombeiros, a protecção civil, a polícia, os dirigentes autárquicos, o monte de terra que ainda estava por cair.
Dos comensais, havia muita gente preocupada porque agora não sabia o que havia de fazer para o almoço.
A essa gente assim, lamento, mas não os posso ajudar.
Na minha sexta feira, o tema do dia foram os problemas mentais e as depressões.
Pronto: agora não resisto a tratar o desabamento como uma imagem acerca da vida.
A vida desaba-nos em circunstâncias imprevisíveis e cada um foge como pode.
Eu não quero estar preocupada nem com a fritadeira que ficou lá para dentro nem com a carne que se estraga nem com o carro que se estragou.
Eu quero fugir pela porta que por acaso ficou aberta e não pensar mais no assunto.
Eu sabia que esta comparação ia sair forçada e pouco profunda e nem sequer tem graça mas na verdade fiquei um pouco impressionada com a situação.
Desde cedo, o meu pai mostrava-me ratazanas mortas e gatos a caçar e destroçar pombas lindas para que eu percebesse que o mundo contem a crueldade, que a morte e o sofrimento fazem parte da vida.
Acho que não funcionou muito bem.
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