terça-feira, 16 de novembro de 2010

Rebound crush



Jorge Samuel.
6º ano.
Não fosse a minha eterna timidez, podia ter corrido tudo bem naquela visita de estudo ao Museu do Traje, em que fizemos um piqueninque mas havia raparigas que já a sabiam toda, e eu era mais inocente e demorada.
Ainda me lembro de saber as suas rotinas e o horário de cor, para lhe poder fazer esperas, passando por ele como se não quisesse saber.


Sérgio.
7º ano e um bocado do 8º.
Engendrei um esquema maravilhoso, que envolvia a queda de um lenço à porta da loja do pai dele, mas precisava de ajuda de duas amigas que me disseram que se calhar o melhor era eu ir falar com ele.
Claro que nunca falei com ele, e vim a saber mais tarde que ele também gostava de ter falado comigo.
Ainda me lembro de saber as suas rotinas e o horário de cor (não era fácil, por causa de estarmos em escolas diferentes), e de lhe fazer esperas. Passava por ele, de lenço azul no pescoço, como se não quisesse saber.


Márcio.
Sim, era eu que ligava para a tua casa.
Para alem disso, sabia as tuas rotinas de cor, fazia-te esperas, passava por ti nervosa e descontrolada. Tinhas-me na mão.  


P.
Há dois ou três anos atrás.
Evoluí para esquemas mais complexos que incluíam bilhetinhos deixados em bolsos de mochilas e tarte de maçã caseira.
Tudo culminou num "date" que afinal não o era, e, no final da noite, dei comigo a dar boleia a ele e à amante dele.
Sabia, como é óbvio, as suas rotinas e os seus horários de cor, para aparecer de repente, e desta vez não me importava que ele soubesse que não era por acaso.


2010.
A minha reumatologista confirmou-me o que eu já suspeitava - sou torta.
Floreada, tortuosa, trama, melindre, esquema, romance de cordel, raramente respostas directas e direitas.
Ela diz que isso faz parte de mim, que até tem muita graça, mas que tem consequências porque a minha estrutura e cartilagens já não estão no melhor estado.
Disse-me que não me ia infiltrar o joelho porque o que eu devia fazer era melhorar a minha atitude através da postura,  "pôr essas mamas para a frente, encolher a barriga e olhar em frente, amplamente".
Olhei para ela desesperada.
Ela não foi na minha conversa.

Dias mais tarde, embora não tenha feito esforço algum para melhorar a minha postura, um rebound crush nascia em mim.
Foi  removida a pedra do túmulo onde jazia o meu coração, que sai agora vitorioso em direcção a um provável desastre.
Graças a Deus, aleluia, aleluia!

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Branco Branco Branco - o que é que a vaca bebe?

Último dia de Verão e sujei a minha perna direita com toner preto.


E embora eu diga sempre "leite!", se eu pensar um bocadinho antes de falar, a vaca bebe água mas também bebeu leite.
Portanto, decidi que há assuntos sobre os quais não quero falar.

É tudo pouco claro, pouco recto, muito branco e pouco preto.

Às tantas, o motorista do autocarro estava a olhar para a minha perna cheia de tinta preta - eu só dei conta disso já na livraria, passei por lá porque às vezes vou à procura de livros como quem procura maridos, sem grande critério, fáceis, maleáveis, coloridos, cheirosos.

Lembrei-me do Barão Trepador, ando a olhar para a minha nogueira já há 3 fins de semana.
Aquela nogueira gigante, como um super-anjo, verde e intenso, ligeiramente monstruosa, as nozes agora cheiram a iodo, e, se bem me lembro, tronco a tronco eu consigo chegar a um espaço onde, bem encaixada, fico confortável a olhar cá para baixo.

A vaca bebe água e bebe leite, eu abri as mãos a percorrer a avenida da republica, por causa do sol nas minhas palmas - é o ultimo dia do Verão, devia fazer alguma coisa - por isso entrei numa loja chinesa e comprei umas peúgas pretas.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Do teu nome eu fiz um poema, a pensar em ti, em ti Madalena. Obrigada, José Malhoa

Fevereiro. Porto.

O conferencista do workshop sobre arte e fé falava como um sapo velho, rouco, empertigado, obcecado por arte, parecia-me que ele não estava para brincadeiras.
Da Sé levou-nos para a Igreja de Santa Clara.
Entramos e fomos-nos sentando aos poucos, enchendo o templo.
Quando estávamos quase todos sentados, pareceu-me, a mim de boca escancarada a olhar em volta, que se fez silêncio.
- Compreendem agora o conceito de arte total?, perguntou o sapo baixinho ao microfone, de olhos a brilhar, como se estivesse a dizer Vêem, vêem como tenho razão em ser obcecado pelo barroco, pela talha dourada? Vêem? Vejam com os vossos olhos, vejam como tenho razão até ao infinito para sempre.

- Compreendem agora o conceito de arte total?
Mais ou menos.


Meados de Agosto. No regresso a Lisboa.
Amar o que está próximo.
Depois vou entender que o que está longe - e me parece tão melhor - será próximo quando eu lá chegar.
Que este próximo já foi longe.
E agora é próximo e eu odeio-o.


14 de Agosto. Mesa do jantar.
- Não foste ter connosco à praia. Não foste à festa. Vou dizendo às pessoas que ainda perguntam por ti que estás noutra, que já não gostas deles.

Eu fiquei em pânico e confessei: Não lhes digas isso, isso não é verdade (quem me dera ter "outra" para estar, pensei eu). Sabes que tenho problemas na cabeça não é?

- Sim, eu sei.

Vesti-me e dancei no baile várias versões do Pai da Criança.


Sim, compreendo agora o conceito de arte total.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Elogio do homem casado porque o luar de Agosto dá pelo rosto mas o de Janeiro é mais companheiro

1.
Desço as escadas e peço, numa oração rápida, para Deus livrar o meu coração do ódio que nele cresce como uma massa bem fermentada a levedar ao calor.

Torna-se claro para mim que ter ódio no coração logo de manhã é como uma náusea, deve ser como alguns fumadores me dizem que não gostam de fumar em jejum ou de dizer asneiras logo de manhã, é como uma coisa que me conspurca, todo este ódio consubstanciado numa raiva que torna as minhas mãos tensas.

Mas nada que uma oração rápida não resolva.
Fecho os olhos, e penso nos meus pés na levada da azenha, água doce vinda do açude, cobras e toupeiras de água, e pronto, fico menos odiosa, talvez mais radiosa, certamente mais feliz.

2.
O meu primeiro sonho com um homem casado ocorreu há mais de um mês, quando sonhei que um amigo de infância - casado com outra amiga de infância - tentava abraçar-me no carro, daqueles abraços complicados e engenhosos no banco da frente, e ele às tantas levava as mãos à cabeça, como quem diz que faço eu a trair a minha esposa e eu acordei a pensar que os homens casados afinal são só rapazes da minha idade.

Depois, mais recentemente, um outro casado contava-me da sua vida - coisas da vida adulta de casal - e eu distraí-me a reparar que os seus olhos, à volta da pupila, tinham uma gradação de tons, tons terra, que lindos olhos, às tantas ele fez-me uma pergunta e eu disse: hã? desculpa distraí-me, dei uma risadinha e toquei-lhe ao de leve no braço e pensei pronto sou uma cabra, que se atira a homens casados, saí do pé dele assim que pude e empurrei mais umas quantas coisas para o meu inconsciente se entreter.

Um bebé bolsou para cima de mim, todos à minha volta são casados, mas houve alguém que disse que eu ficava bem com um bebé no colo, eu fiquei mal disposta, mal humorada, senti o ódio a crescer, expliquei que adorava ter filhos e que nem sequer abordava esse assunto em publico porque me custava, pensei vou mata-las a todas, essas todas que só sentem a solidão aguda, nunca é crónica como a minha.
Têm fases más, discursam dias a fio sobre elas, sofrem mas depois passa, mas depois vão para casa jantar com o marido e filhos.
Sou como uma cadela raivosa, a rosnar baixinho sem ninguém notar.
Sou uma doente crónica.
Como se a solidão se instalasse em mim como as minhas outras doenças crónicas, e tenho a ideia de que a dos outros passa mas esta fica. Crónica.
Bem sei, é uma ilusão, todos sofremos. 

3.
Uma carta do Chade endereçada aos meus pais.
Quis lê-la.
Perseguições, fome, miséria.
Calei-me.
Não digas mais nada.
Quando uma pessoa fica a saber coisas sobre a vida, já não olha da mesma forma para os cartazes do cinema no Corte Inglés.
Fica a lembrar-se da carta do Chade, tabuleiro com comida da Gonatural nas mãos, a pensar no sofrimento dos outros, na ternura dos outros, a caligrafia do comboniano do Chade, a mandar saudades, a dizer que é difícil mas que se habituou e que agora é feliz, e eu ali, de tabuleiro nas mãos, não há nenhum filme bom, o que havia os outros já viram, pensei que é como quando no concerto eu disse a quem estava ao meu lado: até amanhã, vou-me perder de vocês porque eu vou ficar a dançar sem querer saber de ninguém, amanhã falamos, eu vim sozinha, posso ir sozinha, fico bem sozinha a dançar.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Não era bem isto que queria escrever



Sussurrou-me ela:
- Senti uma dor muito forte quando ele estava em cima de mim, tentei aguentar até se despachar mas não deu, só me apetecia gritar, sabe?

- O que é que a vida não nos tira?
Disse eu, a abanar a cabeça.
Ela foi chamada e entrou para a consulta.
Eu fiquei a pensar que tudo o que tenho de bom pode morrer.

Ela tinha prazer e deixou de ter, tudo o que eu tenho pode ser-me retirado pela vida.
Pensei que o mais sensato é então gozar enquanto posso. Mas viver no presente nem sempre é a minha vocação.

Deve haver alguma coisa que a vida não pode tirar.
Dei-me ao trabalho de fazer uma lista mental de "coisas importantes" clássicas - andar a pé, a família, a amizade, a criatividade, a tv cabo, a música, o café, mas pode tudo acabar, pode tudo morrer.

Senti-me como se tivesse 8 anos e tivesse feito uma grande descoberta, como quando há 20 anos finalmente consegui deslocar a pedra que estava lá ao fundo do quintal e encontrei um ninho de cobras.

Tenho uma leve suspeita que poderei encontrar alguma resposta para esta questão na religião (ou a ver o Glee) mas foi num outro sítio que encontrei conforto.
Eu ia dormir com os pés sujos e com uma t shirt a cheirar mal porque na verdade eu estava muito deprimida e deixei-me fluir na imundície.
Mas decidi que não, pés sujos não, levantei-me, lavei os pés, mudei para outra camisa de noite, e olhei para minha cabeceira.
Lá estava a salvação !
O senhor Paulo Camilo morou nesta minha casa e deixou-me uma herança - recebo o catálogo da Dmail.
Sim, folheando o catálogo fiquei novamente com vontade de viver.
Sonhei que em vez do ninho de cobras, eu encontrava debaixo daquela pedra uma criatura sardenta a nascer no meu jardim.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

My hips don't lie: quem tem filhos, tem cadilhos - quem não os tem, cadilhos tem

Dizia ela, ligeiramente aflita, que tinha medo que depois de tantos anos a dizer que não queria filhos, agora que tinha outra opinião, tinha medo de não os ter.
Acrescentou que já tinha pedido a um amigo de confiança para ele lhe fazer um filho, caso fosse preciso.
Ele disse que por ele tudo bem.
Todas as 3 dissemos que sim com a cabeça, que era uma boa solução, mas que podia ser chato se depois continuassem amigos e ele quisesse tomar parte na paternidade.

A casada disse que não queria filhos, que não lhes sentia a falta.
As outras 2 de nós achamos que ela está a pensar mal a vida, que filhos é uma coisa fixe.
É, aliás, A Coisa Mais Fixe De Sempre.

Já que se estava a falar no assunto, eu disse que adorava ter filhos.
Acrescentei que - e era uma coisa que já tinha pensado - também arranjava um amigo para ser pai de um filho meu.
Na verdade, ter filhos é um assunto que eu decidi não pensar sobre ele para não sofrer.

Eu acho que é por isso que eu choro sempre a ver o Glee.

E agora a Shakira.
A Shakira disse-me agora - no concerto de abertura do mundial - que há homens que, só a falar, deixam as mulheres mad mas que eles, se querem continuar bem e ser sábios, devem continuar a ler os sinais do nosso corpo, do corpo das mulheres.

Tu sabes, Shakira, que eu oscilo entre ter a certeza que a minha vida acabou ou achar que ainda não começou.

Mas em certos momentos de lucidez - geralmente quando chego à cidade, logo ali na calçada de carriche - eu sei que a minha vida afinal começou mesmo em Janeiro de 1981.
No fighting - my hips don't lie!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Crianças saudáveis serão adultos selvagens

Ele abraçava-me e dizia "vamos dançar" e balançávamos como num slow.
Dito assim deste modo, parece bonito, mas eu nunca gostei dele a sério.
Se eu olhasse só para o seu antebraço, era perfeito.
Porque o antebraço dele atraía-me imenso, como uma coisa masculina muito bonita e torneada.
Lembrei-me disto por causa de uma música que deu na TV.

Há muita coisa que eu tenho dentro de mim e que um dia vai sair, como uma longa digestão.
Ou uma longa gravidez.
Como o facto de no escuro a gordura deles se confundir e eu - por momentos aterradores - já não saber bem com quem estava e porquê. 


Ele disse-lhe: Para mim, és sempre a mais bonita.
Eu fiquei a observar embevecida a sua maneira ligeiramente adolescente de expressar os sentimentos e comentei isso com ela, a bonita, mas ela explicou-me: São coisas que são importantes num minuto e no outro já não são.
Fiquei invejosa na mesma.


Ter 16 anos aos 31 é mil vezes melhor que ter 31 aos 16.

E vai-se a ver, eu tenho imensa facilidade em andar de saltos altos, um dia destes pego em mim e vou à depilação.

Acho que houve coisas que mudaram e que eu nunca poderia ser feliz solteira a viver no campo.
Porque me contaram que a apanham a chorar muitas vezes, no meio das plantas e dos gatos e eu fiquei numa tristeza sem fim.
Pois a mim dizem-me para eu trazer para a cidade a minha gata mas eu depois seria: solteira, com gatos, benfiquista católica, a trabalhar na função pública, diabética, com artrite e problemas de tiróide. E só vou nos 29 anos.
E neste momento não tenho 16. Tenho 5(3).


Do dia do trabalhador ao dia da criança dista um mês de abstinência que eu me impus para purgar o mal que há em mim.
Descobri que podemos fazer planos e promessas e cumpri-las.
Tentei no advento e consegui, tentei na quaresma e consegui. 
É muito estranho - porque eu não costumo fazer planos - mas por vezes funciona.

Do dia do trabalhador ao dia da criança dista um mês e durante esse tempo chega o calor e os pés nas sandálias a suar e eu fui uma adulta saudável.
Está na altura da criança selvagem.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Acordei completamente desorientada e afinal estava mesmo tudo encharcado; foi horrível, sabes?

O meu coração tornou-se como cera e derreteu-se dentro do meu peito.
A minha garganta ficou seca como barro cozido e a minha língua colou-se ao céu da boca. 

Assim me reduzistes ao pó do túmulo.


....por isso desculpa eu estar a contar-te isto, nem te preocupes.
Mas, já agora, queria falar-te de um casal que costumo encontrar a passear no campus, ele é cego, ela é loura, hoje ouvi-os a falar. Ela contava-lhe acerca de alguém (devia ser uma criança) a quem ela perguntou se queria mais alguma coisa e esse alguém disse que queria só leitinho morno. E ela deu-lhe leite morno.
A senhora loura contou ao seu companheiro cego que deu leite morno a alguém que lho pediu.

Eles andam a pé, às vezes é de manhã que os encontro, e inevitavelmente penso em mim, cabra egoísta infantil e adolescente que sou.


O mundo a girar à volta da minha barriga e sinto falta das árvores, eu às vezes fico triste porque penso em não fazer coisas e depois faço-as e penso em não contar mais nada e depois conto tudo, falo horas, horas intermináveis, com princípio, meio, 3 mil historietas à mistura, intercaladas com segredos que me contam, e fim, eu tento sempre terminar num tom positivo, com uma piada ou uma frase feita do tipo "entre mortos e feridos alguém há-de escapar" ou "valha-nos o David Luiz" ou mesmo "não ligues que eu posso não ter nem um décimo do equilíbrio que aparento mas sou espectacular".

Com os meus 29 anos e ainda tenho sardas, sou a única dos 3 irmãos que mantive as sardas, vão ser manchas daqui a não muito tempo. Sentada nos primeiros bancos da igreja, a olhar para o novinho em folha círio pascal, onde está escrito 2010, eu pensei que daqui a 10 anos estará lá escrito 2020 e porque eu na morte acredito mas na ressureição já não sei, penso na liturgia das horas que sei de cor.

Hoje, pela primeira vez, parei uns segundos antes de começar a comer e disse sem falar, obrigada por esta refeição, respirei fundo sem fazer barulho e comecei a comer, como se vivesse num tempo que é outro, é aquele do pátio em frente à casota, a ouvir os Parodiantes de Lisboa e a rir com a minha avó, eles às vezes eram ordinários mas eu podia passar dias a fio a costurar ou a construir cabanas a sentir falta de socialização.
Essas coisas, competências sociais, tanta falta me fazem quando me sobe aquele medo de estar com pessoas novas, jantares, lanches e bailaricos, que falta me faz aquela competência social de não me achar inferior, de não achar que toda a gente sabe segredos que se contam em blogs e jornais especiais, referências comuns, será que algum dia eu vou gostar de sushi?

segunda-feira, 22 de março de 2010

You tube >> Glee cast >> listas de reprodução -- porque detesto aqueles 3% de realidade

Há que saber desenvolver obsessões.
O melhor é alguém que trabalhe num sítio frequentado, com horários estabelecidos e de acesso público.
O nível de complexidade, e também de exigência, aumenta à medida em que vamos ficando mais velhos.

Penso que o ideal é ter sempre uma ou mesmo duas obsessões (em diferentes sítios da cidade) para aqueles momentos em que é preciso que a nossa cabeça se distraia com literatura de cordel.
97% das coisas que se passam na minha vida passam-se na minha cabeça.
É um sítio bonito.

Lembrei-me que desta vez ele podia gostar de azenhas, fazer-me cócegas e dizer boas piadas, teríamos diálogos ao estilo gilmore girls.
Estava eu distraída com estes pensamentos quando apareceu um elegível vestido de beto, com um brinco a destoar, a fumar nervosamente à porta.

Não estivesse eu com pressa, teria começado a fumar mesmo ali. 

97 % acontece tudo na minha cabeça, coisas sórdidas e engraçadas ao mesmo tempo, mas os 3% de hoje foram mais uma prova da existência de um deus que fala comigo mas que eu ainda não entendi bem o que ele diz porque os seus sinais, como botões caídos no chão, pombos a dar linguados, senhoras sem braços e gaguez momentânea, nem sempre são claros para mim.

Estou de mãos no ar a contar como fiquei zonza com a primavera, quando ele se aproxima e eu olho para o ver, mas nem tenho tempo de accionar a minha pródiga imaginação, porque um olá tudo bem saiu-me da boca (pelo menos pareceu-me que isto fez parte da realidade) e o pior foi que teve uma resposta:

- Desculpa, (mão no meu cotovelo) mas eu conheço-te.

Fiquei logo corada, isto supostamente seria tudo na minha cabeça e ainda nem estava decidido se esta personagem ia participar na minha grande narrativa.

Explicou-me que me conhece, andamos juntos na escola, conhecemos a família um do outro.
Eu não o tinha reconhecido...

- Tu estás igual, não mudaste nada.

Quase que me pareceu um elogio, depende se ele se referia a 1995 ou a 1997...
Fui embora a pensar: isto pode ser uma história bonita, digna das que acontecem na minha cabeça mas há qualquer coisa que me está a escapar...


Passaram-se algumas horas.
Telefonei a um familiar.
- Olha, nem sabes quem encontrei e me reconheceu... Sim, sim, esse mesmo... Pois, é engraçado.... Como?.. Ah foi? Teve agora uma menina, foi?. Pois, já me tinhas dito.. Ah que giro... Pois, é bom menino sim, eu não me lembro bem dele.... Mando cumprimentos teus quando o vir, claro... Vá beijinhos... tenho que ir... ver videos do glee... Sim, glee... é isso mesmo, é dessas bandas esquisitas que eu costumo ouvir.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Porque é que os bróculos me sabem a mar?

