É humilhante confessar que não se tem ninguém para ir ao cinema ou ao IKEA.
Lisboa não é uma cidade acolhedora e propícia para fazer amigos.
Fazer amigos é muito difícil.
E agora chove sem parar e a roupa não seca há 3 dias.
Quando cheguei do Natal, escorria água das minhas paredes, e mudei finalmente a lâmpada da cozinha, que piscava psicadelicamente desde o Verão.
Fiz vida de solteira, de mulher independente financeiramente, com problemas familiares e corporais, como presumo que as mulheres solteiras de 30 anos tenham.
A coisa boa foi que a minha franja cresceu, já não tem aquele ar demasiado moderno que tanto me irritava.
Não tivesse hoje um jantar (já demasiadas vezes adiado), pegava nas minhas coisas e voltava ao quintal, trepava a uma laranjeira e fazia um sumo para o lanche, para mim e para as crianças.
Amanhã é a merda da passagem de ano e já sinto o stress e a depressão características da altura.
No Natal, mandei um mail ao catalão porque eu quero (e quero mesmo) reconciliar-me com toda a gente.
Por um motivo muito simples: eu não lido bem com pessoas que não gostam de mim. Não gostar não é indiferença, mas antes pensarem mal de mim.
Pensarem mal de mim faz-me achar que falhei como pessoa de bem.
Por isso mandei-lhe um mail muito simples, para "sermos amigos" (ok, aqui era sem duvida um exagero, o que eu queria dizer era "não me odeies") e ele disse que claro que sim, que podíamos ser amigos, que resolveu coisas na cabeça dele e que a "nossa situação" era normal e humana, e que não tinha importância quando comparada com a situação de algumas pessoas com quem ele tinha estado e que vivem neste momento uma situação horrível na Espanha.
Mas o que é que o cu tem a ver com as calças, valha-me Deus?
Entendi então que eu é que tenho que deixar de odiar ou então aprender a praguejar em catalão, mas não vale o esforço.
Se calhar não é deixar de odiar porque para mim é indiferente e talvez seja isso que me custa a aceitar, é que me seja indiferente. Tenho medo que seja uma indiferença superficial e que tenha traumas alojados naquela parte do cérebro que funciona pela meia noite e meia de algumas noites menos simpáticas, em que tenho a nítida sensação que sou ridícula e tenho dentes amarelos e uma vida falhada que espero que ninguém descubra ou, se descobrir, tenha a delicadeza de não abordar o assunto.
São quase 17h desta tarde de 30 de Dezembro e eu penso em acabar com este blog.
A bomba, a casa, parecem-me questões pouco importantes comparando com algumas situações que observo em Portugal e no meu peito.
Em 2010, vou tentar lembrar-me que não morri ainda.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Cesária Verde perto do Natal
1.
- Nena, já não vendem o teu perfume. Há outro que talvez gostes, vou-to mostrar.
(Eu uso o mesmo perfume desde os 10 anos, ou 9. Chamava-se Angelical Touch e depois passou a chamar-se Ma Cherie. Havia um outro que eu também gostava, era o Thaty, que tinha um cheiro adocicado de alfazema, mas preferi sempre o angelical touch ma cherie.
Todos os natais, a minha tia dá-me uma caixa do Boticário com o perfume e talvez mais um body lotion e um desodorizante mas o desorizante nunca uso porque me faz borbulhas nas axilas.
Agora, aos 28 anos, vou mudar de cheiro.
Não sou grande apreciadora de perfumes, se são muito intensos fico a espirrar. )
Apareceu-me com um guardanapo molhado de perfume e eu percebi que já tinha sido comprado o perfume.
- Não espirrei, por isso tudo bem, serve, tia. Obrigada.
Se calhar até vai ser bom.
2010, ano com um cheiro diferente.
Boa!
2.
Sou uma pessoa invejosa e detesto ver a felicidade e o sucesso dos outros.
Se há coisa que me irrita, é abrir o facebook e ver fotos e piadolas felizes, ditos espirituosos e toda a gente feliz a participar numa rede social, discutindo vários temas.
Ora um está nos EUA, ora outra em Londres, ora falam do seu trabalho interessante, ora de musicas ora de fotos de momentos jovens e interessantes, como nos anuncios das cervejas, ora se sucedem comentários giros atrás de comentários ainda mais giros, numa espiral colorida de partilha e relacionamento que me enoja profundamente se eu não participo nessas festinhas.
Se eu participar, tudo bem.
Mas tenho estas horas em que detesto toda a gente, em que não suporto ver os outros felizes, em que espumo de ódio a olhar para vidas mais interessantes que a minha.
É como raparigas bonitas.
De tes to - as!
3.
Nesta minha caminhada de Advento, tenho-me saído muito bem em deixar de lado a auto comiseração, e mal penso na cafeiteira a ronronar logo de manhã, significando que vou beber um café, sei que está tudo bem, sei que continua tudo bem.
E o Natal, ai o Natal.
Tenho o presépio feito e sento-me a olhar para ele.
À austeridade do Baptista (do João, primo do baby Jesus), eu prefiro a lírica do Isaías, cheio de imagens de mundos onde tudo é possível, lobos cordeiros serpentes delícias eternas átrios de paz jardins, tudo é bom, como na música:
Aqui é tudo bom, aqui é tudo tão bom, que até o sol é de ouro e a lua é sempre de prata e quando chovem, chovem diamantes...

E depois o baby Jesus, ai baby Jesus!
Sacralizou a fragilidade e agora eu vejo que o humano frágil, com o seu ódio à alegria no facebook, com a sua inveja do sucesso dos outros, com a sua vida esfrangalhada, com os seus problemas amorosos, com a sua falta de habitação, de educação, sem água e sem luz num país em vias de desenvolvimento, com a perna desfeita por uma mina, com a sua solidão dominical, com a sua arma no bolso a assaltar pessoas no metro, com o seu marido a bater-lhe, com a sua família presa por um ditador da américa do sul, com uma doença que não cura porque vive num país sem saúde para todos, com o desemprego a amargurar a sua vida e a da família, com a sua dependência do alcool ou da heroína, com o seu segredo horrível que não pode contar a ninguem, com a sua arrastadeira e a sua cama de hospital, o ser humano frágil foi tornado sagrado através do baby Jesus.
4.
Não tive coragem.
Pensei que este ano é que era, eu ia comprar uma árvore de Natal não natural (custa-me usar a palavra plástico junto com árvore) e ia recusar um tranco de pinheiro do pinhal que o meu pai plantou.
Pensei: hoje saio do trabalho e passo por uma loja bonita e vou investir numa árvore para ficar já por uns anos, vou comprar uma assim estilosa, de uma loja de decoração.
Mas então o espírito do Cesário Verde desceu sobre mim e eu senti-me completamente fora de contexto nesta cidade.
Decidi ir para casa, sentei-me na paragem do autocarro, olhei em volta e hiperventilei ligeiramente, tive umas saudades de terra insuportáveis embora ainda antes de ontem tenha andado de galochas a apanhar musgo.
Não, não posso ter uma árvore de Natal que não seja natural. Eu não sou isso.
Descansa Cesário, está tudo bem.
- Nena, já não vendem o teu perfume. Há outro que talvez gostes, vou-to mostrar.
(Eu uso o mesmo perfume desde os 10 anos, ou 9. Chamava-se Angelical Touch e depois passou a chamar-se Ma Cherie. Havia um outro que eu também gostava, era o Thaty, que tinha um cheiro adocicado de alfazema, mas preferi sempre o angelical touch ma cherie.
Todos os natais, a minha tia dá-me uma caixa do Boticário com o perfume e talvez mais um body lotion e um desodorizante mas o desorizante nunca uso porque me faz borbulhas nas axilas.
Agora, aos 28 anos, vou mudar de cheiro.
Não sou grande apreciadora de perfumes, se são muito intensos fico a espirrar. )
Apareceu-me com um guardanapo molhado de perfume e eu percebi que já tinha sido comprado o perfume.
- Não espirrei, por isso tudo bem, serve, tia. Obrigada.
Se calhar até vai ser bom.
2010, ano com um cheiro diferente.
Boa!
2.
Sou uma pessoa invejosa e detesto ver a felicidade e o sucesso dos outros.
Se há coisa que me irrita, é abrir o facebook e ver fotos e piadolas felizes, ditos espirituosos e toda a gente feliz a participar numa rede social, discutindo vários temas.
Ora um está nos EUA, ora outra em Londres, ora falam do seu trabalho interessante, ora de musicas ora de fotos de momentos jovens e interessantes, como nos anuncios das cervejas, ora se sucedem comentários giros atrás de comentários ainda mais giros, numa espiral colorida de partilha e relacionamento que me enoja profundamente se eu não participo nessas festinhas.
Se eu participar, tudo bem.
Mas tenho estas horas em que detesto toda a gente, em que não suporto ver os outros felizes, em que espumo de ódio a olhar para vidas mais interessantes que a minha.
É como raparigas bonitas.
De tes to - as!
3.
Nesta minha caminhada de Advento, tenho-me saído muito bem em deixar de lado a auto comiseração, e mal penso na cafeiteira a ronronar logo de manhã, significando que vou beber um café, sei que está tudo bem, sei que continua tudo bem.
E o Natal, ai o Natal.
Tenho o presépio feito e sento-me a olhar para ele.
À austeridade do Baptista (do João, primo do baby Jesus), eu prefiro a lírica do Isaías, cheio de imagens de mundos onde tudo é possível, lobos cordeiros serpentes delícias eternas átrios de paz jardins, tudo é bom, como na música:
Aqui é tudo bom, aqui é tudo tão bom, que até o sol é de ouro e a lua é sempre de prata e quando chovem, chovem diamantes...

E depois o baby Jesus, ai baby Jesus!
Sacralizou a fragilidade e agora eu vejo que o humano frágil, com o seu ódio à alegria no facebook, com a sua inveja do sucesso dos outros, com a sua vida esfrangalhada, com os seus problemas amorosos, com a sua falta de habitação, de educação, sem água e sem luz num país em vias de desenvolvimento, com a perna desfeita por uma mina, com a sua solidão dominical, com a sua arma no bolso a assaltar pessoas no metro, com o seu marido a bater-lhe, com a sua família presa por um ditador da américa do sul, com uma doença que não cura porque vive num país sem saúde para todos, com o desemprego a amargurar a sua vida e a da família, com a sua dependência do alcool ou da heroína, com o seu segredo horrível que não pode contar a ninguem, com a sua arrastadeira e a sua cama de hospital, o ser humano frágil foi tornado sagrado através do baby Jesus.
4.
Não tive coragem.
Pensei que este ano é que era, eu ia comprar uma árvore de Natal não natural (custa-me usar a palavra plástico junto com árvore) e ia recusar um tranco de pinheiro do pinhal que o meu pai plantou.
Pensei: hoje saio do trabalho e passo por uma loja bonita e vou investir numa árvore para ficar já por uns anos, vou comprar uma assim estilosa, de uma loja de decoração.
Mas então o espírito do Cesário Verde desceu sobre mim e eu senti-me completamente fora de contexto nesta cidade.
Decidi ir para casa, sentei-me na paragem do autocarro, olhei em volta e hiperventilei ligeiramente, tive umas saudades de terra insuportáveis embora ainda antes de ontem tenha andado de galochas a apanhar musgo.
Não, não posso ter uma árvore de Natal que não seja natural. Eu não sou isso.
Descansa Cesário, está tudo bem.
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Contemplava eu as visões da noite, quando, sobre as nuvens do céu, veio alguém semelhante a um filho do homem.
- Eu levo-te aos Olivais para entenderes como se engata, mas tens que ir vestida como eu mandar! Mostrar mais as pernas, e um bocado mais das mamas, assim como quem diz "anda cá tocar-me". Se virmos aí alguma dessas que andam assim, eu mostro-te como é.
Contou-me algumas piadas porcas, alguns ditos populares ordinários, mostrou-me mails e mais mails de miúdas com as quais ele se corresponde, utilizando, mais ou menos, sempre a mesma conversa. Em geral elas não caem, diz-me ele, mas há uma delas que se apaixonou loucamente, deixando o namorado e a casa que tinha comprado e estava a mobilar para se vir encontrar com ele.
Os mails dela são ela a confessar como nunca sentiu nada assim. Ele diz que esta conversa dela o está a fazer ter cada vez menos interesse mas que...
- Eu sou ela. Eu costumo ser ela, costumo ser o que está apaixonado. Por isso, agora que estou eu numa situação de poder, vou aproveitar. É a primeira vez que sou eu que tenho o poder. E ela tem muita sorte porque eu sou boa pessoa, se eu fosse outro abusava do corpo dela de todas as maneiras possíveis. Ela tem muita sorte porque eu trato bem as pessoas. Além de que eu nem sei se ela deixou mesmo o outro gajo, ela também pode estar a mentir, e querer um amante. Pelas costas dos outros, vêem-se as nossas...
Eu suspirei e disse:
- Ao menos usa protecção, nessas tuas aventuras.
Esta frase deu origem a um longo monólogo sobre experiências sexuais, que eu prefiro guardar para quando tiver um blog só sobre isso.
É que, às tantas, eu já estava nauseada e então vasculhei no meu baú de pensamentos melancólicos - caixa onde guardo várias coisas que me vão surgindo e que ali ficam para eu ir pensando nelas quando, por exemplo, não estou com vontade de falar sobre engates e preservativos.
Ocupei a minha cabeça com dois outros pensamentos, a saber: a autocomiseração e a vergonha de gostar.
Autocomiseração:
não tenho grande coisa a dizer, apenas acho que às vezes - pronto, muitas vezes - tenho esse problema, o qual me bloqueia. Portanto, vou escrever num papelinho que um dos meus compromissos para este Advento será deixar de ter tanta pena de mim. Isto terá também consequências sobre o meu próximo, portanto vou considerá-lo como um compromisso para comigo e para com os outros, já que, reduzindo a minha autocomiseração, terei mais comiseração para dar aos outros.
Vergonha de gostar dos outros:
novamente, também não tenho grande coisa a dizer. Lembrei-me disto porque às vezes eu tenho tanta vergonha de gostar tanto das pessoas que as começo a detestar. Assim, vou escrever num outro papelinho, será o meu segundo compromisso neste Advento, que vou aceitar amar.
Estes papelinhos, vou enrolá-los e serão as palhinhas para o menino Jesus.
Maranatha!
Contou-me algumas piadas porcas, alguns ditos populares ordinários, mostrou-me mails e mais mails de miúdas com as quais ele se corresponde, utilizando, mais ou menos, sempre a mesma conversa. Em geral elas não caem, diz-me ele, mas há uma delas que se apaixonou loucamente, deixando o namorado e a casa que tinha comprado e estava a mobilar para se vir encontrar com ele.
Os mails dela são ela a confessar como nunca sentiu nada assim. Ele diz que esta conversa dela o está a fazer ter cada vez menos interesse mas que...
- Eu sou ela. Eu costumo ser ela, costumo ser o que está apaixonado. Por isso, agora que estou eu numa situação de poder, vou aproveitar. É a primeira vez que sou eu que tenho o poder. E ela tem muita sorte porque eu sou boa pessoa, se eu fosse outro abusava do corpo dela de todas as maneiras possíveis. Ela tem muita sorte porque eu trato bem as pessoas. Além de que eu nem sei se ela deixou mesmo o outro gajo, ela também pode estar a mentir, e querer um amante. Pelas costas dos outros, vêem-se as nossas...
Eu suspirei e disse:
- Ao menos usa protecção, nessas tuas aventuras.
Esta frase deu origem a um longo monólogo sobre experiências sexuais, que eu prefiro guardar para quando tiver um blog só sobre isso.
É que, às tantas, eu já estava nauseada e então vasculhei no meu baú de pensamentos melancólicos - caixa onde guardo várias coisas que me vão surgindo e que ali ficam para eu ir pensando nelas quando, por exemplo, não estou com vontade de falar sobre engates e preservativos.
Ocupei a minha cabeça com dois outros pensamentos, a saber: a autocomiseração e a vergonha de gostar.
Autocomiseração:
não tenho grande coisa a dizer, apenas acho que às vezes - pronto, muitas vezes - tenho esse problema, o qual me bloqueia. Portanto, vou escrever num papelinho que um dos meus compromissos para este Advento será deixar de ter tanta pena de mim. Isto terá também consequências sobre o meu próximo, portanto vou considerá-lo como um compromisso para comigo e para com os outros, já que, reduzindo a minha autocomiseração, terei mais comiseração para dar aos outros.
Vergonha de gostar dos outros:
novamente, também não tenho grande coisa a dizer. Lembrei-me disto porque às vezes eu tenho tanta vergonha de gostar tanto das pessoas que as começo a detestar. Assim, vou escrever num outro papelinho, será o meu segundo compromisso neste Advento, que vou aceitar amar.
Estes papelinhos, vou enrolá-los e serão as palhinhas para o menino Jesus.
Maranatha!
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Country feedback: esta música faz-me sempre tremer
É logo nas primeiras páginas que ele fala de como se anda a esquecer das coisas.
Velchaninov diz, mais ou menos, que apagou coisas da memória e que isso está relacionado com o seu estado depressivo.
Pois, pensei eu, é isto mesmo.
Apagar coisas da memória.
Eu faço isso.
Foi como quando a Licinha partiu uma pata e eu perguntei mas como é que isto aconteceu e a minha tia não sabia, não se lembrava.
E a minha mãe, sentada na beirinha da poltrona azul, dizia-me, de olhos fitos no tapete, sou eu que vou ter que sozinha arranjar uma forma de conviver com isto.
O livro, a vida real, e a minha imaginação prodigiosa, levam-me a concluir que, muito provavelmente, eu arranjei uma forma de lidar com certos acontecimentos - em especial traumas amorosos e problemas de relacionamento - apagando-os por completo da minha memória.
Apago e, se por um acaso qualquer, como uma ida ao facebook ou um cheiro num casaco ou mesmo uma conversa, eu recordo por momentos o que aconteceu é tudo muito estranho e assustador.
E mais: se eu me ponho a tentar lembrar de muita coisa, por exemplo, no que diz respeito a relações amorosas, eles, os objectos, misturam-se num só rapaz, num só corpo, com a mesma barriga e a mesma pele, os braços, as vozes ao ouvido, e tudo o resto, é uma grande mistura e eu já não sei que parte pertence a que corpo e a que época da minha vida.
Agora.... quer isto dizer que não sou uma cabra rancorosa?
Claro que não quer dizer nada disso, porque eu sou uma cabra rancorosa!
E tenho dias mundiais da sinceridade, em que, com requintes de malvadez, atinjo todos os que me magoaram com tiros certeiros ao rim, onde dói mais, pois a minha inteligência emocional também me habilita a ser má.
A Licinha foi atropelada pelo aspirador Rainbow e só acabou o tratamento ontem.
Foi isso que aconteceu.
Velchaninov diz, mais ou menos, que apagou coisas da memória e que isso está relacionado com o seu estado depressivo.
Pois, pensei eu, é isto mesmo.
Apagar coisas da memória.
Eu faço isso.
Foi como quando a Licinha partiu uma pata e eu perguntei mas como é que isto aconteceu e a minha tia não sabia, não se lembrava.
E a minha mãe, sentada na beirinha da poltrona azul, dizia-me, de olhos fitos no tapete, sou eu que vou ter que sozinha arranjar uma forma de conviver com isto.
O livro, a vida real, e a minha imaginação prodigiosa, levam-me a concluir que, muito provavelmente, eu arranjei uma forma de lidar com certos acontecimentos - em especial traumas amorosos e problemas de relacionamento - apagando-os por completo da minha memória.
Apago e, se por um acaso qualquer, como uma ida ao facebook ou um cheiro num casaco ou mesmo uma conversa, eu recordo por momentos o que aconteceu é tudo muito estranho e assustador.
E mais: se eu me ponho a tentar lembrar de muita coisa, por exemplo, no que diz respeito a relações amorosas, eles, os objectos, misturam-se num só rapaz, num só corpo, com a mesma barriga e a mesma pele, os braços, as vozes ao ouvido, e tudo o resto, é uma grande mistura e eu já não sei que parte pertence a que corpo e a que época da minha vida.
Agora.... quer isto dizer que não sou uma cabra rancorosa?
Claro que não quer dizer nada disso, porque eu sou uma cabra rancorosa!
E tenho dias mundiais da sinceridade, em que, com requintes de malvadez, atinjo todos os que me magoaram com tiros certeiros ao rim, onde dói mais, pois a minha inteligência emocional também me habilita a ser má.
A Licinha foi atropelada pelo aspirador Rainbow e só acabou o tratamento ontem.
Foi isso que aconteceu.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Mudando agora de assunto: e a queda do muro de Berlim?
Ele disse-me uma vez que eu devia tirar um retrato para registar a minha bela juventude.
Eu primeiro achei uma idiotice que resolvi ignorar mas lembro-me às vezes dessa sugestão.
Eu vi uma pessoa morrer há um ano atrás.
Vi o corpo a morrer hora a hora.
E era uma pessoa que eu amava.
Hoje ainda não consigo falar nisso.
Em 1986, e nos anos que se seguiram, havia muitos jogos e livros para crianças relativos à Europa.
Num dos natais desses anos, eu ganhei um livro sobre a construção da Europa, onde havia umas folhas em branco para colar fotos e registar acontecimentos europeus.
De maneira que, quando o muro de Berlim caiu, em 1989, eu recortei uma notícia de jornal e colei nesse livro.
Tinha 8 anos e lembro-me que me sentei no corredor da minha casa a fazer isso. Foi divertido porque recortar era uma actividade que sempre me agradou.
Eu gostava de ter fotos minhas que registassem coisas boas.
Fui eu que escolhi a foto que está na campa da minha avó.
É uma foto tirada no casamento da minha irmã, tirada minutos após a minha irmã nos ter dado a todas as mulheres da família um raminho de flores, juntamo-nos ao pé do canteiro de flores perto do baloiço e lá estamos nós, muito felizes.
Penso que é a única foto no cemitério em que o defunto está a rir.
A 9 de Novembro de 2007, pelas 17h, nascia a minha segunda sobrinha.
E há uma foto, tirada umas duas horas depois, em que estou eu, a minha irmã, a minha sobrinha mais velha e a recém nascida, todas felizes, a olharmos umas para as outras e para o bébé ao mesmo tempo.
Eu pergunto à minha médica:
- Mas se calhar isso onde me dói são pontos sensíveis que doem a toda a gente se forem pressionados.
- Não, não é suposto doer. Só te doem a ti, porque estão inflamados.
A vida não é suposto doer, a não ser que esteja ferida.
Eu primeiro achei uma idiotice que resolvi ignorar mas lembro-me às vezes dessa sugestão.
Eu vi uma pessoa morrer há um ano atrás.
Vi o corpo a morrer hora a hora.
E era uma pessoa que eu amava.
Hoje ainda não consigo falar nisso.
Em 1986, e nos anos que se seguiram, havia muitos jogos e livros para crianças relativos à Europa.
Num dos natais desses anos, eu ganhei um livro sobre a construção da Europa, onde havia umas folhas em branco para colar fotos e registar acontecimentos europeus.
De maneira que, quando o muro de Berlim caiu, em 1989, eu recortei uma notícia de jornal e colei nesse livro.
Tinha 8 anos e lembro-me que me sentei no corredor da minha casa a fazer isso. Foi divertido porque recortar era uma actividade que sempre me agradou.
Eu gostava de ter fotos minhas que registassem coisas boas.
Fui eu que escolhi a foto que está na campa da minha avó.
É uma foto tirada no casamento da minha irmã, tirada minutos após a minha irmã nos ter dado a todas as mulheres da família um raminho de flores, juntamo-nos ao pé do canteiro de flores perto do baloiço e lá estamos nós, muito felizes.
Penso que é a única foto no cemitério em que o defunto está a rir.
A 9 de Novembro de 2007, pelas 17h, nascia a minha segunda sobrinha.
E há uma foto, tirada umas duas horas depois, em que estou eu, a minha irmã, a minha sobrinha mais velha e a recém nascida, todas felizes, a olharmos umas para as outras e para o bébé ao mesmo tempo.
Eu pergunto à minha médica:
- Mas se calhar isso onde me dói são pontos sensíveis que doem a toda a gente se forem pressionados.
- Não, não é suposto doer. Só te doem a ti, porque estão inflamados.
A vida não é suposto doer, a não ser que esteja ferida.
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Chattanooga Choo Choo
Eles dizem-me muitas vezes que eu só os estou a deixar porque ainda não percebi o que é o amor.
Daí a começarem a dizer que eu ando à procura do príncipe encantado vão uns 15 minutos se estivermos num sítio agradável. Mas se estivermos ao ar livre, e estiver frio, eles demoram menos que 5 minutos a falar nisso.
Penso que é porque gostam muito de mim.
E eu sei bem o que é isso de gostar de alguem: é um martírio. Ficamos totalmente desgovernados.
Ser correspondida torna-se numa obsessão, vive-se num desespero e numa inquietação permanentes e há um ponto de tensão - que mais tarde reconhecemos como o ponto da estupidez - em que nos parece que ofender o outro é o passo mais lógico a seguir.
E eu sou insegura e quando me dizem que sabem o que é o amor eu penso: bom, eu faço uma ideia do que seja o amor mas esta pessoa que está diante de mim parece ter muito mais certezas que eu por isso até se calhar o melhor é ouvi-lo com atenção.
Mas depois, possivelmente quando já estão muito fartos de "lutar contra mim" (expressão que também é frequente usarem comigo), falam nisso do príncipe encantado, com um tom ligeiramente insultuoso e com alguma arrogância à mistura, como se me estivessem a dizer:
Tu achas que vais encontrar melhor do que isto que nós temos mas não vais.
O problema não está no facto de não gostares de mim, o problema está em achares que sabes do que gostas.
Mas sei: gosto do Glenn Miller!
Daí a começarem a dizer que eu ando à procura do príncipe encantado vão uns 15 minutos se estivermos num sítio agradável. Mas se estivermos ao ar livre, e estiver frio, eles demoram menos que 5 minutos a falar nisso.
Penso que é porque gostam muito de mim.
E eu sei bem o que é isso de gostar de alguem: é um martírio. Ficamos totalmente desgovernados.
Ser correspondida torna-se numa obsessão, vive-se num desespero e numa inquietação permanentes e há um ponto de tensão - que mais tarde reconhecemos como o ponto da estupidez - em que nos parece que ofender o outro é o passo mais lógico a seguir.
E eu sou insegura e quando me dizem que sabem o que é o amor eu penso: bom, eu faço uma ideia do que seja o amor mas esta pessoa que está diante de mim parece ter muito mais certezas que eu por isso até se calhar o melhor é ouvi-lo com atenção.
Mas depois, possivelmente quando já estão muito fartos de "lutar contra mim" (expressão que também é frequente usarem comigo), falam nisso do príncipe encantado, com um tom ligeiramente insultuoso e com alguma arrogância à mistura, como se me estivessem a dizer:
Tu achas que vais encontrar melhor do que isto que nós temos mas não vais.
O problema não está no facto de não gostares de mim, o problema está em achares que sabes do que gostas.
Mas sei: gosto do Glenn Miller!
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
A triste morte da gata dos telhados
Quando subimos no elevador, eu descobri uma coisa sobre mim.
Eu não resisto à carícia, à festinha e ao abraço.
Lembrei-me do final de tarde, 35º lá no lago onde se meditava em silêncio e ele me tentava engatar, e eu não sabia bem o que fazer.
Foi muito fácil para ele estender-me a mão e puxar-me para ele, para um beijo.
Não ofereci qualquer resistência.
Agora que penso nisso: porque não ofereci eu resistência?
Tento lembrar-me de mais situações idênticas, essas situações de primeiros toques, de primeiros abraços, de beijos e essas coisas e vejo-me sempre dócil, mansa, fácil.
Engraçado porque depois essas mesmas pessoas que facilmente me agarraram são as que me acusam de ser fugidia e distante, esquiva e ausente.
Então eu penso: se calhar é isto que é ser carente, é não oferecer resistência a qualquer carícia, sem querer saber de quem a oferece.
Se calhar é isso: os rapazes apaixonam-se por mim e eu, caso me sinta um pouquinho atraída, cá vai disto, e tento apaixonar-me também, facilmente me entregando a qualquer idiota que se apresente num determinado momento da minha vida em que, por acaso, eu até estou aberta a pensar que posso gostar de alguém.
Claro, dir-me-ão que tem a ver com a falta de auto estima: como se eu achasse tão incrível alguém gostar de mim, que me precipito a ficar em dívida com essa pessoa, dando-me como penhor do amor que me é oferecido.
Pois se é oferecido Madalena, porque tens tu que o pagar?
Hoje, um parvalhão irritante tocou-me na cara. Parece-me que sem qualquer intenção sexual, foi apenas uma coisa que fez porque às vezes as pessoas acham que eu sou uma querida.
E eu não lhe bati nem lhe ralhei.
Não o esmurrei.
Não o pontapeei.
Não lhe dei nenhum estalo nem o pus na ordem.
Não me conhece de lado nenhum, não me toca assim na cara, nas minhas sensíveis bochechas, não é?
Mas percebi que, através daquela situação, Deus quis que eu descobrisse mais uma coisa sobre mim.
A gatinha dos telhados era uma selvagem como nunca se viu no quintal quando, há mais de 15 anos, foi morar connosco.
Era muito bonita mas pouco domesticável.
Quando o cão Alex veio também para o quintal, a sua loucura afastou a gatinha para os telhados, onde passou muito tempo da sua vida.
À medida que os anos passavam, ela tornava-se cada vez mais meiga e feliz.
Os outros gatos iam e vinham mas ela nunca ia embora, sempre consistente com o seu percurso de vida, crescendo de uma juventude um pouco agressiva para amadurecer na mansidão, sem perder a sua postura de gata do campo.
Da última vez que a vi, alertaram-me que ela devia estar a morrer.
Fui para o pé dela e dei-lhe muitas festinhas e ela sorriu-me.
Sabíamos, eu e ela, que era uma despedida poir ela devia ir morrer longe dos donos, como fazem os gatos.
Segundo me contou o meu pai, foi a enxurrada que a matou.
- Ela não se aguentou com a chuva, a tonta não veio para o alpendre e a força da chuva levou-a. A tonta.
O meu pai acha sempre que é possível a salvação.
Deu com a gatinha na manhã seguinte do temporal, junto de um poste, na rua.
Morta.
Eu não resisto à carícia, à festinha e ao abraço.
Lembrei-me do final de tarde, 35º lá no lago onde se meditava em silêncio e ele me tentava engatar, e eu não sabia bem o que fazer.
Foi muito fácil para ele estender-me a mão e puxar-me para ele, para um beijo.
Não ofereci qualquer resistência.
Agora que penso nisso: porque não ofereci eu resistência?
Tento lembrar-me de mais situações idênticas, essas situações de primeiros toques, de primeiros abraços, de beijos e essas coisas e vejo-me sempre dócil, mansa, fácil.
Engraçado porque depois essas mesmas pessoas que facilmente me agarraram são as que me acusam de ser fugidia e distante, esquiva e ausente.
Então eu penso: se calhar é isto que é ser carente, é não oferecer resistência a qualquer carícia, sem querer saber de quem a oferece.
Se calhar é isso: os rapazes apaixonam-se por mim e eu, caso me sinta um pouquinho atraída, cá vai disto, e tento apaixonar-me também, facilmente me entregando a qualquer idiota que se apresente num determinado momento da minha vida em que, por acaso, eu até estou aberta a pensar que posso gostar de alguém.
Claro, dir-me-ão que tem a ver com a falta de auto estima: como se eu achasse tão incrível alguém gostar de mim, que me precipito a ficar em dívida com essa pessoa, dando-me como penhor do amor que me é oferecido.
Pois se é oferecido Madalena, porque tens tu que o pagar?
Hoje, um parvalhão irritante tocou-me na cara. Parece-me que sem qualquer intenção sexual, foi apenas uma coisa que fez porque às vezes as pessoas acham que eu sou uma querida.
E eu não lhe bati nem lhe ralhei.
Não o esmurrei.
Não o pontapeei.
Não lhe dei nenhum estalo nem o pus na ordem.
Não me conhece de lado nenhum, não me toca assim na cara, nas minhas sensíveis bochechas, não é?
Mas percebi que, através daquela situação, Deus quis que eu descobrisse mais uma coisa sobre mim.
A gatinha dos telhados era uma selvagem como nunca se viu no quintal quando, há mais de 15 anos, foi morar connosco.
Era muito bonita mas pouco domesticável.
Quando o cão Alex veio também para o quintal, a sua loucura afastou a gatinha para os telhados, onde passou muito tempo da sua vida.
À medida que os anos passavam, ela tornava-se cada vez mais meiga e feliz.
Os outros gatos iam e vinham mas ela nunca ia embora, sempre consistente com o seu percurso de vida, crescendo de uma juventude um pouco agressiva para amadurecer na mansidão, sem perder a sua postura de gata do campo.
Da última vez que a vi, alertaram-me que ela devia estar a morrer.
Fui para o pé dela e dei-lhe muitas festinhas e ela sorriu-me.
Sabíamos, eu e ela, que era uma despedida poir ela devia ir morrer longe dos donos, como fazem os gatos.
Segundo me contou o meu pai, foi a enxurrada que a matou.
- Ela não se aguentou com a chuva, a tonta não veio para o alpendre e a força da chuva levou-a. A tonta.
O meu pai acha sempre que é possível a salvação.
Deu com a gatinha na manhã seguinte do temporal, junto de um poste, na rua.
Morta.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
A monstra precisa de amigos porque a sinceridade é sobrevalorizada

Recordaram na RADAR que o album dos Ornatos faz 10 anos.
Fui ouvi-lo.
Ando bem mais rock que folk embora a noite passada tenha sonhado com gatinhos (sonhei que andava um gatinho nas traseiras do meu quarto que eu teria que adoptar - e seríamos felizes os dois a ver televisão ou a costurar - e depois acordei a sentir lambidelas nos meus dedos que pensei que fossem da Jonas mas a Jonas continuou no quintal e eu já não moro no quintal - este sonho deu-me logo em que pensar durante uma boa meia hora).
Num devaneio de domingo à noite, mandei-lhe um mail cheio de desabafos íntimos sobre os meus problemas em que terminava com uns belos paragrafos melolíricos acerca das minhas questões com ele e com a nossa relação.
E na segunda de manhã, as coisas pareciam bem menos sombrias na minha cabeça, já que na noite anterior tinha pegado na minha escuridão e, embrulhando-a num cocktail molotov em forma de mail, mandei-a com toda a força para cima dele, acertando-lhe em cheio.
E quem sou eu para te ensinar agora
A ver o lado claro de um dia mau
Não sou flor que se cheire.
Mas claro que agora estou triste.
Eu sei
A tua vida foi
Marcada pela dor de não saber aonde dói
Já tive que estragar tudo.
E agora não sei bem que fazer.
Mas para quê gastar o meu tempo
A ver se aperto a tua mão
Houve alguma precipitação da minha parte.
Esta coisa de abrir o coração nem sempre funciona.
O que eu quis mostrar ao mundo
Era tão forte e tão profundo
Eu quase me afoguei na emoção
Voltei ao que sempre fui.
Tenho algum medo do que possa acontecer.
Eu fui tão mau para mim
Eu fui tão pouco para nós
Bem que o meu pai quase me avisou
Começo agora a medir o trauma futuro.
Não tarda vou dizer que "a culpa foi minha".
Pra viver
E gostar
De gostar
De viver
Pra fugir
Pra mostrar
Pra dizer
Pra ter paz
Pra dormir
Pra fingir acordar
Para ser
Derramar
Para nunca mais tentar
Mentir
sábado, 10 de outubro de 2009
As pessoas saudáveis não têm nada de especial, nem eu
Agora tenho uma webcam.
Às vezes ligo-a e fico a olhar para mim a olhar para o monitor.
Faz parte de um projecto que eu tenho de auto aceitação e de aumento dos meus níveis de auto estima.
Ele diz-me que prefere sem webcam. Que assim consegue ver que eu não me estou sempre a rir.
Na minha cabeça, eu mando-o para o cara... e suspiro em profundidade e irritação.
Mas perante o trabalho que me ia dar explicar-lhe porquê é que me aborrece que ele diga que prefere sem webcam, calo-me.
Quero lá saber, eu gosto disto, de imagens.
Enquanto estou a postar, às vezes vou ver-me, ver o movimento dos olhos, ver como se eu mexer no cabelo com a mão direita, isso vai "reflectir-se" no lado esquerdo do ecrã.
Ai o cinema, o cinema.
(suspiro de deleite e sorriso)
Será que o cinema é uma motivação interior?
A minha médica é uma mulher inteligente.
Olhou para mim e nem falamos muito, uma consulta de minutos só para ela me dizer que eu tenho que querer viver, para viver.
"Motivação interior".
Ainda se falou nas distrofrias da minha barriga, na medicação, nos vários factores que possam ter interferido para este descalabro mas basicamente neste momento só é preciso eu querer viver.
(fui olhar para mim outra vez - os meus lábios não parecem tão finos como eu penso que eles são)
Eu nem discuti com a médica, bastou olhar para ela, respirar fundo, esticar as pernas,coçar a nuca e dizer, a expirar, pois é.
Às vezes, eu observo o pânico das pessoas saudáveis perante a hipótese de adoecerem e penso em como, efectivamente, eu não ligo assim tanto ao meu corpo.
Consigo saber que ele está a apodrecer e não fazer absolutamente nada.
(tirei os óculos para me ver mas sem óculos não vejo muito nítido).
"motivação interior"
Isso é o quê mesmo?
As pessoas que gostam de mim às vezes falam-me em cura, e eu, da minha altivez de doente crónica, desprezo esse discurso, e explico o que é possível e o que é impossível.
Mas se calhar se eu gostasse tanto de mim como essas pessoas, eu tinha o diário da glicémia mais actualizado, eu estudava-o semanalmente, eu gastava tempo com o meu corpo, e alterava o esquema de insulina quantas vezes fosse preciso até ficar bem.
Mas eu prefiro com webcam.
Para me ver a mim e aos outros.
E prefiro com música.
E gosto mais quando a conversa não é séria.
Adoro quando é para rir.
É reconfortante quando a culpa não é minha, seria mesmo bom que eu não precisasse de querer viver para viver.
(de facto, eu fui ver agora o meu ar e é assustadoramente sério e pesado, se calhar é mesmo melhor sem webcam)
Às vezes ligo-a e fico a olhar para mim a olhar para o monitor.
Faz parte de um projecto que eu tenho de auto aceitação e de aumento dos meus níveis de auto estima.
Ele diz-me que prefere sem webcam. Que assim consegue ver que eu não me estou sempre a rir.
Na minha cabeça, eu mando-o para o cara... e suspiro em profundidade e irritação.
Mas perante o trabalho que me ia dar explicar-lhe porquê é que me aborrece que ele diga que prefere sem webcam, calo-me.
Quero lá saber, eu gosto disto, de imagens.
Enquanto estou a postar, às vezes vou ver-me, ver o movimento dos olhos, ver como se eu mexer no cabelo com a mão direita, isso vai "reflectir-se" no lado esquerdo do ecrã.
Ai o cinema, o cinema.
(suspiro de deleite e sorriso)
Será que o cinema é uma motivação interior?
A minha médica é uma mulher inteligente.
Olhou para mim e nem falamos muito, uma consulta de minutos só para ela me dizer que eu tenho que querer viver, para viver.
"Motivação interior".
Ainda se falou nas distrofrias da minha barriga, na medicação, nos vários factores que possam ter interferido para este descalabro mas basicamente neste momento só é preciso eu querer viver.
(fui olhar para mim outra vez - os meus lábios não parecem tão finos como eu penso que eles são)
Eu nem discuti com a médica, bastou olhar para ela, respirar fundo, esticar as pernas,coçar a nuca e dizer, a expirar, pois é.
Às vezes, eu observo o pânico das pessoas saudáveis perante a hipótese de adoecerem e penso em como, efectivamente, eu não ligo assim tanto ao meu corpo.
Consigo saber que ele está a apodrecer e não fazer absolutamente nada.
(tirei os óculos para me ver mas sem óculos não vejo muito nítido).
"motivação interior"
Isso é o quê mesmo?
As pessoas que gostam de mim às vezes falam-me em cura, e eu, da minha altivez de doente crónica, desprezo esse discurso, e explico o que é possível e o que é impossível.
Mas se calhar se eu gostasse tanto de mim como essas pessoas, eu tinha o diário da glicémia mais actualizado, eu estudava-o semanalmente, eu gastava tempo com o meu corpo, e alterava o esquema de insulina quantas vezes fosse preciso até ficar bem.
Mas eu prefiro com webcam.
Para me ver a mim e aos outros.
E prefiro com música.
E gosto mais quando a conversa não é séria.
Adoro quando é para rir.
É reconfortante quando a culpa não é minha, seria mesmo bom que eu não precisasse de querer viver para viver.
(de facto, eu fui ver agora o meu ar e é assustadoramente sério e pesado, se calhar é mesmo melhor sem webcam)
quinta-feira, 1 de outubro de 2009
Web. 2.0, a minha reputação digital e a dracma perdida

Pois é.
É ele.
Parecia um livro, ou filme, ou mesmo um videoclip dos bons, pelo menos na minha cabeça parecia, quando eu me aproximei do sítio onde o tinha visto há dias e comecei a abrandar para ver se ele ainda lá estava.
Não tive que procurar muito quando o vi, o meu botão.
Apanhei-o e olhei bem para ele.
Comecei a rir.
Depois levei-o fechado na minha mão e fui sempre a rir até ao trabalho.
Na verdade, nem atribuí nenhum simbolismo a esta historieta até ao final do dia, quando contei a um amigo que tinha encontrado o botão perdido e ele me resmungou: boa, então a ver se agora vais aí apanhar os outros botões que andam perdidos, numa alusão ao catalão e às coisas boas da vida em geral.
Só não lhe dei um estalo na cara ali mesmo porque ele é meu amigo, mas ele já devia saber que isso de se dizerem verdades aos amigos já foi chão que deu uvas, toda a gente sabe que, a bem do bom funcionamento da amizade, o melhor é dizer aquilo que o nosso interlocutor quer ouvir.
E eu queria ouvir: mas essa história do botão é a mais maravilhosa que ouvi nos últimos tempos, atribuíste-lhe algum simbolismo?
E eu responderia que não, que isso é só um botão qualquer que ficou dias a fio no chão, a ser pisado pelos transeuntes e atropelado pelos ciclistas que frequentam o jardim, à minha espera virado para baixo, para eu o reencontrar, como uma surpresa boa, como nos filmes em que parece que a personagem principal está morta mas depois abre os olhos muito de repente, foi só isso, só um botão que mais parece aquele sonho que eu tinha nas férias de verão, quando vinha uma onda grande e trazia centenas de brinquedos de praia, todos para mim, e agora o botão está no meu bolso, mas não tem qualquer simbologia, que eu só digo a mim mesma aquilo que eu quero ouvir.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
"O-o-old habits die hard when you got a sentimental heart "
Ia a pensar na estranha insistência das pessoas da cidade em apregoar que o correcto é esterilizar animais como a minha gata Jonas, que emprenham sempre pela altura do cio, quando vi no chão um botãozinho em forma de rosa vermelha, de plástico cor-de-rosa.
Parei, e olhei para ele.
Ele olhou para mim.
Não o apanhei e achei que tinha chegado à idade adulta.
Adulta não, antes medrosa, medricas, mandriona e chata. Não me quis agachar, mexer no chão mas ainda hoje me lembro dele e arrependo-me de não o ter apanhado.
Se calhar o amor é mesmo a Celine Dion a guinchar-me que está ready to learn the power of love de um radio qualquer na Catalunha, eu só ando a ver se me mantenho aberta a todas as inovações, desde que sejam para melhor.
Neste sentido, abro o meu coração à perspectiva de não saber de todo o que é amar, o amor, receber amor, sei lá o que digo, mas sei que até agora até tem estado a ser bom.
Só que em caso de dúvida ou de persistência de certos sintomas deve consultar-se o médico e foi mais ou menos por isto que dei por mim, nessa tarde em que deixei o meu botão de rosa sozinho no chão do jardim do Campo Grande abandonado à sua sorte, a pensar em fazer terapia, eu que nem acredito em terapia, mas agora como ando nesta coisa meio idiota, meio existencialista, meio libertadora, meio assustadora de colocar em causa e relativizar muita coisa que eu achava saber, porque não ir a um terapeuta e dizer-lhe que
suspeito que tenho um problema.
(aqui faço uma pausa e respiro fundo - uso depois as mãos para enfatizar a minha reflexão)
Nos momentos de uma relação em que eu pressinto que é preciso tomar uma decisão que a faça evoluir e a bola está do meu lado, eu bloqueio, ou finjo que bloqueio
(aqui uma risada para induzir o terapeuta a gostar de mim porque eu tenho necessidade que toda a gente goste de mim),
eu sou preguiçosa e vou pelo caminho mais fácil que é terminar tudo, engonhando um bocado antes mas depois acabando com tudo e pronto.
(aqui eu faço uma cara séria e introspectiva, talvez um queixinho a tremer na promessa de uma lágrima e continuo, em jeito de conclusão)
Eu sei. eu sei que que isto de "tomar decisões"
(gesto das aspas)
é uma ilusão, é uma coisa que eu crio na minha cabeça, uma pressão sobre a minha vida...
(talvez aqui o terapeuta queira dizer alguma coisa e por isso calo-me um bocado mas depois continuo)
O melhor é viver, e não meta viver, não é?
(aqui faço um sorriso triste e olho para o infinito e penso, ganhei esta merda toda, ganhei no jogo da terapia, fui mais longe que o terapeuta, com esta do meta viver é que o lixei)
Termina a sessão e vejo que fez efeito quando penso:
Que se lixe, venha o Phil Collins, eu quero ser como a Celine e estar ready para aprender o power do amor, sem que isso me dê vontade de fugir e de rir, não necessariamente por esta ordem.
Parei, e olhei para ele.
Ele olhou para mim.
Não o apanhei e achei que tinha chegado à idade adulta.
Adulta não, antes medrosa, medricas, mandriona e chata. Não me quis agachar, mexer no chão mas ainda hoje me lembro dele e arrependo-me de não o ter apanhado.
Se calhar o amor é mesmo a Celine Dion a guinchar-me que está ready to learn the power of love de um radio qualquer na Catalunha, eu só ando a ver se me mantenho aberta a todas as inovações, desde que sejam para melhor.
Neste sentido, abro o meu coração à perspectiva de não saber de todo o que é amar, o amor, receber amor, sei lá o que digo, mas sei que até agora até tem estado a ser bom.
Só que em caso de dúvida ou de persistência de certos sintomas deve consultar-se o médico e foi mais ou menos por isto que dei por mim, nessa tarde em que deixei o meu botão de rosa sozinho no chão do jardim do Campo Grande abandonado à sua sorte, a pensar em fazer terapia, eu que nem acredito em terapia, mas agora como ando nesta coisa meio idiota, meio existencialista, meio libertadora, meio assustadora de colocar em causa e relativizar muita coisa que eu achava saber, porque não ir a um terapeuta e dizer-lhe que
suspeito que tenho um problema.
(aqui faço uma pausa e respiro fundo - uso depois as mãos para enfatizar a minha reflexão)
Nos momentos de uma relação em que eu pressinto que é preciso tomar uma decisão que a faça evoluir e a bola está do meu lado, eu bloqueio, ou finjo que bloqueio
(aqui uma risada para induzir o terapeuta a gostar de mim porque eu tenho necessidade que toda a gente goste de mim),
eu sou preguiçosa e vou pelo caminho mais fácil que é terminar tudo, engonhando um bocado antes mas depois acabando com tudo e pronto.
(aqui eu faço uma cara séria e introspectiva, talvez um queixinho a tremer na promessa de uma lágrima e continuo, em jeito de conclusão)
Eu sei. eu sei que que isto de "tomar decisões"
(gesto das aspas)
é uma ilusão, é uma coisa que eu crio na minha cabeça, uma pressão sobre a minha vida...
(talvez aqui o terapeuta queira dizer alguma coisa e por isso calo-me um bocado mas depois continuo)
O melhor é viver, e não meta viver, não é?
(aqui faço um sorriso triste e olho para o infinito e penso, ganhei esta merda toda, ganhei no jogo da terapia, fui mais longe que o terapeuta, com esta do meta viver é que o lixei)
Termina a sessão e vejo que fez efeito quando penso:
Que se lixe, venha o Phil Collins, eu quero ser como a Celine e estar ready para aprender o power do amor, sem que isso me dê vontade de fugir e de rir, não necessariamente por esta ordem.
terça-feira, 22 de setembro de 2009
O pior mesmo são os educated men
Roslyn: “You don’t like educated women?”
Gay: “They’re all right. Always wanting to know what you’re thinking, that’s all.”
Roslyn: “Maybe they’re trying to get to know you better.”
Gay: “Did you ever get to know a man better by asking him questions?”
Gay: “They’re all right. Always wanting to know what you’re thinking, that’s all.”
Roslyn: “Maybe they’re trying to get to know you better.”
Gay: “Did you ever get to know a man better by asking him questions?”
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Ainda não sei se gosto de Setembro mas acho que sim, que é muito bonito
Elias, que era muito famoso, foi procurar Deus no monte Horeb, que era onde Deus estava sempre.
E depois, pareceu-lhe ouvir qualquer coisa, veio um grande vento mas Deus não estava no vento. E veio um grande fogo mas de Deus nem sinal. Penso que ainda veio uma grande trovoada mas Deus também não estava na trovoada.
Veio depois o silêncio e a brisa e, claro, está-se mesmo a ver que era aí que Deus estava.
Pois nem sempre esta história me parece boa.
Eu dou por mim, quando não estou a tentar encontrar deus mas estou só a tentar resolver problemas emocionais - relações à distância e essas coisas - dou então por mim a fazer caixas de pasteleiro, chapéus, barcos e quantos-queres com bocados de papel que deixo aqui na minha mesa (e até lá no trabalho) para quando começo a ficar ansiosa.
Segundo me explicaram, o cérebro gosta de aprender estas coisas manuais e depois pratica-las.
A mim, acalma-me mas reconheço que me alarmo quando olho para a minha mesa de trabalho cheia de origamis básicos para quem não gosta de origamis mas gosta de fazer trabalhos manuais.
Eu fico nervosa com várias coisas, tenho 28 anos e já arranjei uns lenitivos bem eficazes que me ajudam bastante mas que têm um senão - é o silêncio.
Porque quando eu fico muito nervosa, eu não falo, eu faço caixas de pasteleiro com pedaços do lixo, e faço-as em silêncio, a respirar violência, a sentir um fogo, um trovão e uma ventania daquelas dentro do meu peito e também nas pernas e nos ombros. Nesses momentos, eu visualizo-me a dar pontapés e murros como nos filmes, em geral a vítima é o meu interlocutor, mas se calhar se eu for a ver bem, a vitima sou eu, a primeira a ser agredida sou eu e estou só a defender-me, recortando rectângulos para as caixinhas saírem perfeitas.
Se eu fosse ao monte Horeb, neste dia de sol, eu dizia ao Elias: não achas que esta coisa de escutar o silêncio é uma grande parvoíce? Vamos antes ouvir música. E o Elias dizia-me: sim, mas não me agridas.
E depois, pareceu-lhe ouvir qualquer coisa, veio um grande vento mas Deus não estava no vento. E veio um grande fogo mas de Deus nem sinal. Penso que ainda veio uma grande trovoada mas Deus também não estava na trovoada.
Veio depois o silêncio e a brisa e, claro, está-se mesmo a ver que era aí que Deus estava.
Pois nem sempre esta história me parece boa.
Eu dou por mim, quando não estou a tentar encontrar deus mas estou só a tentar resolver problemas emocionais - relações à distância e essas coisas - dou então por mim a fazer caixas de pasteleiro, chapéus, barcos e quantos-queres com bocados de papel que deixo aqui na minha mesa (e até lá no trabalho) para quando começo a ficar ansiosa.
Segundo me explicaram, o cérebro gosta de aprender estas coisas manuais e depois pratica-las.
A mim, acalma-me mas reconheço que me alarmo quando olho para a minha mesa de trabalho cheia de origamis básicos para quem não gosta de origamis mas gosta de fazer trabalhos manuais.
Eu fico nervosa com várias coisas, tenho 28 anos e já arranjei uns lenitivos bem eficazes que me ajudam bastante mas que têm um senão - é o silêncio.
Porque quando eu fico muito nervosa, eu não falo, eu faço caixas de pasteleiro com pedaços do lixo, e faço-as em silêncio, a respirar violência, a sentir um fogo, um trovão e uma ventania daquelas dentro do meu peito e também nas pernas e nos ombros. Nesses momentos, eu visualizo-me a dar pontapés e murros como nos filmes, em geral a vítima é o meu interlocutor, mas se calhar se eu for a ver bem, a vitima sou eu, a primeira a ser agredida sou eu e estou só a defender-me, recortando rectângulos para as caixinhas saírem perfeitas.
Se eu fosse ao monte Horeb, neste dia de sol, eu dizia ao Elias: não achas que esta coisa de escutar o silêncio é uma grande parvoíce? Vamos antes ouvir música. E o Elias dizia-me: sim, mas não me agridas.
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
"Coração de manteiga exposto ao sol"
A frase não é minha, mas é isso mesmo que eu penso quando chega o serão e eu dou por mim a morrer de saudade, como uma personagem de um fado daqueles que dão no programa Alma Lusa, que passa na Antena 1.
Os meus tempos de durona duraram exactamente 23 dias (com alguns dias intercalados em que eu apenas fingia, mas fingia tão bem que até a mim me enganava) e volto agora à minha condição de carente.
Por um lado, há um certo alívio, como quando contamos a verdade a alguém.
Porque a verdade não é o contrário da mentira, a verdade tem a ver com revelação.
Claro está que eu adoraria revelar muita coisa, e cobrir outras com mantas cheias de floreados, que eu sempre adorei inventar histórias.
[Todas as flores que a minha avó cuidava estavam sempre viçosas.
Todas.
Eu estou a tentar que uma violeta africana sobreviva na minha cozinha e que uma batata doce metida em água dê aquelas folhas luxuriantes que tanto gosto.
Quando a minha avó já tinha muitas dores, a minha mãe chegava-se junto a ela e falava-lhe de flores e ela aliviava um pouco.]
Dei-me conta de que ele não estava cá em casa (e nem ia estar mais) numa terça à noite, a fazer xixi. Olhei para a janela e entendi.
Pronto, agora vou lidar com isso da melhor (e única) maneira que sei: deixar o tempo passar.
Vou decorar a letra daquela musica popular do Brasil, que se chama a saudade mata a gente, canta-la às vezes ao longo do dia, encher uma manta de flores e cobrir esta história.
E porque a manteiga não deve estar ao sol, que se estraga, vou pegar nela e coloca-la num lugar fresco e seco.
Nota: quanto ao título deste post, o melhor é ver: http://www.fotolog.com/bonjourtristesse
Os meus tempos de durona duraram exactamente 23 dias (com alguns dias intercalados em que eu apenas fingia, mas fingia tão bem que até a mim me enganava) e volto agora à minha condição de carente.
Por um lado, há um certo alívio, como quando contamos a verdade a alguém.
Porque a verdade não é o contrário da mentira, a verdade tem a ver com revelação.
Claro está que eu adoraria revelar muita coisa, e cobrir outras com mantas cheias de floreados, que eu sempre adorei inventar histórias.
[Todas as flores que a minha avó cuidava estavam sempre viçosas.
Todas.
Eu estou a tentar que uma violeta africana sobreviva na minha cozinha e que uma batata doce metida em água dê aquelas folhas luxuriantes que tanto gosto.
Quando a minha avó já tinha muitas dores, a minha mãe chegava-se junto a ela e falava-lhe de flores e ela aliviava um pouco.]
Dei-me conta de que ele não estava cá em casa (e nem ia estar mais) numa terça à noite, a fazer xixi. Olhei para a janela e entendi.
Pronto, agora vou lidar com isso da melhor (e única) maneira que sei: deixar o tempo passar.
Vou decorar a letra daquela musica popular do Brasil, que se chama a saudade mata a gente, canta-la às vezes ao longo do dia, encher uma manta de flores e cobrir esta história.
E porque a manteiga não deve estar ao sol, que se estraga, vou pegar nela e coloca-la num lugar fresco e seco.
Nota: quanto ao título deste post, o melhor é ver: http://www.fotolog.com/bonjourtristesse
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
Como os Smiths apareceram como um pesadelo no meu romance não-indie
Decidi que desta vez, com o catalão, eu ia fazer diferente.
Como o George naquele episódio do Seinfeld em que ele decide fazer o oposto do que costuma fazer.
Mas merda, cometi o erro de levar o leitor de mp3 para o aeroporto, para a minha primeira espera amorosa.
De maneira que vi que o avião tinha aterrado, mas pensei, ah, vou só ouvir mais esta musica, ah, só mais o this year dos mountain goats que é tão energética, ah vou ver se tenho o saturday sun do nick drake.
Bom, depois o telefone tocou e ele já estava perdido perto dos taxis e eu pensei, merda, queria mesmo viver aquele momento em que se levanta o braço, assim de uma forma nervosa, depois antes do encontro ainda há uma rampa, e uma pessoa nem sabe bem o que há-de fazer. Em vez disso, estava distraída a ouvir musica....
Mas sou maravilhosa, sou viva, fresca, sol em Lisboa, sem pensar no futuro, um minuto após o outro, tudo bem, alguns traumas, podem ser marcas como as da igreja de São Domingos, é isso mesmo, estes traumas que ele me causa com as coisas que me diz sobre mim, não são para destruir, são só para fazer de mim uma igreja de São Domingos, são sardas, sardaniscas, pronto, são coisas normais nos relacionamentos. São aquelas coisas que no fundo os homens me costumam dizer, numa altura ou noutra, o que eu acho mesmo mesmo (e sinto o meu ego maroto a sorrir), o que eu acho mesmo é que sou a mais sã deles todos, que eles sim têm traumas e é nesse instante em que se denuncia a fraqueza deles que eu ofereço o meu colo e pronto, ganhei eu.
Enfim, isto para dizer que esteve um sabádo bem lindo, não?
Mas domingo de manhã, sentados no tapete de lã, eu disse uma coisa, ele percebeu outra, a zanga foi feia, não nos entendíamos, ai meu deus que ambiente que se criou, bom, e nisto, ele levanta-se, vai tomar banho, eu suspiro e ponho os braços para trás, a minha mão toca no comando e começa a tocar o that joke isn'y funny anymore em altos berros, e eu tenho uma experiência mística, o comando não apaga aquilo, eu grito, cala-te Morrisey, cala-te por favor, não tens lugar neste romance, sai por favor.
Consegui desligar, quase tive vontade de chorar.
Depois o equívoco de linguagem foi esclarecido, até nos rimos, que domingo mais lindo, granizado e pasteis de Belem, como se eu nem sequer fosse diabética, o taxi que ia tendo um acidente grave, a dança, as fotografias enquanto ele dormia a sesta.

E o melhor disto tudo é como acabou bem.
Porque ele disse que, perante a minha realidade e a história da minha vida, ele entendia que eu não vivesse com os pés do chão, porque eu não me podia dar ao luxo de pôr os pés no chão, mas que assim, como eu vivia - numa realidade distorcida mas intensa - era a maneira melhor para mim.
- Tu deslumbras-me. E quanto a nós, Deus dirá.
E assim, com esta bela conversa de despedida que eu desta forma tão inconfidente e perversa publico aqui no blog, eu nem o contradisse para lhe explicar como os meus pés estão tão enraízados como o tronco de uma acácia, e agora sim, com beijo com língua perto das portas de embarque e sem leitor de mp3 para o regresso (preparo-o agora para amanhã...), eu tive a minha primeira despedida amorosa num aeroporto.
Como o George naquele episódio do Seinfeld em que ele decide fazer o oposto do que costuma fazer.
Mas merda, cometi o erro de levar o leitor de mp3 para o aeroporto, para a minha primeira espera amorosa.
De maneira que vi que o avião tinha aterrado, mas pensei, ah, vou só ouvir mais esta musica, ah, só mais o this year dos mountain goats que é tão energética, ah vou ver se tenho o saturday sun do nick drake.
Bom, depois o telefone tocou e ele já estava perdido perto dos taxis e eu pensei, merda, queria mesmo viver aquele momento em que se levanta o braço, assim de uma forma nervosa, depois antes do encontro ainda há uma rampa, e uma pessoa nem sabe bem o que há-de fazer. Em vez disso, estava distraída a ouvir musica....
Mas sou maravilhosa, sou viva, fresca, sol em Lisboa, sem pensar no futuro, um minuto após o outro, tudo bem, alguns traumas, podem ser marcas como as da igreja de São Domingos, é isso mesmo, estes traumas que ele me causa com as coisas que me diz sobre mim, não são para destruir, são só para fazer de mim uma igreja de São Domingos, são sardas, sardaniscas, pronto, são coisas normais nos relacionamentos. São aquelas coisas que no fundo os homens me costumam dizer, numa altura ou noutra, o que eu acho mesmo mesmo (e sinto o meu ego maroto a sorrir), o que eu acho mesmo é que sou a mais sã deles todos, que eles sim têm traumas e é nesse instante em que se denuncia a fraqueza deles que eu ofereço o meu colo e pronto, ganhei eu.
Enfim, isto para dizer que esteve um sabádo bem lindo, não?
Mas domingo de manhã, sentados no tapete de lã, eu disse uma coisa, ele percebeu outra, a zanga foi feia, não nos entendíamos, ai meu deus que ambiente que se criou, bom, e nisto, ele levanta-se, vai tomar banho, eu suspiro e ponho os braços para trás, a minha mão toca no comando e começa a tocar o that joke isn'y funny anymore em altos berros, e eu tenho uma experiência mística, o comando não apaga aquilo, eu grito, cala-te Morrisey, cala-te por favor, não tens lugar neste romance, sai por favor.
Consegui desligar, quase tive vontade de chorar.
Depois o equívoco de linguagem foi esclarecido, até nos rimos, que domingo mais lindo, granizado e pasteis de Belem, como se eu nem sequer fosse diabética, o taxi que ia tendo um acidente grave, a dança, as fotografias enquanto ele dormia a sesta.
E o melhor disto tudo é como acabou bem.
Porque ele disse que, perante a minha realidade e a história da minha vida, ele entendia que eu não vivesse com os pés do chão, porque eu não me podia dar ao luxo de pôr os pés no chão, mas que assim, como eu vivia - numa realidade distorcida mas intensa - era a maneira melhor para mim.
- Tu deslumbras-me. E quanto a nós, Deus dirá.
E assim, com esta bela conversa de despedida que eu desta forma tão inconfidente e perversa publico aqui no blog, eu nem o contradisse para lhe explicar como os meus pés estão tão enraízados como o tronco de uma acácia, e agora sim, com beijo com língua perto das portas de embarque e sem leitor de mp3 para o regresso (preparo-o agora para amanhã...), eu tive a minha primeira despedida amorosa num aeroporto.
terça-feira, 1 de setembro de 2009
Taizé - o possível é sobrestimado
De modo a registar tudo e a retirar o máximo, eu tentava fazer tirar bons apontamentos no meu coração.
Mas, infelizmente, não sei estenografia, nunca aprendi.
E estou mais habituada a retirar e a comprar do que a receber.
Assim, respirei fundo, abri o coração e recebi.
As pessoas perguntam-me onde estive de férias.
- Estive em Taizé.
- O que é isso?
- É uma aldeia na França.

Mas, infelizmente, não sei estenografia, nunca aprendi.
E estou mais habituada a retirar e a comprar do que a receber.
Assim, respirei fundo, abri o coração e recebi.
As pessoas perguntam-me onde estive de férias.
- Estive em Taizé.
- O que é isso?
- É uma aldeia na França.

http://www.taize.fr/ext/sound/mp3/behute_mich_gott.mp3
sábado, 8 de agosto de 2009
Nas férias eu ando sempre com a mesma roupa, a cheirar mal e a comer peixe grelhado
E quando a águia voa, eu fico a olhar como eles, e eu fico a olhar para eles.
E é precisamente nesse momento que os apanhamos, desprevenidos, pequeninos, sem graça, reduzidos à tristeza dos territórios ordenados e dos países desenvolvidos.
E é o voo da águia que me silencia também a mim, a mim que nunca me lembrei de colocar uma águia a voar na minha vida, no início de cada dia, como um ritual que me eleva à condição de anjo, de anjo com quatro asas que espanta todo o mundo não porque as tem mas antes porque as usa.
E é precisamente nesse momento que os apanhamos, desprevenidos, pequeninos, sem graça, reduzidos à tristeza dos territórios ordenados e dos países desenvolvidos.
E é o voo da águia que me silencia também a mim, a mim que nunca me lembrei de colocar uma águia a voar na minha vida, no início de cada dia, como um ritual que me eleva à condição de anjo, de anjo com quatro asas que espanta todo o mundo não porque as tem mas antes porque as usa.
domingo, 2 de agosto de 2009
1º de Agosto, 1º de Inverno mas o primeiro desgosto pode não ser eterno
São 14h15 e falta um quarto de hora para abrir a loja dos 300....
Vamos até ao miradouro perto das bombas de gasolina.
O mar nunca deixa de ser uma boa surpresa.
- Olha, é o Cabo da Roca. Nunca lá fui.
- E o que te impede de ires? É a ponta mais ocidental da Europa.
Ri-me.
- Vou depois de ir a Gibraltar, e Aveiro e a Lourdes...
O meu irmão riu-se comigo.
A minha tia não percebeu a piada.
E a piada é que acabo por nunca ir a lado nenhum.
Retomamos a marcha para a loja dos 300, que estava agora prestes a abrir.
- Aveiro - disse o meu irmão a coçar o queixo - até podes ir de comboio.
- Posso ir e vir. Aliás, posso pegar e ir a Madrid, que também é num instante.
- Isso é melhor esperares pelo TGV.
- Ai eu não. - a minha tia entrou na conversa - Eu se é para ir a um sítio, não gosto de ir e vir no mesmo dia. Gosto de ir, ficar lá nas calmas e vir. Eu nem a Fátima consigo ir e vir no mesmo dia.
-Pff, eu punha-me numa hora e 20 minutos no máximo em Fátima - o meu irmão gosta muito de gozar.
Eu olhei para trás, e ele disse:
- Então, vamos agora ao Cabo da Roca. Ele está mesmo ali, é só seguir em frente. Não pretendo demorar mais que 40 minutos a lá chegar.
Vamos até ao miradouro perto das bombas de gasolina.
O mar nunca deixa de ser uma boa surpresa.
- Olha, é o Cabo da Roca. Nunca lá fui.
- E o que te impede de ires? É a ponta mais ocidental da Europa.
Ri-me.
- Vou depois de ir a Gibraltar, e Aveiro e a Lourdes...
O meu irmão riu-se comigo.
A minha tia não percebeu a piada.
E a piada é que acabo por nunca ir a lado nenhum.
Retomamos a marcha para a loja dos 300, que estava agora prestes a abrir.
- Aveiro - disse o meu irmão a coçar o queixo - até podes ir de comboio.
- Posso ir e vir. Aliás, posso pegar e ir a Madrid, que também é num instante.
- Isso é melhor esperares pelo TGV.
- Ai eu não. - a minha tia entrou na conversa - Eu se é para ir a um sítio, não gosto de ir e vir no mesmo dia. Gosto de ir, ficar lá nas calmas e vir. Eu nem a Fátima consigo ir e vir no mesmo dia.
-Pff, eu punha-me numa hora e 20 minutos no máximo em Fátima - o meu irmão gosta muito de gozar.
Eu olhei para trás, e ele disse:
- Então, vamos agora ao Cabo da Roca. Ele está mesmo ali, é só seguir em frente. Não pretendo demorar mais que 40 minutos a lá chegar.

domingo, 26 de julho de 2009
Venham comigo para um lugar isolado e descansem um pouco mas tragam comida
- Vou coser estas calças e passar estas saias a ferro.
Deitou-se no sofá e começou a falar sem parar.
Sábado à noite, estava muito vento ao pé do mar, eu pretendia ir andar a pé.
Peguei numa linha e numa agulha e sentei-me a fazer uma mala para a minha irmã.
Deitada no sofá - só hoje me lembrei disto - era como uma sessão de terapia daquelas que vemos nos filmes.
Contava-me como a minha sobrinha mais nova a faz recordar a minha mãe, como ela se está a lembrar de coisas que tinha guardadas no mais profundo do seu inconsciente e que só agora as recorda.
A minha mãe com um ano e meio, vestida com a fronha de uma almofada, a dançar em cima de uma mesa, o meu avô a rir.
- Elas são umas engraçadinhas, não é uma graça forçada, aquela graça é mesmo natural, e isso vai sempre fazer com elas ganhem na vida.
Eu não consegui deixar de lhe lançar um olhar de repreensão quando ela disse isto.
Ela refez a frase e o discurso, afinal não podia ser terapia, era só um serão de costura onde ela falou de coisas importantes, de telenovelas, das gravações do MEO, do bolero de Ravel com uma coreografia que ela vê vezes sem conta (eu gravei para a tua mãe, porque ela gosta muito dessa música mas ela nem ligou).
Eu disse:
- É um processo de anamnese.
Ela disse:
- Eu sempre gostei do Sócrates e do Platão, eu até comprei livros deles para ler que acho esse tempo muito bonito.
O serão acabou, o domingo passou, eu vinha no carro e tive uma grande vontade de me libertar através da dança mas desse sentimento físico passei para uma melancolia psíquica derivada do facto de não ter um par para o baile.
Horas mais tarde, perante uma multidão esfomeada, Jesus veio ter comigo e perguntou-me se eu tinha pão para dar.
Eu respondi que nem para mim tinha.
Ele disse que não fazia mal, que ele era deus e então ia transformar 7 pães em 7 mil e que ninguém ia ficar com fome.
Fez-me uma festa na cabeça e assegurou-me: não tens que te envergonhar da tua situação, de não teres pão. Não faz mal.
Depois, a multidão, vendo nele uma mina de ouro - ou de pão -, quiseram votar nele para rei e então Jesus fugiu.
Antes de fugir disse-me que os seus milagres não se destinavam a ser soluções mas antes pedradas no charco do fatalismo.
- Tudo pode ser diferente, disse-me ele já a correr, levando um pão consigo e deixando-me a mim um bocado confusa, no meio de alguma solidão.
Deitou-se no sofá e começou a falar sem parar.
Sábado à noite, estava muito vento ao pé do mar, eu pretendia ir andar a pé.
Peguei numa linha e numa agulha e sentei-me a fazer uma mala para a minha irmã.
Deitada no sofá - só hoje me lembrei disto - era como uma sessão de terapia daquelas que vemos nos filmes.
Contava-me como a minha sobrinha mais nova a faz recordar a minha mãe, como ela se está a lembrar de coisas que tinha guardadas no mais profundo do seu inconsciente e que só agora as recorda.
A minha mãe com um ano e meio, vestida com a fronha de uma almofada, a dançar em cima de uma mesa, o meu avô a rir.
- Elas são umas engraçadinhas, não é uma graça forçada, aquela graça é mesmo natural, e isso vai sempre fazer com elas ganhem na vida.
Eu não consegui deixar de lhe lançar um olhar de repreensão quando ela disse isto.
Ela refez a frase e o discurso, afinal não podia ser terapia, era só um serão de costura onde ela falou de coisas importantes, de telenovelas, das gravações do MEO, do bolero de Ravel com uma coreografia que ela vê vezes sem conta (eu gravei para a tua mãe, porque ela gosta muito dessa música mas ela nem ligou).
Eu disse:
- É um processo de anamnese.
Ela disse:
- Eu sempre gostei do Sócrates e do Platão, eu até comprei livros deles para ler que acho esse tempo muito bonito.
O serão acabou, o domingo passou, eu vinha no carro e tive uma grande vontade de me libertar através da dança mas desse sentimento físico passei para uma melancolia psíquica derivada do facto de não ter um par para o baile.
Horas mais tarde, perante uma multidão esfomeada, Jesus veio ter comigo e perguntou-me se eu tinha pão para dar.
Eu respondi que nem para mim tinha.
Ele disse que não fazia mal, que ele era deus e então ia transformar 7 pães em 7 mil e que ninguém ia ficar com fome.
Fez-me uma festa na cabeça e assegurou-me: não tens que te envergonhar da tua situação, de não teres pão. Não faz mal.
Depois, a multidão, vendo nele uma mina de ouro - ou de pão -, quiseram votar nele para rei e então Jesus fugiu.
Antes de fugir disse-me que os seus milagres não se destinavam a ser soluções mas antes pedradas no charco do fatalismo.
- Tudo pode ser diferente, disse-me ele já a correr, levando um pão consigo e deixando-me a mim um bocado confusa, no meio de alguma solidão.
terça-feira, 14 de julho de 2009
No velório do senhor Joaquim, guess I'm doing fine
O mundo é mais cruel para as mulheres.
O cruel é mais mundo para as mulheres.
Contava o meu pai, de uma forma demasiado entusiasmada para um velório, que ele, o defunto, bebia copos de 3 com o meu bisavô Aniceto.
Quanto a mim, eu vivo em muitas mentiras e quando eu digo a verdade é como naquele sonho que eu tive esta noite, em que alguém me pegava ao colo e me fazia rodopiar.
Eu digo a verdade e é como se morresse e me reconciliasse com Deus, delícias eternas à sua direita, ou campos muito muito verdes como me conta o meu avô acerca das suas experiências pós morte, que segundo ele já lhe aconteceram duas vezes (ou 3, já não tenho bem a certeza).
Sonho um dia dizer toda a verdade acerca de mim e do meu corpo e contemplar a face de Deus, na presença dos anjos e de todos os meus mais queridos que faleceram antes de mim.
Entretanto, vou pensando sobre o que pode ser verdade, entre uma série de televisão ou uma ida a um velório, entre um dia de trabalho ou uma discussão familiar.
Quem me dera antes ir beber copos de 3 com o senhor Joaquim e o meu avô Aniceto, falar sobre melros e mulheres e, talvez, aprender alguma coisa sobre os homens.
O cruel é mais mundo para as mulheres.
Contava o meu pai, de uma forma demasiado entusiasmada para um velório, que ele, o defunto, bebia copos de 3 com o meu bisavô Aniceto.
Quanto a mim, eu vivo em muitas mentiras e quando eu digo a verdade é como naquele sonho que eu tive esta noite, em que alguém me pegava ao colo e me fazia rodopiar.
Eu digo a verdade e é como se morresse e me reconciliasse com Deus, delícias eternas à sua direita, ou campos muito muito verdes como me conta o meu avô acerca das suas experiências pós morte, que segundo ele já lhe aconteceram duas vezes (ou 3, já não tenho bem a certeza).
Sonho um dia dizer toda a verdade acerca de mim e do meu corpo e contemplar a face de Deus, na presença dos anjos e de todos os meus mais queridos que faleceram antes de mim.
Entretanto, vou pensando sobre o que pode ser verdade, entre uma série de televisão ou uma ida a um velório, entre um dia de trabalho ou uma discussão familiar.
Quem me dera antes ir beber copos de 3 com o senhor Joaquim e o meu avô Aniceto, falar sobre melros e mulheres e, talvez, aprender alguma coisa sobre os homens.
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Quando eu vier de Londres e MiddleScreen, serei uma pessoa melhor
- Ele acha-te "extraordinariamente bonita"... "extraordinariamente bonita" - repeti eu, tentando imitar o tom de deleite que ele usou para caracterizar esta rapariga.
Ela riu-se, eu acho que ela estava contente por ele a achar bonita, ela não quer nenhum tipo de romance com ele, ela é bem casada mas fez um sorriso de contentamento, como se estivesse a olhar ao espelho e descobrisse que a blusa que usava lhe ficava mesmo bem.
Uma outra (éramos 4, íamos levantar dinheiro para pagar o jantar) disse:
- Ah isso é óptimo, faz muito bem à auto estima de uma mulher ouvir isso.
Eu concordei, pois faz, "extraordinariamente bonita" num tom de deleite.
Mas a 4ª rapariga do grupo explicou-nos logo que isso era uma coisa portuguesa:
-Ah! - espantei-me eu - no estrangeiro as pessoas não têm problemas de auto estima?
Ela explicou-me, e até fez sentido para mim, que não era bem isso mas antes que as pessoas tinham menos necessidade de ouvir piropos, não ligavam tanto a isso e eram mais seguras, menos ligadas ao que os outros pensam.
Eu depois pensei que nos filmes americanos de amor, há sempre uma altura em que ele diz a ela que ela é beautiful, e depois ela faz exactamente o mesmo sorriso de contentamento que esta rapariga "extraordinariamente bonita" fez.
Eu tinha o rabo maior.
Por isso, como íamos 5 raparigas e um rapaz a conduzir, uma delas disse-me para eu ir à frente e perguntou-me o numero das calças porque lhe parecia óbvio que eu era a mais gorda.
Eu disse: é o 40.
Elas olharam para mim e eu disse: ah, sim mas de nós as 4 sou eu que tenho o rabo maior, sem duvida alguma, por isso eu vou à frente.
Durante a curta viagem de carro, já não sei bem como começamos a falar nisso, dei por mim a desfiar o meu rosário de doenças, captando a atenção e pena de todas elas e dele também.
Acho que passaram a respeitar-me mais e já não fizeram mais piadas sobre o meu rabo.
Depois eu pensei - penso nisso algumas vezes por mês - que as pessoas que não têm formatos (fisicos e psicológicos) standard (que caibam nas roupas ou nos jantares de grupo que existem no mercado) têm que arranjar estratégias de defesa para não a vida do dia a dia não ficar cheia de humilhações.
Eu acabo por caber bem em todo o lado mas também tenho as minhas estratégias - claro, eu sei, de uma certa forma toda a gente as tem.
Provavelmente, no estrangeiro as coisas não se passam assim.
Ela riu-se, eu acho que ela estava contente por ele a achar bonita, ela não quer nenhum tipo de romance com ele, ela é bem casada mas fez um sorriso de contentamento, como se estivesse a olhar ao espelho e descobrisse que a blusa que usava lhe ficava mesmo bem.
Uma outra (éramos 4, íamos levantar dinheiro para pagar o jantar) disse:
- Ah isso é óptimo, faz muito bem à auto estima de uma mulher ouvir isso.
Eu concordei, pois faz, "extraordinariamente bonita" num tom de deleite.
Mas a 4ª rapariga do grupo explicou-nos logo que isso era uma coisa portuguesa:
-Ah! - espantei-me eu - no estrangeiro as pessoas não têm problemas de auto estima?
Ela explicou-me, e até fez sentido para mim, que não era bem isso mas antes que as pessoas tinham menos necessidade de ouvir piropos, não ligavam tanto a isso e eram mais seguras, menos ligadas ao que os outros pensam.
Eu depois pensei que nos filmes americanos de amor, há sempre uma altura em que ele diz a ela que ela é beautiful, e depois ela faz exactamente o mesmo sorriso de contentamento que esta rapariga "extraordinariamente bonita" fez.
Eu tinha o rabo maior.
Por isso, como íamos 5 raparigas e um rapaz a conduzir, uma delas disse-me para eu ir à frente e perguntou-me o numero das calças porque lhe parecia óbvio que eu era a mais gorda.
Eu disse: é o 40.
Elas olharam para mim e eu disse: ah, sim mas de nós as 4 sou eu que tenho o rabo maior, sem duvida alguma, por isso eu vou à frente.
Durante a curta viagem de carro, já não sei bem como começamos a falar nisso, dei por mim a desfiar o meu rosário de doenças, captando a atenção e pena de todas elas e dele também.
Acho que passaram a respeitar-me mais e já não fizeram mais piadas sobre o meu rabo.
Depois eu pensei - penso nisso algumas vezes por mês - que as pessoas que não têm formatos (fisicos e psicológicos) standard (que caibam nas roupas ou nos jantares de grupo que existem no mercado) têm que arranjar estratégias de defesa para não a vida do dia a dia não ficar cheia de humilhações.
Eu acabo por caber bem em todo o lado mas também tenho as minhas estratégias - claro, eu sei, de uma certa forma toda a gente as tem.
Provavelmente, no estrangeiro as coisas não se passam assim.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
Como os religiosos que dizem "eu tenho cá a minha fé", eu digo que "tenho cá a minha esquerda"
Distraí-me um bocado e ouvi expressões como "burgueses" ou "infantários para a classe operária".
Do grupo de 6 que ali estavam, eu era a mais operária deles todos e talvez por isso não tivesse nada para dizer, ou mesmo que tivesse, não saberia falar aquela linguagem.
Depois o tema passou para a ocupação das casas em Lisboa e como "caso o Bloco e o PC tenham bons resultados nas próximas eleições, será possível gerar um clima de menor repressão e assim criar um movimento que, de um dia para o outro e em grande escala, ocupe os fogos vazios", resolvendo o problema de quem não tem casa.
Voltei a distrair-me e recomecei a ouvir precisamente na altura em cada um ia contando a sua história de como era viver em Barcelona antes da cidade se tornar suíça (eu pareceu-me ouvir "suíça" mas eu não sei nada sobre Barcelona).
Barcelona - e outras cidades estrangeiras -foi tema de conversa durante bastante tempo.
Toda a gente parecia ter vivido em Barcelona e todos concordavam que lá a esquerda é a sério, e não têm pejo em usar a violência.
A violência é condenada por todos os que estavam à mesa, mas uns falavam da repressiva e outros da esquerdista.
Horas antes, eu queixava-me à minha médica de como as noites de humidade eram difíceis para mim.
- Pois, é que tu tens ...
- ... uma doença.. eu sei - completei eu, e ri-me.
Rimo-nos as duas.
Estava a queixar-me como se fosse estranho eu ter dores, e é mais do que normal para quem tem doenças reumáticas - ou outras - ter dores.
Pensei que não ia ficar afectada o resto da tarde mas fiquei um pouco.
Fico sempre, após as consultas.
E, ao final do dia, eu ouvia-os a falar - gosto deles todos, são boas pessoas - e pensei que eles estão só a lutar por um mundo mais familiar, por mais justiça, eu não devo ter vontade de rir quando eles falam em burguesia, nem das cusquices das pessoas dos movimentos de esquerda e essas coisas.
