domingo, 1 de fevereiro de 2009

Por mais que eu não goste de ratazanas, não quero assistir à sua morte

Ontem eu fui ajudar a descascar as batatas e a fruta e disseram-me que eram cerca de 200 pessoas para almoçar.
Às 7h da manhã estava combinado ir pôr as mesas.
Havia gente suficiente, não era preciso eu ir tão cedo.

Vou para lá por volta das 10h, pensei, depois ajudo na lavagem das loiças, que é uma coisa que tem sempre menos gente.

Só que pelas 9h da manhã ligaram-me.
Tinha havido um desabamento de terra.
Sem feridos mas com 7 carros atolados.

Corri aflita para lá.
Comi antes, como sempre faço antes de me dirigir para um acontecimento dramático.
Como sempre, de maneira a não ter nenhuma hipoglicémia.
Ainda fui rapidamente ao quintal, ver se havia estragos de maior.
Contei as árvores, estavam todas.
Só a Acácia e um bocado do telhado de um alpendre das galinhas tinham ido com o vento.

Páro na igreja e aviso pessoas à entrada da missa, tal como me pediram para fazer.
Houve um desabamento, o almoço está cancelado.
As pessoas nem ligam, nem perguntam se está tudo bem, por isso eu tenho que acrescentar: ninguém se aleijou, mas estão 7 carros soterrados.

Chego ao local.
Abraços, choros, contam-me que tiveram que fugir, que por sorte um deles tinha desmontado uma fechadura uns minutos antes de tudo acontecer, o que permitiu uma fuga mais rápida.


Cada um reage de modo diferente.
Não há histerismo.
Todos concordam que podia ser pior.

Fico umas horas por lá, cada um assume o seu lugar.
Quem chama os peritos, quem insulta o dono do aterro que causou o problema, quem vem para fazer a piada, quem pergunta pela sua fritadeira, quem pensa na carne, quem agradece a Deus, quem fica calado e nervoso, quem fica calado mas sem estar nervoso, quem tira fotografias, todos à chuva, todos com qualquer coisa para sentir em relação ao que se passava, todos a observar os bombeiros, a protecção civil, a polícia, os dirigentes autárquicos, o monte de terra que ainda estava por cair.


Dos comensais, havia muita gente preocupada porque agora não sabia o que havia de fazer para o almoço.

A essa gente assim, lamento, mas não os posso ajudar.



Na minha sexta feira, o tema do dia foram os problemas mentais e as depressões.


Pronto: agora não resisto a tratar o desabamento como uma imagem acerca da vida.

A vida desaba-nos em circunstâncias imprevisíveis e cada um foge como pode.
Eu não quero estar preocupada nem com a fritadeira que ficou lá para dentro nem com a carne que se estraga nem com o carro que se estragou.
Eu quero fugir pela porta que por acaso ficou aberta e não pensar mais no assunto.

Eu sabia que esta comparação ia sair forçada e pouco profunda e nem sequer tem graça mas na verdade fiquei um pouco impressionada com a situação.


Desde cedo, o meu pai mostrava-me ratazanas mortas e gatos a caçar e destroçar pombas lindas para que eu percebesse que o mundo contem a crueldade, que a morte e o sofrimento fazem parte da vida.

Acho que não funcionou muito bem.



Sem comentários: