segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Se eu me chamasse Sónia, a minha vida soaria diferente

Numa janelinha à direita do altar, do lado de fora da capelinha, há uma parede que dá para escorregar.
Subimos, agarramo-nos às grades da janelinha e depois escorregamos.

Aí nos encontrávamos, 4 adultos e duas crianças, a ver o final do dia e a brincar.
Já era quase de noite quando surge um rapaz, cerca dos seus 30 e tal anos, e olha para nós e aponta.
Eu digo para pararem de escorregar porque me pareceu que ele vinha para ralhar, pois tinha um ar sério.

Quando olho melhor, é um velho conhecido, que em tempos, há uns bons 7 ou 8 anos, achou que eu era um bom partido.

Esse convencimento valeu-lhe uma mensagem cruel dos meus amigos, enviada do meu telemovel, que dizia "fuck off, ninguém quer casar contigo".

Assim que o vi, pensei na mensagem, que coisa mais cruel, dizer isso uma pessoa.
Até pode enguiçar, pode virar-se o feitiço contra o feiticeiro e vai-se a ver, passados estes anos está ele "casado" e nós, cumplíces dessa mensagem, todos sozinhos.

Bom, ele veio ter comigo, começou a conversar, disse-me que agora estava a tirar um curso de piloto de aviões, que tinha que estudar muito, que tinha passado o dia na Biblioteca.
Fiquei genuinamente contente, olha que boa notícia, parece-me um bom investimento, piloto de aviões é coisa de filme.

Depois começou a escurecer mas ele é daquelas pessoas que quando começa a falar, digamos que não se cala facilmente.

Pousou a mala do portatil e e eu não sei bem o que me passou pela cabeça para lhe perguntar se ainda punha musica.
Que não, que agora que os anos 80 se tinham tornado moda, ele agora já não ouvia isso e estava numa onda mais alternativa.
Que agora só ouve a Radar.

Aqui eu disse que podia arranjar mais alternativo que isso.

Ele explicou-me que em Londres, onde ele vai regularmente, o que passa na Radar é mainstream, portanto o que é alternativo para nós, para eles é mainstream e ouve-se a passar em lojas de musica.

Eu disse que se calhar era ao contrário: se calhar o que nós consideramos mainstream cá, lá é alternativo, como o André Sardet, por exemplo.
Achei que tinha feito uma boa piada mas ele não se riu.

Entretanto, a minha sobrinha de ano e meio vinha a correr e agarrava-se à minha perna e ele olhou para ela mas nem se riu.

Achei isso incrível, não é que tivesse que fazer gugudádá mas podia ao menos sorrir.

Qual quê, continuou a falar-me da merda dos Editors e do som de Glasgow.
E eu dizia que pois, que não conhecia isso mas que se calhar era giro.

A noite tinha caído e aproximava-se a hora do jogo e eu, por essa altura, ainda achava que o Benfica podia ganhar.
A minha família, cansada de brincar à apanhada e ao escorrega, tinha ido embora e eu continuava sem entender porquê ele queria continuar a conversar comigo.
Aliás, eu estava de braço ao peito e ele nem notou, na verdade ele não queria que eu falasse muito, ele queria falar só ele e que eu apenas lhe desse deixas para ele continuar.

Bom, mas o pior ainda estava para vir.

Sabendo eu que ele é do Sporting, disse-lhe que ele devia ir era ver o jogo, para espairecer as ideias.
Ao que ele respondeu:
- Pois, tu és do Porto, não é?

Eu acho que nem respondi.
Pensei como é que era possível eu lembrar-me que ele era do Sporting e ele nem saber que eu era do Benfica e mesmo assim fez-me estar ali ao frio, de braço ao peito, sem poder brincar, a ouvi-lo discorrer sobre o mainstream, a Radar e os CDs em Londres, coisas que a mim me interessam muito menos que um escorrega improvisado numa capelinha ao pé do mar.

E eu começo a não entender porque teimo eu em perder o meu tempo de vida com este tipo de situações, a culpa é minha, que ainda faço conversa, e que ainda não percebi que eu posso fazer o que me apetece e que isso não fará de mim uma pessoa pior.


Foi por isso que apontei para o caminho e disse:
- Tenho que ir embora já.

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