São só pessoas, é o que eu começo a entender quando fico a sentir-me com vontade de ir embora ver televisão.
(esta sensação estende-se aos grupos que falam de cinema, musica, academia, e outros temas que têm todo um código não só de linguagem mas também estético, que impõe o que se deve e o que não se deve ser, ou gostar, ou dizer)
Por isso, em vez de rir para dentro enquanto fingia que ouvia, eu lembrei que cada um deles é uma pessoa de quem até gosto, levantei-me e disse que estava cansada e que ia embora.
Do grupo de 6 que ali estavam, eu era a mais operária deles todos e talvez por isso não tivesse nada para dizer, ou mesmo que tivesse, não saberia falar aquela linguagem.
Depois o tema passou para a ocupação das casas em Lisboa e como "caso o Bloco e o PC tenham bons resultados nas próximas eleições, será possível gerar um clima de menor repressão e assim criar um movimento que, de um dia para o outro e em grande escala, ocupe os fogos vazios", resolvendo o problema de quem não tem casa.
Voltei a distrair-me e recomecei a ouvir precisamente na altura em cada um ia contando a sua história de como era viver em Barcelona antes da cidade se tornar suíça (eu pareceu-me ouvir "suíça" mas eu não sei nada sobre Barcelona).
Barcelona - e outras cidades estrangeiras -foi tema de conversa durante bastante tempo.
Toda a gente parecia ter vivido em Barcelona e todos concordavam que lá a esquerda é a sério, e não têm pejo em usar a violência.
A violência é condenada por todos os que estavam à mesa, mas uns falavam da repressiva e outros da esquerdista.
Horas antes, eu queixava-me à minha médica de como as noites de humidade eram difíceis para mim.
- Pois, é que tu tens ...
- ... uma doença.. eu sei - completei eu, e ri-me.
Rimo-nos as duas.
Estava a queixar-me como se fosse estranho eu ter dores, e é mais do que normal para quem tem doenças reumáticas - ou outras - ter dores.
Pensei que não ia ficar afectada o resto da tarde mas fiquei um pouco.
Fico sempre, após as consultas.
E, ao final do dia, eu ouvia-os a falar - gosto deles todos, são boas pessoas - e pensei que eles estão só a lutar por um mundo mais familiar, por mais justiça, eu não devo ter vontade de rir quando eles falam em burguesia, nem das cusquices das pessoas dos movimentos de esquerda e essas coisas.
São só pessoas, é o que eu começo a entender quando fico a sentir-me com vontade de ir embora ver televisão.
(esta sensação estende-se aos grupos que falam de cinema, musica, academia, e outros temas que têm todo um código não só de linguagem mas também estético, que impõe o que se deve e o que não se deve ser, ou gostar, ou dizer)
Por isso, em vez de rir para dentro enquanto fingia que ouvia, eu lembrei que cada um deles é uma pessoa de quem até gosto, levantei-me e disse que estava cansada e que ia embora.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Um dia sem coração é bom, devias experimentar Colette
Hoje acordei sem coração.
Nada me ocorre de sentimental, absolutamente nada.
É um maravilhoso mundo que conheço agora, de grão com bacalhau e a hortelã vivaz na minha cozinha, e sou só uma rapariga que vive e janta sozinha.
Os dias em Junho são grandes e eu, a pensar no Cesário Verde, reflicto em como o campo e a cidade são diferentes, como eu sou diferente do campo agora nestes dias que acordo sem coração na cidade.
Penso também nas wee small hours do frank sinatra e arregaço as calças do pijama porque está mesmo calor.
No meu quintal de certeza que hoje há pirilampos.
Não me confundo, eu não estou "fria", nem "insensível", nada disso.
Quando eu digo que acordei sem coração, apenas quero dizer qualquer coisa como: acordei sem coração.
Perto da minha casa, está a rua Cesário Verde, e eu hoje pensei em ir lá tirar uma foto com ele.
Gostava de dizer-te, Cesário, que arranjaste um nome fixe.
Ce sá ri o.
Queria também dizer-te que acordar sem coração é maravilhoso Cesário, é como um passou bem daqueles sem força. Não quer dizer nada, até se confunde com desprezo mas nada disso, é só um passou bem de pessoas que acordam sem coração.
Confesso-te Cesário, que se eu tivesse acordado com coração, acho que se te visse na rua com esse ar de enfezado que de certeza tinhas, sabes lá o que é o campo, sempre com esses desvios naturo-líricos em vez de ires pela rua direita da decisão, estava eu a dizer, Cesário, se eu tivesse acordado hoje com coração, ia ver-te e talvez desenvolver por ti qualquer coisa, fazer-te tão feliz que nem te punhas a escrever poemas, preferias ficar a ver televisão comigo, e não era ver pirilampos, era ver séries na Fox, entendes?
Mas descansa, eu cheira-me que estou à tua frente emocionalmente, aliás, sinto isso acerca de muita gente, deve ser característica de quem não tem coração.
Nada me ocorre de sentimental, absolutamente nada.
É um maravilhoso mundo que conheço agora, de grão com bacalhau e a hortelã vivaz na minha cozinha, e sou só uma rapariga que vive e janta sozinha.
Os dias em Junho são grandes e eu, a pensar no Cesário Verde, reflicto em como o campo e a cidade são diferentes, como eu sou diferente do campo agora nestes dias que acordo sem coração na cidade.
Penso também nas wee small hours do frank sinatra e arregaço as calças do pijama porque está mesmo calor.
No meu quintal de certeza que hoje há pirilampos.
Não me confundo, eu não estou "fria", nem "insensível", nada disso.
Quando eu digo que acordei sem coração, apenas quero dizer qualquer coisa como: acordei sem coração.
Perto da minha casa, está a rua Cesário Verde, e eu hoje pensei em ir lá tirar uma foto com ele.
Gostava de dizer-te, Cesário, que arranjaste um nome fixe.
Ce sá ri o.
Queria também dizer-te que acordar sem coração é maravilhoso Cesário, é como um passou bem daqueles sem força. Não quer dizer nada, até se confunde com desprezo mas nada disso, é só um passou bem de pessoas que acordam sem coração.
Confesso-te Cesário, que se eu tivesse acordado com coração, acho que se te visse na rua com esse ar de enfezado que de certeza tinhas, sabes lá o que é o campo, sempre com esses desvios naturo-líricos em vez de ires pela rua direita da decisão, estava eu a dizer, Cesário, se eu tivesse acordado hoje com coração, ia ver-te e talvez desenvolver por ti qualquer coisa, fazer-te tão feliz que nem te punhas a escrever poemas, preferias ficar a ver televisão comigo, e não era ver pirilampos, era ver séries na Fox, entendes?
Mas descansa, eu cheira-me que estou à tua frente emocionalmente, aliás, sinto isso acerca de muita gente, deve ser característica de quem não tem coração.
sábado, 6 de junho de 2009
"No mais profundo da condição humana, repousa a espera de uma presença" ou como a birra pariu uma lição
Eu sou tão egocêntrica que no meio de uma melancolia adolescente consigo achar que estou a reflectir todo um conceito.
Nestas últimas semanas calhou-me o "acolhimento".
Não posso deixar de recordar que muito do que sei sobre acolher devo-o a Taizé.
Tenho estado, ao contrário do que era costume há uns anos, do lado da pessoa que é preciso acolher.
E devo dizer que, por isso, sinto os olhos quentes e vontade de chorar e que choro, quando ninguem está a ver, quando eu própria menos espero.
Porque nos ultimos meses tive várias situações concretas em que me vi desacolhida, desabrigada, sozinha, a tentar integrar-me sem sucesso.
E comecei a reflectir sobre isto: será que eu noto quando há pessoas que é preciso acolher e eu nem ligo se se der o caso de eu nesse momento estar já integrada?
Pensei ainda: isto é mais uma daquelas coisas que faz parte da vida adulta.
O pior é quando eu faço tentativas de integração, respirando fundo, pensando em acções concretas para ultrapassar a minha timidez e depois a pessoa que tenho na frente nem entende que o que eu realmente estou a dizer é: leva-me contigo para esse espaço de pertença, eu quero entrar nessa rodinha e brincar a esse jogo.
Se calhar acolher é manter um espaço em branco no nosso coração para o outro, o estranho, o novo, o sozinho.
E esse espaço nunca se preeenche porque, depois do acolhimento, esse novo passa a estar com os velhos, com os habituais do nosso coração.
Por isso, eu peço hoje nas minhas orações para estar atenta a se aparecer o novo, o estranho, o que vem sempre mas se senta no banco do fundo, se aparecer alguém assim a precisar de um espaço vago no meu coração, que eu o veja e o acolha.
Não é que eu seja boa pessoa, nada disso, é só porque se eu fizer isso, já terei companhia caso me apeteça sair.
Nestas últimas semanas calhou-me o "acolhimento".
Não posso deixar de recordar que muito do que sei sobre acolher devo-o a Taizé.
Tenho estado, ao contrário do que era costume há uns anos, do lado da pessoa que é preciso acolher.
E devo dizer que, por isso, sinto os olhos quentes e vontade de chorar e que choro, quando ninguem está a ver, quando eu própria menos espero.
Porque nos ultimos meses tive várias situações concretas em que me vi desacolhida, desabrigada, sozinha, a tentar integrar-me sem sucesso.
E comecei a reflectir sobre isto: será que eu noto quando há pessoas que é preciso acolher e eu nem ligo se se der o caso de eu nesse momento estar já integrada?
Pensei ainda: isto é mais uma daquelas coisas que faz parte da vida adulta.
O pior é quando eu faço tentativas de integração, respirando fundo, pensando em acções concretas para ultrapassar a minha timidez e depois a pessoa que tenho na frente nem entende que o que eu realmente estou a dizer é: leva-me contigo para esse espaço de pertença, eu quero entrar nessa rodinha e brincar a esse jogo.
Se calhar acolher é manter um espaço em branco no nosso coração para o outro, o estranho, o novo, o sozinho.
E esse espaço nunca se preeenche porque, depois do acolhimento, esse novo passa a estar com os velhos, com os habituais do nosso coração.
Por isso, eu peço hoje nas minhas orações para estar atenta a se aparecer o novo, o estranho, o que vem sempre mas se senta no banco do fundo, se aparecer alguém assim a precisar de um espaço vago no meu coração, que eu o veja e o acolha.
Não é que eu seja boa pessoa, nada disso, é só porque se eu fizer isso, já terei companhia caso me apeteça sair.
domingo, 31 de maio de 2009
Um post também é um bom pretexto para não estudar
Isto escrevi domingo à noite:
- Só acho que guardares essas coisas, essas mágoas todas, no coração, não te faz bem nem é justo para ela.
Mas as crianças regressaram e eu não pude desenvolver esta ideia.
Fiquei preocupada, e ao telefone a minha mãe disse-me hoje para eu almoçar numa tasca e eu percebi que não havia comida suficiente para mim mas eu tinha achado que íamos almoçar todos, pelo menos uns 4 de nós.
A minha face ficou tensa, estava um dia de mar lindo.
Sonhei de manhã, deviam ser umas 8h30, que tinha um filho de óculos.
Estava na maternidade e tinha visitas mas não amava o pai do meu filho, um daqueles senhores de 40 anos que andam sempre de fato, e ele também não me amava.
Mas ao meu filho eu amava muito.
Durante o dia, esqueci este sonho.
No final da tarde, o sol batia no vitral e eu fiquei toda vermelha e roxa.
Sempre que, ao domingo, eu tenho estas coisas, estes morcegos que entram na minha sala, estas preocupações, eu tento fazer o que tenho a fazer
Isto escrevi hoje:
e não pensar mais nisso.
Tudo passa, afinal ser adulta é isto, este bocado de queijo podre no meu frigorífico sujo, estas calças com nódoas que não saem na máquina, afinal é só isto, guardar coisas podres faz mal, é como se o frigorífico fosse o coração.
23h05 e não há meio de terminar este relatório.
Hoje ouvi uma história engraçada:
Uma rapariga, que está a fazer mestrado em ciência política, estava a explicar ao namorado que vai ter uma prova em que tem que escolher 3 temas de entre 10 e discorrer acerca de cada um.
Ela disse-lhe que escolheu 3 temas, ligados à União Europeia e ao parlamentarismo, e o namorado perguntou-lhe porquê ela tinha escolhido esses temas.
- E aí eu disse-lhe que eles eram importantes para mim. E assim que acabei de dizer isto percebi que não eram nada importantes para mim.
E a rapariga começou a rir sem parar e eu também gargalhei.
Inicialmente foi para lhe fazer a vontade, porque não achei assim tanta graça mas depois ri mesmo com vontade.
Parlamentarismo?
União Europeia?
Temas importantes para mim?
Que história mais engraçada.
Isto vou escrever amanhã:
Que post mais inútil, que dia mais cansativo, que televisão mais apetecível, que coisas tão giras para fazer, não fosse eu disciplinada e era mais feliz, como os lirios do campo.
- Só acho que guardares essas coisas, essas mágoas todas, no coração, não te faz bem nem é justo para ela.
Mas as crianças regressaram e eu não pude desenvolver esta ideia.
Fiquei preocupada, e ao telefone a minha mãe disse-me hoje para eu almoçar numa tasca e eu percebi que não havia comida suficiente para mim mas eu tinha achado que íamos almoçar todos, pelo menos uns 4 de nós.
A minha face ficou tensa, estava um dia de mar lindo.
Sonhei de manhã, deviam ser umas 8h30, que tinha um filho de óculos.
Estava na maternidade e tinha visitas mas não amava o pai do meu filho, um daqueles senhores de 40 anos que andam sempre de fato, e ele também não me amava.
Mas ao meu filho eu amava muito.
Durante o dia, esqueci este sonho.
No final da tarde, o sol batia no vitral e eu fiquei toda vermelha e roxa.
Sempre que, ao domingo, eu tenho estas coisas, estes morcegos que entram na minha sala, estas preocupações, eu tento fazer o que tenho a fazer
Isto escrevi hoje:
e não pensar mais nisso.
Tudo passa, afinal ser adulta é isto, este bocado de queijo podre no meu frigorífico sujo, estas calças com nódoas que não saem na máquina, afinal é só isto, guardar coisas podres faz mal, é como se o frigorífico fosse o coração.
23h05 e não há meio de terminar este relatório.
Hoje ouvi uma história engraçada:
Uma rapariga, que está a fazer mestrado em ciência política, estava a explicar ao namorado que vai ter uma prova em que tem que escolher 3 temas de entre 10 e discorrer acerca de cada um.
Ela disse-lhe que escolheu 3 temas, ligados à União Europeia e ao parlamentarismo, e o namorado perguntou-lhe porquê ela tinha escolhido esses temas.
- E aí eu disse-lhe que eles eram importantes para mim. E assim que acabei de dizer isto percebi que não eram nada importantes para mim.
E a rapariga começou a rir sem parar e eu também gargalhei.
Inicialmente foi para lhe fazer a vontade, porque não achei assim tanta graça mas depois ri mesmo com vontade.
Parlamentarismo?
União Europeia?
Temas importantes para mim?
Que história mais engraçada.
Isto vou escrever amanhã:
Que post mais inútil, que dia mais cansativo, que televisão mais apetecível, que coisas tão giras para fazer, não fosse eu disciplinada e era mais feliz, como os lirios do campo.
quarta-feira, 20 de maio de 2009
Tonight we fly
Ia, de facto, a pensar no trabalho.
Entre outras coisas, ia a pensar no trabalho.
E surge no meu leitor uma canção de amor, até posso dizer qual, era o it's only time, dos Magnetic Fields.
Pus para a frente, nem cheguei ao fim dos primeiros versos.
Nem me apetecia ouvir nada de semelhante nem entendi muito bem como é que essa musica tinha ido parar ao meu leitor.
Acho que parei na esquina, numa esquina muito ventosa, antes da subida de inclinação ligeira e olhei para a árvore.
Dantes, quando estive apaixonada, esta árvore quis dizer muitas coisas.
Dantes, quando estive apaixonada, esta subida era a que guardava para uma canção não demasiado intensa para não entrar no meu local de trabalho deprimida.
Dantes, quando estive apaixonada, o meu leitor era cruel através de um shuffle demoníaco que me fazia hiperventilar só de pensar em certas situações que talvez pudessem acontecer.
Dantes, quando estive apaixonada, eu acreditava no destino e em sinais como cores de camisolas ou idas ao chats coincidentes na hora e na intenção ou mesmo tocar na rádio aquela musica da qual acho que falámos um dia ou que eu lhe ia falar um dia.
Dantes, quando estive apaixonada, davam-se diálogos incríveis na minha cabeça, verbalizados quando estava sozinha a fazer o jantar.
Dantes, quando estive apaixonada, o objecto do meu desejo estava tão bem definido que eu podia desenha-lo antes de adormecer, elencar dezenas de pormenores corporais a olhar para o tecto, a mexer no cabelo e a ouvir as notícias da meia noite na rádio, sem vontade de ler nada, só a pensar em como podia ocupar os dias inúteis em que não o via.
Dantes, quando estive apaixonada, os meus minutos cheiravam de outra maneira, era como ter uma rede de qualquer coisa intensa que sustentava as horas, uma rede que se via ao fundo das coisas todas da vida, ao fundo, por entre, por cima, mas estava lá, como qualquer coisa que ligava tudo numa malha harmoniosa e criativa.
Dantes, quando estive apaixonada, fui agora reler alguns mails, algumas mensagens, o meu vocabulário aumentou, eu aprendia muitas palavras e construía frases incríveis que partilhava com os meus amigos, num desabafo exagerado e ligeirmente melodramático.
Dantes, eu estava apaixonada e agora não estou.
E quando eu gostei dele(s), eu voava mais.
Entre outras coisas, ia a pensar no trabalho.
E surge no meu leitor uma canção de amor, até posso dizer qual, era o it's only time, dos Magnetic Fields.
Pus para a frente, nem cheguei ao fim dos primeiros versos.
Nem me apetecia ouvir nada de semelhante nem entendi muito bem como é que essa musica tinha ido parar ao meu leitor.
Acho que parei na esquina, numa esquina muito ventosa, antes da subida de inclinação ligeira e olhei para a árvore.
Dantes, quando estive apaixonada, esta árvore quis dizer muitas coisas.
Dantes, quando estive apaixonada, esta subida era a que guardava para uma canção não demasiado intensa para não entrar no meu local de trabalho deprimida.
Dantes, quando estive apaixonada, o meu leitor era cruel através de um shuffle demoníaco que me fazia hiperventilar só de pensar em certas situações que talvez pudessem acontecer.
Dantes, quando estive apaixonada, eu acreditava no destino e em sinais como cores de camisolas ou idas ao chats coincidentes na hora e na intenção ou mesmo tocar na rádio aquela musica da qual acho que falámos um dia ou que eu lhe ia falar um dia.
Dantes, quando estive apaixonada, davam-se diálogos incríveis na minha cabeça, verbalizados quando estava sozinha a fazer o jantar.
Dantes, quando estive apaixonada, o objecto do meu desejo estava tão bem definido que eu podia desenha-lo antes de adormecer, elencar dezenas de pormenores corporais a olhar para o tecto, a mexer no cabelo e a ouvir as notícias da meia noite na rádio, sem vontade de ler nada, só a pensar em como podia ocupar os dias inúteis em que não o via.
Dantes, quando estive apaixonada, os meus minutos cheiravam de outra maneira, era como ter uma rede de qualquer coisa intensa que sustentava as horas, uma rede que se via ao fundo das coisas todas da vida, ao fundo, por entre, por cima, mas estava lá, como qualquer coisa que ligava tudo numa malha harmoniosa e criativa.
Dantes, quando estive apaixonada, fui agora reler alguns mails, algumas mensagens, o meu vocabulário aumentou, eu aprendia muitas palavras e construía frases incríveis que partilhava com os meus amigos, num desabafo exagerado e ligeirmente melodramático.
Dantes, eu estava apaixonada e agora não estou.
E quando eu gostei dele(s), eu voava mais.
terça-feira, 12 de maio de 2009
Procissão das velas numa folha de cálculo
Pronto, é muito simples.
Porque quando puxei o autoclismo olhando para o meu chichi amarelo limão, tudo ficou claro para mim.
É muito muito fácil:
pegamos numa folha de cálculo do excel.
Na primeira coluna colocamos os nossos problemas.
mas não são assim problemas do género "saúde", mas antes "dor na barriga" ou "tendinite".
isto é: interessa que sejam questões que perturbam o nosso quotidiano, de vária espécie, coisas que chateiam a nossa quarta à noite e o nosso domingo de manhã.
devem ser formulados numa frase clara, concretas.
não é preciso grande reflexão, basta escrever o que na nossa vida é uma coisa má: um problema.