Um dos meus sites preferidos é o site da meteorologia.
Visito-o com muita frequência, há sempre novidades e uma sensação de redução à dimensão humana apenas comparável às horas dedicadas na escola primária à disciplina de meio físico e social.
O www.meteo.pt situa-me.


Um dos meus momentos preferidos é quando me deito no final do dia e solto um suspiro sonoro profundo, fecho os olhos e endireito a minha região sacro ilíaca, até ela ficar confortável e indolor.

Tenho andado a pensar

(quer dizer na verdade pensei nisso umas 4 vezes ao todo mas quando penso numa mesma coisa mais do que 3 vezes, acho que já posso dizer "tenho andado a pensar em" e não "já pensei que")

em escrever a um dos irmãos de Taizé a dizer-lhe que muita gente fala comigo sobre como se sentem sozinhos e sem amigos.

Eu própria tenho andado a pensar sobre a solidão (e aqui esta expressão não podia ser melhor utilizada, já que penso nisto em continuo) já há uns bons meses.

Não cheguei a conclusão nenhuma.

No outro dia, houve reunião de serviço e, numa situação que não me apetece contar, eu achei-me completamente sozinha e incompreendida, como uma adolescente fechada no quarto a ouvir música, ou como uma adulta fechada no quarto a ouvir musica.

E então desci a rua e fui ao jardim (a ouvir musica) e vi dois pombos a dar um beijo com língua.
Inicialmente, pensei que só a minha mente influenciável e influenciada por romances de cordel veria naquele abocanhar mútuo um linguado à moda antiga e deixei-me estar um bom bocado a olhar para eles, que continuavam nuns amassos impressionantes.
Depois, o pombo saltou para cima da pomba e pronto, foi mesmo ali na parte mais desabrigada do jardim do Campo Grande que consumaram o seu amor, restaurando a minha fé nos ensinamentos da natureza.
Ao subir novamente a rua para voltar ao trabalho, ainda parei a observar um melro mas nem sempre se pode ter sorte e já se sabe que os melros só sabem é escolher as cerejas melhores para eles, deixando as piores para as crianças.

Por breves instantes, antes de me lembrar de como às vezes olho para mim de fora e faço um esgar de ligeiro enjoo que permanece por uns dias, desejei ter um blog para poder falar sobre a vida sexual dos pombos e os bróculos que me sabem a pirolitos do mar do algodio.

domingo, 31 de janeiro de 2010

How soon is now




Este blog acabou porque me enjoa.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Porque gosto eu de Vampire Weekend




Ah os rapazes de Ciência Política.... lavadinhos e cheirosos ma non troppo, com as suas caras de quem foi bem tratado na infância, com cremes da Avene e banhos diários com bons produtos, eficazes e hidratantes, rapazes nascidos já a meio da década de 80, com conhecimentos geográficos de causa, experiências de viagens acumuladas com naturalidade, como se toda a gente conhecesse São Paulo ou Paris; os meus preferidos são os educados, que dizem "com certeza" e "teor", lêem bons livros, autores convenientes, cultura alternativa admitida como a única possível, mas com aquele twist da ciência política, sabem falar sobre governança, Pippa Norris, Carl Schmitt, populismo e falam inglês fluentemente.

Parecem anjinhos, sentados a ler, são quase todos fumadores e têm mochilas caras.

Eu, confesso com algum pudor que já vai desaparecendo, que sempre que aparece um novo eu fico a olhar para ele, a pensar como seria se ele colorisse um pouco a minha solidão.
Nunca poderia ser nada muito sério, embora, francamente, para pouco sério preferia outra coisa que não ciência política, e também porque a pele deles é melhor que a minha, porque em certos dias eu cheiro mal e nunca fui ao Brasil ou Roménia, e tenho um cateter na nádega direita com um tubo e uma bomba de insulina e nem todos os dias isso é charmoso ou atraente.

Além de que gosto de jantar às 20h e essa é a hora os meninos de ciência política devem estar numa tertúlia qualquer a falar sobre coisas que não me apetece muito elencar agora.