Depois, a coluna a seguir é facultativa, é só para quem quiser uma tabela avançada.
aqui colocamos, numa escala de 1 a 20, o quanto o problema incomoda os nossos dias.
A seguir, para cada problema apontamos soluções, se as soubermos.
separadas por ponto e virgula, as soluções devem ser realistas, sem recorrer a milagres nem a deus, e a imaginação apenas serve na medida em que as soluções possam ser criativas.
importante: os problemas que não têm solução devem ficar com a célula em branco.
Então, na coluna seguinte, para os problemas com soluções, vamos discriminar as tarefas referentes a cada solução.
por exemplo:
problema rato na cozinha, gradação 7, solução veneno ou ratoeira, tarefa comprar veneno e pedir ratoeira e chouriço ao pai, data para conclusão quinta à noite.
coisas simples, coisas que nos vejamos a fazer no nosso dia a dia, sem pressão.
E a seguir colocamos uma data limite, uma data onde achamos que essa tarefa já estará cumprida.
o prazo pode ser até à nossa morte, mas caso seja um prazo mais curto, fazemos logo um lembrete no telemovel, no outlook, na agenda, no calendário da cozinha, qualquer coisa.
Então, com a tabela organizada, temos duas hipóteses:
para quem preencheu a coluna da gradação dos problemas, ordena-os por um ranking decrescente.
para os outros, mantêm tudo como está.
A primeira coisa que fazemos é: os problemas sem solução são eliminados.
Apenas estavam a ocupar o nosso espaço.
Podemos imprimir a tabela e colocá-la naqueles caderninhos que se usam agora, ou imprimir em letras pequenas, colocar uma fita cola à volta e guardar na carteira, ou colorir e pôr numa mica, podemos deixar só nos meus documentos.
A cada lembrete que tivermos, vamos ver se realizamos algumas das tarefas.
caso não tenhamos feito nada, há duas hipóteses:
ou se torna um problema sem solução e o eliminamos,
ou escrevemos novas tarefas com novas datas.
Simples.
Aceitação sem resignação.
E muita televisão.
Porque quando puxei o autoclismo olhando para o meu chichi amarelo limão, tudo ficou claro para mim.
É muito muito fácil:
pegamos numa folha de cálculo do excel.
Na primeira coluna colocamos os nossos problemas.
mas não são assim problemas do género "saúde", mas antes "dor na barriga" ou "tendinite".
isto é: interessa que sejam questões que perturbam o nosso quotidiano, de vária espécie, coisas que chateiam a nossa quarta à noite e o nosso domingo de manhã.
devem ser formulados numa frase clara, concretas.
não é preciso grande reflexão, basta escrever o que na nossa vida é uma coisa má: um problema.
Depois, a coluna a seguir é facultativa, é só para quem quiser uma tabela avançada.
aqui colocamos, numa escala de 1 a 20, o quanto o problema incomoda os nossos dias.
A seguir, para cada problema apontamos soluções, se as soubermos.
separadas por ponto e virgula, as soluções devem ser realistas, sem recorrer a milagres nem a deus, e a imaginação apenas serve na medida em que as soluções possam ser criativas.
importante: os problemas que não têm solução devem ficar com a célula em branco.
Então, na coluna seguinte, para os problemas com soluções, vamos discriminar as tarefas referentes a cada solução.
por exemplo:
problema rato na cozinha, gradação 7, solução veneno ou ratoeira, tarefa comprar veneno e pedir ratoeira e chouriço ao pai, data para conclusão quinta à noite.
coisas simples, coisas que nos vejamos a fazer no nosso dia a dia, sem pressão.
E a seguir colocamos uma data limite, uma data onde achamos que essa tarefa já estará cumprida.
o prazo pode ser até à nossa morte, mas caso seja um prazo mais curto, fazemos logo um lembrete no telemovel, no outlook, na agenda, no calendário da cozinha, qualquer coisa.
Então, com a tabela organizada, temos duas hipóteses:
para quem preencheu a coluna da gradação dos problemas, ordena-os por um ranking decrescente.
para os outros, mantêm tudo como está.
A primeira coisa que fazemos é: os problemas sem solução são eliminados.
Apenas estavam a ocupar o nosso espaço.
Podemos imprimir a tabela e colocá-la naqueles caderninhos que se usam agora, ou imprimir em letras pequenas, colocar uma fita cola à volta e guardar na carteira, ou colorir e pôr numa mica, podemos deixar só nos meus documentos.
A cada lembrete que tivermos, vamos ver se realizamos algumas das tarefas.
caso não tenhamos feito nada, há duas hipóteses:
ou se torna um problema sem solução e o eliminamos,
ou escrevemos novas tarefas com novas datas.
Simples.
Aceitação sem resignação.
E muita televisão.
terça-feira, 5 de maio de 2009
Calado que nem um rato que hei-de envenener porque é o que faço a quem conspurca a minha vida

O que a minha avó se havia de rir comigo a contar como encontrei um rato no meu cesto do pão.
Eu havia de lhe contar com muitos pormenores, no jantar de anos dela, num restaurante qualquer da zona saloia.
E ela ia dizendo "ai que maluca", "ai que neta tão maluca que eu tenho" e depois ia dar-me conselhos valiosos para resolver a situação, que eu iria ignorar com certeza.
Ela sempre arranjava soluções para a vida.
No dia em que pessoas da minha família fazem anos, eu tento estar bem vestida.
Ontem vesti qualquer coisa, propositadamente mal pronta, porque a minha avó fazia anos mas já não está cá para o celebrar.
Ela havia de saber como matar o sacana do rato que ousou entrar na minha cozinha e comer das minhas bolachas.
Fechada na cozinha com ele, tentei esmaga-lo com o microondas, tentei afoga-lo com cilit bang espuma, tentei afugenta-lo com a vassoura.
Diz-me o meu pai ao telefone:
- Então ficaste abismada com um ratito? Não fiques que essas coisas também acontecem na cidade. Matar só em último caso, e se for para matar é melhor veneno que ratoeira, que na ratoeira eles depois não morrem logo e ficam ali a sofrer. Além de que já o espantaste de certeza.
As pessoas a quem contei a história do rato, para alem de se entre olharem fazendo aquele ar reprovador - a madalena é porca e por isso é que deu com um rato no cesto do pão - a maioria dessas pessoas achavam que eu devia ter apanhado o rato e posto na rua, vivo.
Irritei-me tanto que até pus uma das minhas colegas a chorar, que eu quando quero consigo ser mesmo muito má.
Só uma amiga minha me disse uma coisa muito sábia: tortura-o antes de morrer para ele servir de exemplo ao resto da tribo.
Claro que eu sou muito sensível aos animais - ainda na sexta o meu cão matou um dos gatinhos da minha gata Jonas e eu fiquei tão incomodada que até tremi.
Eu afeiçoou-me facilmente a tudo - desde couves a sapos.
Mas detesto aquelas pessoas como por exemplo o dono de uma loja de animais a quem fui perguntar desesperada se tinha veneno para ratos que me respondeu ofendido:
- Aqui só vendemos comida para eles viverem, não para morrerem.
E eu:
- Mas também vendem comida para quem os mata pelo prazer de matar, como os gatos. Ou a eutanásia é só para os humanos?
A minha avó nem sequer consideraria dar muita conversa a esta gente.
E a sua relação com a Terra não era uma relação pensada e reflectida sob o contexto das teorias ecológicas, mas antes uma relação diária e prática. Acho que ela fazia parte do ciclo natural das coisas da Terra. E isso nota-se no meu quintal desde que ela não está cá.
De veneno em punho, entrei na minha cozinha que tresandava a cilit bang, na companhia da minha mãe e da minha tia, que como tinham vindo a Lisboa fazer uma visita ao hospital, aproveitaram para me trazer veneno, e lá entramos as 3, no dia de anos da minha avó, na cozinha a tresandar a cilit bang, com o cesto do pão destruído pelos meus golpes de vassoura, duas filhas sem mãe, uma neta sem avó, a completar mais um ciclo da Natureza espalhando veneno por trás do fogão e junto à janela.
domingo, 26 de abril de 2009
Mr. Darcy, aceita este cravo vermelho como prova da minha afeição?
Entre batatas fritas, sopas para as crianças e gasosa sem açúcar do LIDL, havia uma discussão que metia vários temas à mistura, entre eles o santo condestável e a questão da santidade humana, a promoção de Otelo a coronel e as histórias das Brigadas FP 25 de Abril na Malveira, a Kitty e a sua amiga Anne Frank, o rapaz que me virou a cara e não me falou e os motivos possíveis para tal ter acontecido, o discurso do Cavaco e da Teresa Caeiro e ainda a questão de alguém se ter esquecido de fazer a salada e dos traumas da escola serem para a vida.
Surgiram algumas ideias interessantes, entre elas o facto de a ditadura ter caído precisamente no ex-convento de Nun'Álvares, e o facto de, no caso de haver uma guerra por uma causa qualquer, eu ser das que não vou pegar em armas, isto é: sou uma mártir.
E não fui eu que disse, foi toda a minha família que se riu imenso de eu ser demasiado sentimental.
Há muita coisa acerca dos ricos e dos pobres no mundo que eu não suporto e que considero injusto.
- Mas no fim de tudo, quando estamos à mesa e nos reconhecemos uns aos outros ao partir o pão, somos só pessoas, não é?
Riram-se com mais força.
Também eu me ri.
Esse santo condestável - que andou aí a matar gente - o que é que ele é a mais que a beata Alexandrina de Baleizão, que esteve não sei quanto tempo sem comer nem beber?
No regresso a casa, o Sinatra cantava-me o amor dentro do meu carro.
Lembrei o programa de rádio que ouvi hoje de manhã, onde um "especialista" (chamemos-lhe assim), de quem gosto bastante, respondia a uma carta de um rapaz de 30 anos que está deprimido por não ter encontrado o seu lado B.
O "especialista" ia explicando que um dos problemas era o rapaz ainda idealizar o amor, o problema era ele ainda acreditar no ideal do amor romântico.
Eu ouvi isto enquanto tomava o pequeno almoço e confesso que até as torradas me caíram mal.
Depois o "especialista" continuou, dizendo que a solução era o rapaz abrir o seu gira discos, ficando assim disponível para amar.
Sinatra ia enumerando as coisas boas de quando se está apaixonado e eu esqueci o programa de rádio.
Estar apaixonado de uma maneira irremediável, infantil, acreditando nos lados B e no "ideal do amor romântico", especialmente se for por alguém por sua vez irremediavelmente idiota, é uma das melhores ocupações que uma rapariga como eu pode ter.
Por isso, não acha que é uma pena, Mr Darcy, que, quando o Sinatra está a falar comigo, eu esteja antes a pensar em cravos?
Surgiram algumas ideias interessantes, entre elas o facto de a ditadura ter caído precisamente no ex-convento de Nun'Álvares, e o facto de, no caso de haver uma guerra por uma causa qualquer, eu ser das que não vou pegar em armas, isto é: sou uma mártir.
E não fui eu que disse, foi toda a minha família que se riu imenso de eu ser demasiado sentimental.
Há muita coisa acerca dos ricos e dos pobres no mundo que eu não suporto e que considero injusto.
- Mas no fim de tudo, quando estamos à mesa e nos reconhecemos uns aos outros ao partir o pão, somos só pessoas, não é?
Riram-se com mais força.
Também eu me ri.
Esse santo condestável - que andou aí a matar gente - o que é que ele é a mais que a beata Alexandrina de Baleizão, que esteve não sei quanto tempo sem comer nem beber?
No regresso a casa, o Sinatra cantava-me o amor dentro do meu carro.
Lembrei o programa de rádio que ouvi hoje de manhã, onde um "especialista" (chamemos-lhe assim), de quem gosto bastante, respondia a uma carta de um rapaz de 30 anos que está deprimido por não ter encontrado o seu lado B.
O "especialista" ia explicando que um dos problemas era o rapaz ainda idealizar o amor, o problema era ele ainda acreditar no ideal do amor romântico.
Eu ouvi isto enquanto tomava o pequeno almoço e confesso que até as torradas me caíram mal.
Depois o "especialista" continuou, dizendo que a solução era o rapaz abrir o seu gira discos, ficando assim disponível para amar.
Sinatra ia enumerando as coisas boas de quando se está apaixonado e eu esqueci o programa de rádio.
Estar apaixonado de uma maneira irremediável, infantil, acreditando nos lados B e no "ideal do amor romântico", especialmente se for por alguém por sua vez irremediavelmente idiota, é uma das melhores ocupações que uma rapariga como eu pode ter.
Por isso, não acha que é uma pena, Mr Darcy, que, quando o Sinatra está a falar comigo, eu esteja antes a pensar em cravos?
segunda-feira, 20 de abril de 2009
Abril em Portugal
Sábado estava muito mau tempo.
Ao final do dia, comi sopa à lareira antes de regressar a casa e olhei para o boletim meteorológico na televisão.
Brevemente vamos esquecer este mau tempo, pensei eu, e acho que até disse em voz alta que nada era definitivo, quer dizer, este momento não deve ter sido exactamente assim mas na minha cabeça é como o recordo e isso é que conta, não é?
Os ricos vivem melhor.
Têm sapatos mais confortáveis e casacos mais quentes e protectores.
Debaixo dos bons materiais, fofos e quentes como um edredão de penas, forros que escorregam como cetim, enfim, o Inverno é mais suave para os ricos.
Ou para quem comprar um bom saldo.
A minha mãe emprestou-me a sua parka e eu agradeci.
Protegeu-me do frio e da chuva, eu andava mesmo confortável e ela tem assim um feitio em forma de pêra rocha do oeste, com uma gola redonda, forro de tigreza, é mesmo uma peça gira.
Pus a mão no bolso e estava lá um papel.
Olhei para ele e foi como uma assombração:
um papelinho branco, um rectângulo de 5 por 3 cm, com uma lista de afazeres.
E não era meu!!!
Era da minha mãe.
Mas igualzinho às minhas listas diárias, semanais, mensais, listas de tarefas que tento completar em cada dia.
Se o ano tem 365 dias como dizem (que às vezes acho que não tem) eu faço 350 listas à vontade.
São coisinhas com um hifen atrás, que às vezes se podem desdobrar, podem ir desde lidas da casa a telefonemas a doentes ou a cortar as unhas.
Fiquei a olhar para aquilo, eu não sabia que a minha mãe também as fazia, fiquei ligeiramente assombrada e ligeiramente irritada pois eu, como toda a gente, quero ser única no mundo.
Afinal sou igual à minha mãe, até nas parkas.
Nunca li o diário de Anne Frank.
Isso deve ler-se por volta dos 1o, 11 anos e por essa altura davam-me antes para ler a Alice Vieira e a colecção Uma aventura e a Florbela Espanca (que eu roubava numa atitude de rebeldia literária) mas a Anne Frank não.
Lia o Principezinho nas aulas de Moral e reli-o depois novamente para me formar eticamente.
- Não sabes quem é a Ane Frane tia?
- Anne Frank.
- A Anne Frank não tinha amigos.
- Porquê?
- Porque estava na guerra.
- Coitadinha.
- Pois, e então ela fez uma amiga inagiária
- Imaginária.
- Iaginária, que era a gatinha Kitty.
- A sério? A Kitty era a melhor amiga da Anne Frank?? Meu Deus!!!
- A Kitty era muda.
- Muda?
- A Kitty não tem boca mas falava com o coração. Sabes tia, não faz mal não ter boca e ser muda. Não tem importância nenhuma porque fala com o coração.
Não tem importância nenhuma.
Ao final do dia, comi sopa à lareira antes de regressar a casa e olhei para o boletim meteorológico na televisão.
Brevemente vamos esquecer este mau tempo, pensei eu, e acho que até disse em voz alta que nada era definitivo, quer dizer, este momento não deve ter sido exactamente assim mas na minha cabeça é como o recordo e isso é que conta, não é?
Os ricos vivem melhor.
Têm sapatos mais confortáveis e casacos mais quentes e protectores.
Debaixo dos bons materiais, fofos e quentes como um edredão de penas, forros que escorregam como cetim, enfim, o Inverno é mais suave para os ricos.
Ou para quem comprar um bom saldo.
A minha mãe emprestou-me a sua parka e eu agradeci.
Protegeu-me do frio e da chuva, eu andava mesmo confortável e ela tem assim um feitio em forma de pêra rocha do oeste, com uma gola redonda, forro de tigreza, é mesmo uma peça gira.
Pus a mão no bolso e estava lá um papel.
Olhei para ele e foi como uma assombração:
um papelinho branco, um rectângulo de 5 por 3 cm, com uma lista de afazeres.
E não era meu!!!
Era da minha mãe.
Mas igualzinho às minhas listas diárias, semanais, mensais, listas de tarefas que tento completar em cada dia.
Se o ano tem 365 dias como dizem (que às vezes acho que não tem) eu faço 350 listas à vontade.
São coisinhas com um hifen atrás, que às vezes se podem desdobrar, podem ir desde lidas da casa a telefonemas a doentes ou a cortar as unhas.
Fiquei a olhar para aquilo, eu não sabia que a minha mãe também as fazia, fiquei ligeiramente assombrada e ligeiramente irritada pois eu, como toda a gente, quero ser única no mundo.
Afinal sou igual à minha mãe, até nas parkas.
Nunca li o diário de Anne Frank.
Isso deve ler-se por volta dos 1o, 11 anos e por essa altura davam-me antes para ler a Alice Vieira e a colecção Uma aventura e a Florbela Espanca (que eu roubava numa atitude de rebeldia literária) mas a Anne Frank não.
Lia o Principezinho nas aulas de Moral e reli-o depois novamente para me formar eticamente.
- Não sabes quem é a Ane Frane tia?
- Anne Frank.
- A Anne Frank não tinha amigos.
- Porquê?
- Porque estava na guerra.
- Coitadinha.
- Pois, e então ela fez uma amiga inagiária
- Imaginária.
- Iaginária, que era a gatinha Kitty.
- A sério? A Kitty era a melhor amiga da Anne Frank?? Meu Deus!!!
- A Kitty era muda.
- Muda?
- A Kitty não tem boca mas falava com o coração. Sabes tia, não faz mal não ter boca e ser muda. Não tem importância nenhuma porque fala com o coração.
Não tem importância nenhuma.
sábado, 11 de abril de 2009
Isaías descreveu tudo muito bem mas afinal eles eram quackers
As celebrações a meio da tarde têm a vantagem de ter uma luz muito doce a incidir sobre os primeiros bancos em frente do altar.
Dei por mim a contar os jardins que aparecem na história da páscoa de Jesus.
São alguns, com certeza que já há estudos teológicos sobre isso.E esses estudos com certeza que precisarão o porquê destes jardins.
Toda a poesia das orações de hoje acaba por meter lá coisas como árvores e lenhos de onde sai a salvação. Madeiro, alámo, jasmim, lenho, jardim para estar com amigos, jardim para rezar, jardim para suar sangue, jardim para morrer, jardim para dizer o que é preciso ser dito.
Também eu adoro jardins.
Quem não gosta?
A intensidade narrativa da sexta feira santa, onde as narrações do processo de condenação e morte do galileu arruaceiro são suficientes para me entreter a cabeça e o coração por completo, é um pouco diferente deste sábado, quando ele está morto e sepultado, e desce à "mansão dos mortos".
No jantar após o dia da conferência em Bologna, estavam sentados ao meu lado um casal de Lincoln - ela conferencista, ele marido dela, professor de ciências, alemão radicado em Inglaterra.
Eu já tinha gostado deles mas àquela hora, com a mesa cheia de queijo e presunto e poucos vegetais, eu com vontade de ir fazer xixi mas o banco era corrido e eu estava a meio de uma mesa cheia de gente e estava mesmo presa, não estava com grande capacidade de conversar.
Bom, àquela hora eu queria ir andar um pouco a pé e depois recolher aos meus aposentos.
Foi quando ele me perguntou se eu era católica porque estava a tentar fazer um paralelismo entre Portugal e a Baviera - eu achei que era uma piada muito boa mas ele estava mesmo a falar a sério.
Sim, sou católica e esta hungara que está aqui ao meu lado é luterana apesar de na hungria a maioria ser católica. O espanhol à minha frente acho que não é nada mas tem um anel cachucho muito estranho, o melhor é nem perguntar. O francês é um sociólogo do Maio de 68, não quero ser preconceituosa mas cheira-me que é ateu, bem como esse jovem realizador italiano e esse historiador muito famoso e simpático da Puglia.
Eu já tinha reparado que o casal de Lincoln era casado (isto é, tratavam-se como husband and wife) mas que a aliança deles era diferente.
Portanto, das duas uma: ou tinham a mania das diferenças e portanto escolheram alianças que mais ninguém usa, ou são de uma religião qualquer cujos casamentos se querem diferenciar dos católicos com alianças trabalhadas, o que acho muito bem, que isto de uma pessoa olhar e poder ver logo com o que conta, é o melhor da vida para uma pessoa como eu, que se baseia muito nos sinais e nas intuições que em geral falham mas que tornam o exercicio da especulação gratuita uma arte de viver.
Mas bom, eu perguntei se ele era católico, ele disse que já foi mas que tinha o problema da guilt, eu disse, pois isso é uma chatice, mas o ratzi é um anormal, não achas? Todos concordamos.
Até que ele disse: somos quackers.
E eu fiquei radiante, nunca tinha conhecido nenhum, disse eu, estou muito feliz por conhecer finalmente um casal de quackers.
Apeteceu-me abraça-los.
Mas depois a conversa até estava boa mas eu ainda não tinha ido à casa de banho e estava a ficar maldisposta.
Disse: tenho que ir apanhar e nunca mais os vi, mesmo após ele me ter dito que o melhor de ter deixado de ser católico e de se ter tornado quacker foi já não sentir a guilt.
Pois mas e os quackers também falam de jardins onde se cortam orelhas?
Dei por mim a contar os jardins que aparecem na história da páscoa de Jesus.
São alguns, com certeza que já há estudos teológicos sobre isso.E esses estudos com certeza que precisarão o porquê destes jardins.
Toda a poesia das orações de hoje acaba por meter lá coisas como árvores e lenhos de onde sai a salvação. Madeiro, alámo, jasmim, lenho, jardim para estar com amigos, jardim para rezar, jardim para suar sangue, jardim para morrer, jardim para dizer o que é preciso ser dito.
Também eu adoro jardins.
Quem não gosta?
A intensidade narrativa da sexta feira santa, onde as narrações do processo de condenação e morte do galileu arruaceiro são suficientes para me entreter a cabeça e o coração por completo, é um pouco diferente deste sábado, quando ele está morto e sepultado, e desce à "mansão dos mortos".
"Em paz me deito e adormeço tranquilo", que frase mais simples e bonita.
No jantar após o dia da conferência em Bologna, estavam sentados ao meu lado um casal de Lincoln - ela conferencista, ele marido dela, professor de ciências, alemão radicado em Inglaterra.
Eu já tinha gostado deles mas àquela hora, com a mesa cheia de queijo e presunto e poucos vegetais, eu com vontade de ir fazer xixi mas o banco era corrido e eu estava a meio de uma mesa cheia de gente e estava mesmo presa, não estava com grande capacidade de conversar.
Bom, àquela hora eu queria ir andar um pouco a pé e depois recolher aos meus aposentos.
Foi quando ele me perguntou se eu era católica porque estava a tentar fazer um paralelismo entre Portugal e a Baviera - eu achei que era uma piada muito boa mas ele estava mesmo a falar a sério.
Sim, sou católica e esta hungara que está aqui ao meu lado é luterana apesar de na hungria a maioria ser católica. O espanhol à minha frente acho que não é nada mas tem um anel cachucho muito estranho, o melhor é nem perguntar. O francês é um sociólogo do Maio de 68, não quero ser preconceituosa mas cheira-me que é ateu, bem como esse jovem realizador italiano e esse historiador muito famoso e simpático da Puglia.
Eu já tinha reparado que o casal de Lincoln era casado (isto é, tratavam-se como husband and wife) mas que a aliança deles era diferente.
Portanto, das duas uma: ou tinham a mania das diferenças e portanto escolheram alianças que mais ninguém usa, ou são de uma religião qualquer cujos casamentos se querem diferenciar dos católicos com alianças trabalhadas, o que acho muito bem, que isto de uma pessoa olhar e poder ver logo com o que conta, é o melhor da vida para uma pessoa como eu, que se baseia muito nos sinais e nas intuições que em geral falham mas que tornam o exercicio da especulação gratuita uma arte de viver.
Mas bom, eu perguntei se ele era católico, ele disse que já foi mas que tinha o problema da guilt, eu disse, pois isso é uma chatice, mas o ratzi é um anormal, não achas? Todos concordamos.
Até que ele disse: somos quackers.
E eu fiquei radiante, nunca tinha conhecido nenhum, disse eu, estou muito feliz por conhecer finalmente um casal de quackers.
Apeteceu-me abraça-los.
Mas depois a conversa até estava boa mas eu ainda não tinha ido à casa de banho e estava a ficar maldisposta.
Disse: tenho que ir apanhar e nunca mais os vi, mesmo após ele me ter dito que o melhor de ter deixado de ser católico e de se ter tornado quacker foi já não sentir a guilt.
Pois mas e os quackers também falam de jardins onde se cortam orelhas?
terça-feira, 31 de março de 2009
The life persuit ou o teu desinteresse por mim
Estive 4 horas à espera para levantar a minha carta de condução e estava preocupada perante a possibilidade de chegar ao trabalho e ter a minha chefe chateada por causa do atraso.
Deve ter sido por isso que quando entrei de rompante nem vi que aquele senhor que estava nas cópias era ele.
Não desmaiei, nem tive um chilique, se corei foi muito pouco e não ajeitei nem saia nem cabelo.
Fiquei à espera de quando começaria a entrar em pânico mas isso não aconteceu.
Aconteceu pior: percebi que ele tinha ainda mais medo de mim do que eu dele.
Quando me aproximei dele, perguntei se ia ficar mais tempo, ele explicou-me logo que tinha que ir antes das 7 (porque pensou que seria essa a minha hora de saída).
Percebi que ele estava preocupado com isso, não fosse a minha cabecinha começar a imaginar que iríamos sair juntos e conversar...
Medo de mim.
Mais tarde começaram as desculpas: por não saber que eu tinha defendido a tese, por não se lembrar do tema da tese, por eu ter feito anos e não me ter dado os parabéns.
Tive que lhe explicar, de braços abertos, numa postura bem expressiva que isso não fazia sentido, porque haveria ele de saber os meus anos, porque haveria ele de me dar os parabéns?
-Não é assim que funciona.
[Estava um vento gelado quando saí.
Encontrei um amigo meu, perguntou-me onde eu ia.
Ao Colombo.
Quando já estava na paragem do autocarro, ele manda mensagem, depois liga, a saber se já estou a ir, que se eu for só passear, sem nada combinado, que pode ir comigo.
Disse que tinha já combinado coisas, que ficava para outro dia.
Lembro-me sempre de uma canção dos ornatos, o coisas, se não estou em erro, em que ele canta: quando alguém deixar de te dar amor, pensa que há quem viva do teu calor.
Bastante adolescente mas para mim serve.
Pensei que a vida era assim mesmo, que o manel cruz tem razão.
Este pequeno acontecimento ajudou-me a olhar para mim vista de fora, serviu-me de consolo mas mais ainda de preocupação.]
No vento frio, senti a minha auto estima cair no chão e não me baixei para a levantar.
Ele pareceu-me que estava mais giro, não gostei nem dos sapatos nem das calças mas o resto estava bem.
Tento sempre arranjar uma narrativa, um texto, uma imagem, uma parabola porque preciso disso para perceber, explicar ao espelho e aos amigos e pronto, curar a ferida.
Mas...
Eu sei lá.
Sei lá.
Só sei que quando eu souber, já não vou ter vontade de lhe dizer.
Deve ter sido por isso que quando entrei de rompante nem vi que aquele senhor que estava nas cópias era ele.
Não desmaiei, nem tive um chilique, se corei foi muito pouco e não ajeitei nem saia nem cabelo.
Fiquei à espera de quando começaria a entrar em pânico mas isso não aconteceu.
Aconteceu pior: percebi que ele tinha ainda mais medo de mim do que eu dele.
Quando me aproximei dele, perguntei se ia ficar mais tempo, ele explicou-me logo que tinha que ir antes das 7 (porque pensou que seria essa a minha hora de saída).
Percebi que ele estava preocupado com isso, não fosse a minha cabecinha começar a imaginar que iríamos sair juntos e conversar...
Medo de mim.
Mais tarde começaram as desculpas: por não saber que eu tinha defendido a tese, por não se lembrar do tema da tese, por eu ter feito anos e não me ter dado os parabéns.
Tive que lhe explicar, de braços abertos, numa postura bem expressiva que isso não fazia sentido, porque haveria ele de saber os meus anos, porque haveria ele de me dar os parabéns?
-Não é assim que funciona.
[Estava um vento gelado quando saí.
Encontrei um amigo meu, perguntou-me onde eu ia.
Ao Colombo.
Quando já estava na paragem do autocarro, ele manda mensagem, depois liga, a saber se já estou a ir, que se eu for só passear, sem nada combinado, que pode ir comigo.
Disse que tinha já combinado coisas, que ficava para outro dia.
Lembro-me sempre de uma canção dos ornatos, o coisas, se não estou em erro, em que ele canta: quando alguém deixar de te dar amor, pensa que há quem viva do teu calor.
Bastante adolescente mas para mim serve.
Pensei que a vida era assim mesmo, que o manel cruz tem razão.
Este pequeno acontecimento ajudou-me a olhar para mim vista de fora, serviu-me de consolo mas mais ainda de preocupação.]
No vento frio, senti a minha auto estima cair no chão e não me baixei para a levantar.
Ele pareceu-me que estava mais giro, não gostei nem dos sapatos nem das calças mas o resto estava bem.
Tento sempre arranjar uma narrativa, um texto, uma imagem, uma parabola porque preciso disso para perceber, explicar ao espelho e aos amigos e pronto, curar a ferida.
Mas...
Eu sei lá.
Sei lá.
Só sei que quando eu souber, já não vou ter vontade de lhe dizer.
sábado, 28 de março de 2009
Jade Goody
Quando ajeitava os ganchos para prender aquele monte de cabelo que me aquecia a nuca, tive uma visão, um flashback ao contrário, e encontrei-me a arranjar o cabelo no dia do meu casamento e perguntava por uma amiga para que ela viesse ver-me me desse a sua opinião sincera sobre como eu estava.
Não é a primeira vez que me vejo no meu futuro - e o importante não é eu ir ter um dia em que me caso mas antes eu estar vestida de noiva e querer uma opinião sincera sobre a minha figura.
Dois dias antes dessa visão, tive também um rasgo de qualquer coisa, quando me estava a virar na cama, e foi quando decidi que tinha que tirar um post do blog.
No dia a seguir a ter retirado o post, dia anterior à visão da noiva, esteve muito calor e eu senti-me muito mais calma.
Fui andar a pé antes de vir para casa porque, apesar das alergias, as noites de primavera cheiram como ninguém que eu conheça.
Pronto, vai passar.
Fico envergonhada, e apesar de falar disso com os meus amigos, não quero que se saiba que eu gostava de alguém que não gosta de mim.
Tenho o meu orgulho.
À espera do autocarro, os pés sem meias nos ténis apanhavam vento e eu achei que eu afinal sabia alguma coisa da vida.
Sei, por exemplo, que existe a morte.
A morte, a doença, a decadência do corpo, tudo isso existe.
Somos iguais à Jade Goody.
26 horas antes da visão do cabelo da noiva, um namorado que já não é meu, devolveu-me um CD e falamos sobre o calor.
Ele diz que fui a unica pessoa com quem ele partiu o coração.
Eu podia, para que a conversa tivesse algum interesse para mim (e para não recomçar a culpabilizar-me) perguntar-lhe se ele tem alguma coisa a dizer sobre a Jade Goody.
Porque temos que lidar com os problemas à medida que eles vão aparecendo, porque tenho o cabelo já demasiado comprido na nuca, mas está num comprimento em que os ganchos ainda não ficam presos durante muito tempo, porque mesmo que eu não me case, posso sempre ser noiva sentada na minha mesa de trabalho, de saia de ganga e com uma camisa demasiado quente para o dia, a perguntar:
- Achas mesmo que estou bem?
Não é a primeira vez que me vejo no meu futuro - e o importante não é eu ir ter um dia em que me caso mas antes eu estar vestida de noiva e querer uma opinião sincera sobre a minha figura.
Dois dias antes dessa visão, tive também um rasgo de qualquer coisa, quando me estava a virar na cama, e foi quando decidi que tinha que tirar um post do blog.
No dia a seguir a ter retirado o post, dia anterior à visão da noiva, esteve muito calor e eu senti-me muito mais calma.
Fui andar a pé antes de vir para casa porque, apesar das alergias, as noites de primavera cheiram como ninguém que eu conheça.
Pronto, vai passar.
Fico envergonhada, e apesar de falar disso com os meus amigos, não quero que se saiba que eu gostava de alguém que não gosta de mim.
Tenho o meu orgulho.
À espera do autocarro, os pés sem meias nos ténis apanhavam vento e eu achei que eu afinal sabia alguma coisa da vida.
Sei, por exemplo, que existe a morte.
A morte, a doença, a decadência do corpo, tudo isso existe.
Somos iguais à Jade Goody.
26 horas antes da visão do cabelo da noiva, um namorado que já não é meu, devolveu-me um CD e falamos sobre o calor.
Ele diz que fui a unica pessoa com quem ele partiu o coração.
Eu podia, para que a conversa tivesse algum interesse para mim (e para não recomçar a culpabilizar-me) perguntar-lhe se ele tem alguma coisa a dizer sobre a Jade Goody.
Porque temos que lidar com os problemas à medida que eles vão aparecendo, porque tenho o cabelo já demasiado comprido na nuca, mas está num comprimento em que os ganchos ainda não ficam presos durante muito tempo, porque mesmo que eu não me case, posso sempre ser noiva sentada na minha mesa de trabalho, de saia de ganga e com uma camisa demasiado quente para o dia, a perguntar:
- Achas mesmo que estou bem?
domingo, 22 de março de 2009
Mestre, quantas vezes devemos nós enviar poemas de amor sem obter resposta? 70x7?
Porque não estava à espera que ela me resumisse os seus problemas a isso, eu tenho passado estes últimos dias a pensar sobre a solidão.
- Mas diz-me, qual são mesmo as tuas queixas em relação a ele?
- É que eu me sinto sozinha.
E eu compreendi-a.
Tentei, como sempre faço, arranjar uma imagem, uma metáfora qualquer que me ajudasse a ver a solidão, a denomina-la para a dominar.
Não encontrei.
Também eu me tenho sentido sozinha.
E tento que não se note, e quando ela me disse que se sentia sozinha, eu nem lhe disse que também me achava sem ninguém.
Não quero que se veja isso na minha cara.
Eu tive herpes pela primeira vez na vida mas já faz tempo que não me beijam.
E um rapaz, quando me viu com herpes, perguntou-me se eu já me tinha "orientado" e eu disse que não. Então ele explicou-me que ter herpes, podendo significar que alguém me beijou na boca e que, portanto, eu terei alguma relação, aumenta as hipoteses de me "orientar".
- É que quando uma pessoa está "orientada", tem logo montes de ofertas, percebes? Porque significa que vales alguma coisa para alguém. E o mesmo vale para quando estás desempregada e parece que não aparece nada, e depois quando arranjas qualquer coisa, chovem ofertas de emprego.
Estranhamente, esta conversa fez algum sentido para mim.
E senti-me outra vez sozinha.
Na minha cabeça, tento juntar um conjunto de histórias de solidão a que tenha assistido e esforço-me por encontrar um padrão.
Mas entretanto, lembro-me de outras histórias que não têm propriamente relação com a solidão, e essas vão-me lembrando de outras e pronto, às tantas eu começo a duvidar da relevância da compreendensão dos padrões da solidão.
Recordo uma viúva que conheço.
O marido morreu muito cedo, num Agosto muito quente dos anos 90, e a mãe dela disse-lhe que ela tinha que arranjar uma roupa para o vestir. Ela foi buscar uma camisa de manga curta para o marido acabado de morrer mas a senhora explicou que devia ser uma roupa melhor, como um fato, ao que ela respondeu:
- Mas está tanto calor...
E quando me lembro desta história lembro-me mais do amor do que da solidão.
E se a dúvida for entre enviar uma carta de amor ou não, que seja enviada ontem.
Hoje perguntei à minha vizinha, depois de ela me contar que depois da morte do marido tudo ficou pior, se ela tinha filhos. Já no Natal me tinha parecido que ela estava sozinha.
Ela confirmou que não tinha ninguém. Teve dois sobrinhos, um deles a viver com ela até há pouco tempo. Esse sobrinho foi-se embora deixando apenas um papel com um número de telemóvel e ela nunca mais soube nada dele.
- Estamos sempre a apanhar pontapés na vida, não sabe já isso a menina? Olhe para si, a menina também está sozinha.
E eu acho que balbuciei:
- Mas nota-se?
- Mas diz-me, qual são mesmo as tuas queixas em relação a ele?
- É que eu me sinto sozinha.
E eu compreendi-a.
Tentei, como sempre faço, arranjar uma imagem, uma metáfora qualquer que me ajudasse a ver a solidão, a denomina-la para a dominar.
Não encontrei.
Também eu me tenho sentido sozinha.
E tento que não se note, e quando ela me disse que se sentia sozinha, eu nem lhe disse que também me achava sem ninguém.
Não quero que se veja isso na minha cara.
Eu tive herpes pela primeira vez na vida mas já faz tempo que não me beijam.
E um rapaz, quando me viu com herpes, perguntou-me se eu já me tinha "orientado" e eu disse que não. Então ele explicou-me que ter herpes, podendo significar que alguém me beijou na boca e que, portanto, eu terei alguma relação, aumenta as hipoteses de me "orientar".
- É que quando uma pessoa está "orientada", tem logo montes de ofertas, percebes? Porque significa que vales alguma coisa para alguém. E o mesmo vale para quando estás desempregada e parece que não aparece nada, e depois quando arranjas qualquer coisa, chovem ofertas de emprego.
Estranhamente, esta conversa fez algum sentido para mim.
E senti-me outra vez sozinha.
Na minha cabeça, tento juntar um conjunto de histórias de solidão a que tenha assistido e esforço-me por encontrar um padrão.
Mas entretanto, lembro-me de outras histórias que não têm propriamente relação com a solidão, e essas vão-me lembrando de outras e pronto, às tantas eu começo a duvidar da relevância da compreendensão dos padrões da solidão.
Recordo uma viúva que conheço.
O marido morreu muito cedo, num Agosto muito quente dos anos 90, e a mãe dela disse-lhe que ela tinha que arranjar uma roupa para o vestir. Ela foi buscar uma camisa de manga curta para o marido acabado de morrer mas a senhora explicou que devia ser uma roupa melhor, como um fato, ao que ela respondeu:
- Mas está tanto calor...
E quando me lembro desta história lembro-me mais do amor do que da solidão.
E se a dúvida for entre enviar uma carta de amor ou não, que seja enviada ontem.
Hoje perguntei à minha vizinha, depois de ela me contar que depois da morte do marido tudo ficou pior, se ela tinha filhos. Já no Natal me tinha parecido que ela estava sozinha.
Ela confirmou que não tinha ninguém. Teve dois sobrinhos, um deles a viver com ela até há pouco tempo. Esse sobrinho foi-se embora deixando apenas um papel com um número de telemóvel e ela nunca mais soube nada dele.
- Estamos sempre a apanhar pontapés na vida, não sabe já isso a menina? Olhe para si, a menina também está sozinha.
E eu acho que balbuciei:
- Mas nota-se?
quinta-feira, 12 de março de 2009
Tia, o cócó não quer sair, por isso o melhor é eu ir ouvir uma musica para me acalmar
Ando bem disposta.
Mas hoje aconteceu uma coisa sem importância alguma que tomou contornos de um grande drama para mim.
Bom, resumindo: uma colega minha (e amiga) zangou-se comigo.
Nós nunca nos zangámos, foi a primeira vez.
E a primeira zanga entre amigos é sempre horrível, desconfortável, fria e pronto, parece que todo o nosso mundo acaba ali, naquele instante em que o nosso amigo nos destrata (sim, porque o instante em que somos nós a destrata-lo é bem mais fácil de suportar).
Ora bem, ela zangou-se comigo por uma questão do trabalho e porque interpretou mal uma "piada" minha (aqui devo confessar que a "piada" que mandei embora não tendo o intuito de a fazer zangar-se possa ter sido percepcionada como o instante em que a destratei a ela).
Só que depois ela saiu para ir almoçar e eu percebi que a coisa era séria pela maneira como ela desceu as escadas e decidi esperar que ela viesse para esclarecer as coisas e não ir eu almoçar com ela zangada comigo.
Sim: eu não lido bem com a situação quando acho que as pessoas estão zangadas comigo, e isto não faz de mim uma boa pessoa, só significa que eu me tenho em tão boa conta que a hipótese de alguem ficar muito zangado comigo é completamente insuportável: é o mundo ao contrário.