Duas coisas importantes:

1 - Num livro do Douglas Coupland, ele fala sobre como não nos prepararam para a solidão que eventualmente sentimos quando adultos. E eu tenho pensado sobre isso e inquiri algumas pessoas que têm maridos \ amigos \ companheiros \ filhos e supostamente não se deveriam sentir sós mas elas dizem-me que também dão por elas sozinhas e eu não as esbofeteio porque deve ser verdade.
A solidão é como quando chove muito e as estradas estão prestes a ser cortadas e uma pessoa vê-se no meio um grande lago onde era uma faixa de rodagem e pensa se deve avançar ou não mas não há nada a fazer porque estamos no carro e o carro é para andar e então eu acho que o meu pai tem razão:
- Nestes dias assim de chuva, se te vires no meio da água, o importante é nunca deixar de acelerar, entendes?

Entendo.
Entendido.

2 - Há uns dois anos atrás levei uma tampa de um rapaz de ciência política e, nesse mesmo dia, fui ao concerto dos Vampire Weekend e dancei muito. Foi bom.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Bolo de aniversário

O bolo é daqueles molhados.
É muito fácil de fazer, bate-se tudo bem batido, leva nozes e raspa de laranja e depois no final espeta-se o bolo todo e molha-se com sumo de laranja bem adoçado.
Como não leva muito açúcar, é perfeito para fazer de modo light, com adoçante.

Pois.

Ficou uma merda.
Duro, mal batido, sem a margarina, esquecida na taça, já derretida, sem a raspa da laranja, posta de parte, fora do cesto da fruta.
Intragável, vergonhoso.
Ali está ele, pronto a ir para o lixo ("deus me perdoe"  - digo sempre "deus me perdoe" quando deito restos fora), ao pé do lava loiça, com o sumo de laranja super adocicado ainda no espremedor, mesmo assim ainda estava um pouco ácido (este ano as laranjas da baía não estão muito boas), e eu com a cara a 5cm do bolo, a suspirar, a examinar como a massa ficou nojenta, a concluir que não sou boa a fazer bolos, a cozinhar, a fazer chá, a escolher fruta e legumes (eu trago alguns tocados porque me faz impressão que os deitem fora "deus me perdoe"), a fazer a cama, a fazer vestidos, tivesse eu 21 anos ou então 35 e diria aquilo que já disse algumas vezes, mas não exactamente neste contexto do bolo molhado de laranja e nozes, e que é "sou uma merda".

"Sou uma merda".
É uma expressão profundamente desesperada que, se acompanhada de uma forte expiração, produz imediatamente um:
"Não és nada",
acompanhado, por sua vez, de uma festa no ombro ou antebraço, depende da posição em que se estiver.


Mas há uma outra expressão que duas pessoas de diferentes espaços da minha vida (familiar e laboral) utilizam com alguma frequência e, e isto é o mais interessante para mim, o fazem num mesmo contexto, que é o relativo ao "medo de caras feias".
A expressão é, por exemplo:
- Ela viu-me de manhã, mal me falou, nem bom dia, e disse Temos que falar. E eu "CAGARI CAGARÓ", estive mesmo para lhe dizer que não tenho medo de caras feias.
Ou então:
- Eles começaram a dizer-me para eu não sair porque estava mau tempo e eu nem tinha ninguém com quem ir mas "cagari cagaró", peguei no carro e fui na mesma.

E eu, mal ouvi isto, "cagari cagaró", fiquei a pensar sobre isso.

Ao que parece, "cagari cagaró", usa-se quando alguém ou uma situação ou mesmo o mundo inteiro é hostil e parece que quer assustar com ameaças de coisas más que vão acontecer, fazendo "caras feias" e a pessoa que se vê ameaçada, não tem medo algum e não se preocupa sequer com isso, e então diz "cagari cagaró".

"Cagari cagaró" é uma formula mágica que, embora confesse que foneticamente não me agrade muito, vou passar a utilizar, pois parece resultar.
As pessoas que a utilizam dizem-me que "caras feias não me assustam" e eu borro-me de medo de "caras feias", aliás, se me querem ver quase a chorar, é fazerem-me uma cara feia.

Mas agora já sei: cagari cagaró, e pronto!