Mas foi aí, enquanto fiquei a aguardar que ela regressasse, que comecei a sentir os sintomas de uma hipoglicemia daquelas grandes.
Merda, e agora?
Sou uma adulta responsável e tomei a decisão correcta: não fiz nada para curar a hipoglicemia porque achei que ia aguentar até ela chegar e depois resolver as coisas e depois então ir comer.
Não deve ser das graves, ia dizendo para mim própria, já a começar com os característicos suores.
E então tudo se descontrolou: eu tentei manter-me normal, calma, ela entretanto chegou, ainda estava muito zangada e exaltada, e eu já não tinha açucar suficiente no sangue para me controlar, e senti as hormonas e a fraqueza geral tudo a concorrer para que eu não conseguisse pedir desculpa antes de almoço, estragando o meu inteligente plano.
Mas questão era mais profunda: ela estava muito zangada e eu não lhe podia dizer que tinha uma hipoglicémia. Se eu dissesse:
- Agora não porque eu não estou bem
de boca escancarada e testa suada
ela ia ter pena de mim, ela ia perdoar-me porque eu sou doente e eu não podia deixar que isso acontecesse.
Pareceu-me bastante claro que o que havia a fazer era colocar a melhor cara que conseguisse, pedir desculpa, fingir que não estava a desfalecer e fingir que eu não tinha destratado ninguem:
- Desculpa, foi tudo um equívoco.
Ela ia fumando, eu para ser sincera não ouvi nada do que ela disse.
Acho que ficou tudo mais ou menos, mas a mim roubaram-me o chão: vieram-me lágrimas aos olhos, disse qualquer coisa como pronto está esclarecido eu agora tenho que ir comer, mas ela de certeza que teve pena de mim, de certeza que se notou que eu estava a desatar a chorar, peguei na lancheira e pensei que se calhar o meu plano não tinha corrido muito bem, agora tinha uma vontade de chorar enorme, ela notou com certeza, por isso é que não gritou comigo, eu queria muito que a viagem de elevador demorasse o tempo suficiente para eu chorar tudo, mas depois não deu, encontrei uma colega á saida, fingi que me tinha esquecido de alguma coisa, entrei de novo no elevador, porque eu não sou dessas que choram pelos cantos escuros, mas não podia subir novamente, comecei a pensar em coisas que me dessem uma vontade de rir descontrolada mas não me lembrei de nada, pensei que eu ando tão bem disposta, esta zanga calhou tão mal, porque foi ao mesmo tempo que uma hipo que eu teria escondido eficazmente, e agora a cozinha está cheia de gente, ainda passei pela casa de banho, consegui ficar com uma cara normal, entrei na cozinha, mas percebi que elas estavam todas animadas a falar de namorados e eu não tenho nada a dizer acerca disso de qualquer modo, elas também já não me acham graça porque também já me separei do grupo delas, fiquei numa mesa sozinha, houve uma que teve pena de mim e me elogiou o ganchinho, eu só queria chorar, eu só queria chorar muito, porque me descontrolei, porque foi uma hipoglicemia grande e eu não contei a ninguem para ser tudo mais justo e agora eu só queria explicar que tenho andado bem disposta, isto foi só momentâneo, eu agora vou ficar umas duas horas sem forças porque a hipo foi baixa mas depois, pela hora do lanche eu vou arrebitar, acreditem que eu tenho andado bem disposta, isto são as hormonas, deve ser também o período que também vai aparecer, foi disforia, uma alteração brusca de humor, mas eu fiquei tão sozinha, tão sozinha, não estava ninguem para me ajudar, só depois apareceu um amigo no gmail, pronto, eu agora estou sentada, já passou, agora é ficar aqui, ir desdramatizando, ao final do dia ela vai embora e pergunta-me se está tudo bem, eu digo que sim, por amor de deus, um assunto tão sem importância, foi só um mau momento e ri-me, como uma pessoa que se descontrola ri, assim a esconder que se descontrolou.
Eu se calhar vou só ouvir uma música para me acalmar.
Mas hoje aconteceu uma coisa sem importância alguma que tomou contornos de um grande drama para mim.
Bom, resumindo: uma colega minha (e amiga) zangou-se comigo.
Nós nunca nos zangámos, foi a primeira vez.
E a primeira zanga entre amigos é sempre horrível, desconfortável, fria e pronto, parece que todo o nosso mundo acaba ali, naquele instante em que o nosso amigo nos destrata (sim, porque o instante em que somos nós a destrata-lo é bem mais fácil de suportar).
Ora bem, ela zangou-se comigo por uma questão do trabalho e porque interpretou mal uma "piada" minha (aqui devo confessar que a "piada" que mandei embora não tendo o intuito de a fazer zangar-se possa ter sido percepcionada como o instante em que a destratei a ela).
Só que depois ela saiu para ir almoçar e eu percebi que a coisa era séria pela maneira como ela desceu as escadas e decidi esperar que ela viesse para esclarecer as coisas e não ir eu almoçar com ela zangada comigo.
Sim: eu não lido bem com a situação quando acho que as pessoas estão zangadas comigo, e isto não faz de mim uma boa pessoa, só significa que eu me tenho em tão boa conta que a hipótese de alguem ficar muito zangado comigo é completamente insuportável: é o mundo ao contrário.
Mas foi aí, enquanto fiquei a aguardar que ela regressasse, que comecei a sentir os sintomas de uma hipoglicemia daquelas grandes.
Merda, e agora?
Sou uma adulta responsável e tomei a decisão correcta: não fiz nada para curar a hipoglicemia porque achei que ia aguentar até ela chegar e depois resolver as coisas e depois então ir comer.
Não deve ser das graves, ia dizendo para mim própria, já a começar com os característicos suores.
E então tudo se descontrolou: eu tentei manter-me normal, calma, ela entretanto chegou, ainda estava muito zangada e exaltada, e eu já não tinha açucar suficiente no sangue para me controlar, e senti as hormonas e a fraqueza geral tudo a concorrer para que eu não conseguisse pedir desculpa antes de almoço, estragando o meu inteligente plano.
Mas questão era mais profunda: ela estava muito zangada e eu não lhe podia dizer que tinha uma hipoglicémia. Se eu dissesse:
- Agora não porque eu não estou bem
de boca escancarada e testa suada
ela ia ter pena de mim, ela ia perdoar-me porque eu sou doente e eu não podia deixar que isso acontecesse.
Pareceu-me bastante claro que o que havia a fazer era colocar a melhor cara que conseguisse, pedir desculpa, fingir que não estava a desfalecer e fingir que eu não tinha destratado ninguem:
- Desculpa, foi tudo um equívoco.
Ela ia fumando, eu para ser sincera não ouvi nada do que ela disse.
Acho que ficou tudo mais ou menos, mas a mim roubaram-me o chão: vieram-me lágrimas aos olhos, disse qualquer coisa como pronto está esclarecido eu agora tenho que ir comer, mas ela de certeza que teve pena de mim, de certeza que se notou que eu estava a desatar a chorar, peguei na lancheira e pensei que se calhar o meu plano não tinha corrido muito bem, agora tinha uma vontade de chorar enorme, ela notou com certeza, por isso é que não gritou comigo, eu queria muito que a viagem de elevador demorasse o tempo suficiente para eu chorar tudo, mas depois não deu, encontrei uma colega á saida, fingi que me tinha esquecido de alguma coisa, entrei de novo no elevador, porque eu não sou dessas que choram pelos cantos escuros, mas não podia subir novamente, comecei a pensar em coisas que me dessem uma vontade de rir descontrolada mas não me lembrei de nada, pensei que eu ando tão bem disposta, esta zanga calhou tão mal, porque foi ao mesmo tempo que uma hipo que eu teria escondido eficazmente, e agora a cozinha está cheia de gente, ainda passei pela casa de banho, consegui ficar com uma cara normal, entrei na cozinha, mas percebi que elas estavam todas animadas a falar de namorados e eu não tenho nada a dizer acerca disso de qualquer modo, elas também já não me acham graça porque também já me separei do grupo delas, fiquei numa mesa sozinha, houve uma que teve pena de mim e me elogiou o ganchinho, eu só queria chorar, eu só queria chorar muito, porque me descontrolei, porque foi uma hipoglicemia grande e eu não contei a ninguem para ser tudo mais justo e agora eu só queria explicar que tenho andado bem disposta, isto foi só momentâneo, eu agora vou ficar umas duas horas sem forças porque a hipo foi baixa mas depois, pela hora do lanche eu vou arrebitar, acreditem que eu tenho andado bem disposta, isto são as hormonas, deve ser também o período que também vai aparecer, foi disforia, uma alteração brusca de humor, mas eu fiquei tão sozinha, tão sozinha, não estava ninguem para me ajudar, só depois apareceu um amigo no gmail, pronto, eu agora estou sentada, já passou, agora é ficar aqui, ir desdramatizando, ao final do dia ela vai embora e pergunta-me se está tudo bem, eu digo que sim, por amor de deus, um assunto tão sem importância, foi só um mau momento e ri-me, como uma pessoa que se descontrola ri, assim a esconder que se descontrolou.
Eu se calhar vou só ouvir uma música para me acalmar.
segunda-feira, 9 de março de 2009
Mulheres
A. M.
- Olha para elas, mãe, parecem... vou ter que dizer, parecem mesmo umas galinhas.
Onde é que elas irão?
Domingo de manhã, na feirinha.
Aproximamo-nos.
Beijinho, beijinho, beijinho, beijinho.
- Então os seus filhos?
- Nem sei, ainda devem estar a dormir. Hoje é dia da mulher, vamos todas ali almoçar e eu não fiz nada. Eles que se amanhem, nem a mesa pus, só lhes arranjei os morangos para não dizer que não fiz nada.
F. e L.
- O melhor é não falares mais no assunto e fazeres como te estou a dizer.
- Mas pai...
- Não vale a pena.
Conversei com o meu pai ao telefone, que me notificou de uma decisão que a minha mãe tomou e que, pelos vistos, é irrevogável.
Não gostei, incomodam-me pessoas que não revogam.
Quando está sol, podemos beber o café fora da cozinha.
Café e algumas bebidas digestivas, como Favaios ou Macieira com gelo.
- Pus Favaios a mais no copo.
- Eu bebo um bocadinho.
O meu irmão chegou com um copo de Macieira.
- Também gostas de Macieira, tia?
- Se fosse por gosto, eu seria uma bêbada inveterada. Eu gosto de tudo.
Pegou na camisola e colocou-a na cabeça porque o sol estava muito forte.
Ela lembra-se, e eu também, que foi ela que me comprou a minha Barbie e que eu escolhi a Marina-Hawai porque era a mais barata, o que foi um gesto muito apreciado.
Era uma barbie linda, morena de cabelo preto.
Eu era muito esperta.
E.
- Eu sei que posso parecer antiquada mas nisto eu nunca vou achar de outra maneira: é o homem que deve ir atrás da mulher.
Eu não respondi.
Eu vou atrás dos homens, pensei eu, quando gosto, persigo-os com mails e mensagens, apareço em sitios que sei que vão aparecer porque estudei o seu quotidiano, recolho toda a informação possível sobre eles, googlo tudo o que conseguir, observo os pormenores como sapatos e calças e pastas e pequenos hábitos que, quando estou apaixonada, me aparecem como delícias maravilhosas, surpreendentes e únicas.
Podem ser só lenços de papel, podem ser só defeitos de linguagem ou mesmo maus cortes de cabelo mas tornam-se fenomenos incríveis da natureza.
Enquanto eu pensava sobre isto, todas as mulheres presentes na sala à altura desta conversa, discorriam acerca de caber ao homem andar atrás da mulher, e enquanto falavam sobre isso, sorriam, nervosas, vulneráveis.
Riam-se deles.
M.
Claro, também eu acho que devem ser os homens a investir o seu tempo a arranjar maneiras de me perseguir sem parecer que o estão a fazer de facto.
Mas na verdade, nem eles sonham, mas eu sou muito fácil.
Ainda hoje, foi lá um rapaz ao meu trabalho.
Alto, uma figura um tanto despropositada.
Educado, nada agressivo.
Um ligeiro aspecto de idiota misturado com atrasado mental mas que pode também ser adiantado mental.
Pediu desculpa por me incomodar. Delicado, portanto.
Quando se despediu, disse:
- Então um resto de boa tarde e bem-haja.
Bem-haja.... com que naturalidade ele utiliza esta expressão.
Ele saiu e eu sorri e abanei a cabeça.
Na... desta vez não me apanham assim.
- Olha para elas, mãe, parecem... vou ter que dizer, parecem mesmo umas galinhas.
Onde é que elas irão?
Domingo de manhã, na feirinha.
Aproximamo-nos.
Beijinho, beijinho, beijinho, beijinho.
- Então os seus filhos?
- Nem sei, ainda devem estar a dormir. Hoje é dia da mulher, vamos todas ali almoçar e eu não fiz nada. Eles que se amanhem, nem a mesa pus, só lhes arranjei os morangos para não dizer que não fiz nada.
F. e L.
- O melhor é não falares mais no assunto e fazeres como te estou a dizer.
- Mas pai...
- Não vale a pena.
Conversei com o meu pai ao telefone, que me notificou de uma decisão que a minha mãe tomou e que, pelos vistos, é irrevogável.
Não gostei, incomodam-me pessoas que não revogam.
Quando está sol, podemos beber o café fora da cozinha.
Café e algumas bebidas digestivas, como Favaios ou Macieira com gelo.
- Pus Favaios a mais no copo.
- Eu bebo um bocadinho.
O meu irmão chegou com um copo de Macieira.
- Também gostas de Macieira, tia?
- Se fosse por gosto, eu seria uma bêbada inveterada. Eu gosto de tudo.
Pegou na camisola e colocou-a na cabeça porque o sol estava muito forte.
Ela lembra-se, e eu também, que foi ela que me comprou a minha Barbie e que eu escolhi a Marina-Hawai porque era a mais barata, o que foi um gesto muito apreciado.
Era uma barbie linda, morena de cabelo preto.
Eu era muito esperta.
E.
- Eu sei que posso parecer antiquada mas nisto eu nunca vou achar de outra maneira: é o homem que deve ir atrás da mulher.
Eu não respondi.
Eu vou atrás dos homens, pensei eu, quando gosto, persigo-os com mails e mensagens, apareço em sitios que sei que vão aparecer porque estudei o seu quotidiano, recolho toda a informação possível sobre eles, googlo tudo o que conseguir, observo os pormenores como sapatos e calças e pastas e pequenos hábitos que, quando estou apaixonada, me aparecem como delícias maravilhosas, surpreendentes e únicas.
Podem ser só lenços de papel, podem ser só defeitos de linguagem ou mesmo maus cortes de cabelo mas tornam-se fenomenos incríveis da natureza.
Enquanto eu pensava sobre isto, todas as mulheres presentes na sala à altura desta conversa, discorriam acerca de caber ao homem andar atrás da mulher, e enquanto falavam sobre isso, sorriam, nervosas, vulneráveis.
Riam-se deles.
M.
Claro, também eu acho que devem ser os homens a investir o seu tempo a arranjar maneiras de me perseguir sem parecer que o estão a fazer de facto.
Mas na verdade, nem eles sonham, mas eu sou muito fácil.
Ainda hoje, foi lá um rapaz ao meu trabalho.
Alto, uma figura um tanto despropositada.
Educado, nada agressivo.
Um ligeiro aspecto de idiota misturado com atrasado mental mas que pode também ser adiantado mental.
Pediu desculpa por me incomodar. Delicado, portanto.
Quando se despediu, disse:
- Então um resto de boa tarde e bem-haja.
Bem-haja.... com que naturalidade ele utiliza esta expressão.
Ele saiu e eu sorri e abanei a cabeça.
Na... desta vez não me apanham assim.
sábado, 28 de fevereiro de 2009
Quando te dou o frasco para tu o abrires, eu já fiz a força toda
As cadeiras onde trabalho têm rodinhas.
Gosto disso, utilizo muito essa função.
Também me recosto, estico o pescoço para trás e espreguiço-me nelas.
É muito agradável.
Ao início da tarde, é sempre difícil ganhar algum ânimo para trabalhar.
Como detesto toda a gente, incluindo eu, só me apetece vir para casa a ver televisão.
Isso mesmo: vir para casa ver televisão.
Quarta feira de cinzas e o início do tempo favorável à conversão.
Jesus foi impelido pelo Espírito a ir para o deserto e por lá ficou 40 dias e 40 noites, antes de iniciar os seus comícios, a sua vida pública, digamos assim.
Quarta feira de cinzas e quando dermos esmola, não saiba a mão esquerda o que faz a nossa direita.
E, ao jejuarmos, cobramo-nos de perfume para não sermos confundidos como os hipócritas legalistas, sepulcros caiados, porque o sabádo foi feito para o homem e não o homem para o sábado.
Quarta feira de cinzas e em frente da minha secretária está uma grande janela panorâmica onde vejo árvores.
De cadeira de rodinhas, a minha colega aproxima-se após mais um dos meus comentários cheios de raiva.
- É que, diz-me ela, quando eu te conto algum problema tu dizes sempre alguma coisa que me ajuda e parece-nos a nós que não podemos fazer nada para te ajudar.
(Falam de mim entre elas, claro que falam, pensam em como ando menos bem disposta, gostam de mim, sentem que é difícil apoiar-me, é só porque gostam de mim, isso enternece-me)
Quarta feira de cinzas e eu e ela temos lágrimas prestes a sair e a fazer daqueles minutos um momento constrangedor e demasiado profundo e íntimo para aquele espaço de trabalho cheio de sol e do ar da tarde.
- Vocês não podem fazer nada, desculpa, têm acontecido coisas e eu só queria dois meses sem uma má notícia.
Contive o choro, ela saiu de rodinhas de volta à sua secretária.
Que coisa horrível que eu disse, que arrogância, que crueldade para quem gosta de mim, eu não posso pegar nesta tonelada de coisa triste e raivosa que tenho sentido em mim e mandar para cima dos outros e nem sequer devo pegar nesse peso e coloca-lo ao alto, para que todos vejam o que carrego.
Olhei para a janela, perfumei-me, nos dias a seguir a esta conversa fui novamente trabalhar bem disposta, e assim tudo correu pelo melhor.
Quarta feira de cinzas e irmãos convertei o vosso coração à boa nova: mudai de vida, sabei que Deus vos ama.
Gosto disso, utilizo muito essa função.
Também me recosto, estico o pescoço para trás e espreguiço-me nelas.
É muito agradável.
Ao início da tarde, é sempre difícil ganhar algum ânimo para trabalhar.
Como detesto toda a gente, incluindo eu, só me apetece vir para casa a ver televisão.
Isso mesmo: vir para casa ver televisão.
Quarta feira de cinzas e o início do tempo favorável à conversão.
Jesus foi impelido pelo Espírito a ir para o deserto e por lá ficou 40 dias e 40 noites, antes de iniciar os seus comícios, a sua vida pública, digamos assim.
Quarta feira de cinzas e quando dermos esmola, não saiba a mão esquerda o que faz a nossa direita.
E, ao jejuarmos, cobramo-nos de perfume para não sermos confundidos como os hipócritas legalistas, sepulcros caiados, porque o sabádo foi feito para o homem e não o homem para o sábado.
Quarta feira de cinzas e em frente da minha secretária está uma grande janela panorâmica onde vejo árvores.
De cadeira de rodinhas, a minha colega aproxima-se após mais um dos meus comentários cheios de raiva.
- É que, diz-me ela, quando eu te conto algum problema tu dizes sempre alguma coisa que me ajuda e parece-nos a nós que não podemos fazer nada para te ajudar.
(Falam de mim entre elas, claro que falam, pensam em como ando menos bem disposta, gostam de mim, sentem que é difícil apoiar-me, é só porque gostam de mim, isso enternece-me)
Quarta feira de cinzas e eu e ela temos lágrimas prestes a sair e a fazer daqueles minutos um momento constrangedor e demasiado profundo e íntimo para aquele espaço de trabalho cheio de sol e do ar da tarde.
- Vocês não podem fazer nada, desculpa, têm acontecido coisas e eu só queria dois meses sem uma má notícia.
Contive o choro, ela saiu de rodinhas de volta à sua secretária.
Que coisa horrível que eu disse, que arrogância, que crueldade para quem gosta de mim, eu não posso pegar nesta tonelada de coisa triste e raivosa que tenho sentido em mim e mandar para cima dos outros e nem sequer devo pegar nesse peso e coloca-lo ao alto, para que todos vejam o que carrego.
Olhei para a janela, perfumei-me, nos dias a seguir a esta conversa fui novamente trabalhar bem disposta, e assim tudo correu pelo melhor.
Quarta feira de cinzas e irmãos convertei o vosso coração à boa nova: mudai de vida, sabei que Deus vos ama.
Subscrever:
Mensagens (Atom)